segunda-feira, 26 de novembro de 2012

UMA CARTA DO CAMARADA GRAMSCI PARA O CAMARADA TROTSKI SOBRE O FUTURISMO ITALIANO



Eis aqui as respostas ás perguntas que você me fez sobre o Futurismo italiano.
O movimento futurista na Itália perdeu completamente os seus
traços característicos depois da guerra. Marinetti dedica-se muito
pouco ao movimento. Casou-se e prefere consagrar sua energia á esposa.
Monarquistas, comunistas, republicanos e fascistas participam hoje do
movimento futurista. Em Milão há pouco tempo se fundou um semanário
político, IL PRINCIPE, que formula ou procura formular as teorias
desenvolvidas por Maquiavel para a Itália do século XV, a saber: Só um
monarca absoluto, um novo César Borgia, colocando-se á frente dos
grupos rivais pode encerrar a luta que divide os partidos locais e
leva a nação ao caos: Dois futuristas, Bruno Corra e Enrico
Settimelli, dirigem o orgão. Marinetti colabora hoje nesse periódico,
embora tenha sido preso por causa de violento discurso contra o rei,
que pronunciou em 1920, durante uma manifestação patriótica em Roma.
Os principais porta vozes dos futurismo de antes da guerra
tornaram-se fascistas, á exceção de Giovanni Papini, que se converteu
ao catolicismo e escreveu uma História de Cristo. Os futuristas
durante a guerra, foram os mais tenazes partidários da " luta até a
vitória final " e do imperialismo. Só um fascista Aldo Palazzeschi,
declarou-se contra a guerra. Rompeu com o movimento e terminou
emudecendo como escritor, embora fosse dos mais inteligentes.
Marinetti publicou um manifesto para demonstrar que a guerra-
sempre, aliás, exaltada por ele - constituia o único remédio higiênico
para o universo. Tomou parte no conflito como capitão de um batalhão
de carros blindados, aos quais teceu um hino entusiasta no seu último
livro, ALCOVA DE AÇO. Escreveu também uma brochura intitulada FORA DO
COMUNISMO, na qual desenvolve suas doutrinas políticas - se é que se
pode qualificar de doutrina as fantasias desse homem - que são por
vezes espirituosas e sempre estranhas.
A sessão de Turim do Proletkult, antes de minha partida da Itália,
pediu a Marinetti que explicasse aos operários, na abertura de uma
exposição, de quadros futuristas, o sentido do movimento. Ele aceitou
de boa vontade o convite. Visitou a exposição com os operários e
declarou-se satisfeito com o fato de demonstrarem mais sensibilidade
que os burgueses no que concerne á arte futurista.
O futurismo antes da guerra era muito popular entre os operários. A
revista L´ACERBO tinha uma tiragem que atingia 20.000 exemplares dos
quais quatro quintos circulavam entre os operários. Por ocasião de
numerosas manifestações de arte futurista nos teatros das maiores
cidades italianas, os operários defendiam os futuristas contra os
jovens - semi- aristocratas e burgueses - que os atacavam.
o grupo futurista de Marinetti não existe mais. Um certo Mário
Dessi, homem sem o menor valor intelectual, e como organizador, agora
dirige o seu antigo periódico POESIA. No sul, sobretudo na Sicília,
apareceram muitas folhas futuristas nas quais Marinetti escreve
artigos ; publicam-nas estudantes que encobrem com o futurismo sua
ignorância da gramática italiana. Os pintores compõem o grupo mais
importante entre os futuristas. Há em Roma uma exposição permanente de
pintura futurista organizada por um certo Antonio Giulio Bragaglia,
fotógrafo falido, produtor de cinema e empresário.
O mais conhecido dos pintores futuristas é Giorgio Balla.D`
Annunzio, publicamente, nunca tomou posição em relação ao futurismo.
Deve-se dizer que o futurismo em sua origem, manifestava-se
expressamente contra d´Annunzio.
Um dos primeiros livros de Marinetti intitulava-se LES DIEUX S`
EN VONT, D` ANNUNZIO RESTE. Ainda que durante a guerra os programas
políticos de Marinetti e de Annunzio coincidissem em todos os pontos,
os futuristas permaneceram anti- d` Annunzio. Eles praticamente não
demonstraram interesse algum pelo movimento de FIÚME embora mais tarde
participassem das manifestações.
Pode-se dizer que depois da conclusão da paz, o movimento
futurista perdeu completamente seu caráter e dissolveu-se em diversas
correntes, formadas no transcurso da guerra e em consequência dela. Os
jovens intelectuais são quase todos reacionários. Os operários, que
viram no futurismo elementos de luta contra a velha cultura acadêmica
italiana, ossificada e estranha ao povo, hoje devem combater de armas
na mão por sua liberdade e demonstram pouco interesse pelas velhas
querelas. Nas grandes cidades industriais, o programa do Proletkult,
que busca despertar o espírito criador do operário para a literatura e
a arte, absorve a energia daqueles que ainda tem tempo e desejo de
ocupar-se com tais questões.


Antonio Gramsci, 1922.

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