terça-feira, 28 de agosto de 2012

DO POEMA " AMÉRICA ", DE ALLEN GINSBERG





América eu te dei tudo e agora não sou nada.

América dois dólares vinte e sete centavos 17 de janeiro de 1956

América não aguento mais minha própria mente

América quando acabaremos com a guerra humana?

Vá se foder com sua bomba atômica

Não estou legal não me encha o saco

Não escreverei meu poema enquanto não me sentir legal

América quando é que você será angelical?

Quando você tirará sua roupa?

Quando você se olhará através do túmulo?

Quando você merecerá seu milhão de trotskistas?

América por que suas bibliotecas estão cheias de lágrimas?

América quando você mandará seus ovos para a India?

Estou cheio das suas exigências malucas


Allen Ginsberg, 1956.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

PRÓLOGO DA PEÇA " OS CABEÇAS REDONDAS E OS CABEÇAS PONTUDAS OU RICO SE DÁ COM RICO. UMA FÁBULA DE HORROR ", DE BERTOLT BRECHT:



Diante da pequena cortina surgem sete atores: O Diretor do teatro,
o Governador, o arrendatário Rebelde, o Latifundiário, sua Irmã, o
Arrendatário Callas e sua Filha. Os quatro últimos vestem camisa. O
Governador em seu traje, mas sem máscara, carrega uma balança com dois
crânios pontudos e dois redondos; o Arrendatário Rebelde carrega uma
balança com duas roupas finas e duas em trapos; ele também está
trajando, mas sem máscara.

DIRETOR DE TEATRO:
- Honorável público, o espetáculo será iniciado
Quem o escreveu é um homem viajado
(A propósito, nem sempre viaja voluntário)
Nessa apresentação
Vai mostrar-lhes sua visão.
Para resumir em duas sentenças:
Viu terríveis desavenças.
Viu com o negro o branco lutar
Um pequeno amarelo viu um grande amarelo derrubar
Viu um finlandês num sueco atirar uma pedrada
E um homem de nariz arrebitado bater noutro de venta curvada
Nosso autor informou-se então do porquê da dissensão
Descobriu que se encontra na região
O homem que é o salvador dos povos
Aquele que distribui crânios novos
Carrega em seu bolso narizes e peles de toda cor
E assim separa o amigo do amigo e o noivo de seu amor
Grita alto no campo e na cidade:
Tudo depende da cabeça que lhe cabe.
Porque por onde o entregador passa
Olha-se em todos pele, nariz e carcaça
E todo aquele será trucidado
Que dele ganhou o crânio errado.
Por toda a parte nosso autor será interrogado
Se a diferença dos crânios não o deixava irritado
Ou se não percebia diferença alguma.
Dizia então: Não vejo diferença nenhuma.
Mas eu vejo sim uma desigualdade
Muito maior que dos crânios somente
Que deixa marca mais evidente
Que decide entre dor e felicidade.
E sem apontá-la logo não fico:
É a diferença entre o pobre e o rico
Penso que é melhor que aqui fiquemos
Vejam a parábola que escrevemos
Nela eu mostro a qualquer um
Que é esse o ponto e mais nenhum.
Essa parábola, meus caros, será agora encenada
Do baú
Tiramos e construímos em nosso palco um país de nome
Jahoo
Nele o entregador seus crânios entregará .
E para alguns o destino mais rápido chegará.
Mas o autor vai cuidar para que se faça então
A distinção entre quem tem pouco e quem tem um montão
Fará algumas roupas distribuir
De acordo com a fortuna que cada um possuir
Portanto as portas agora devem se fechar!
O grande entregador seus crânios vai desfilar.

O GOVERNADOR DÁ UM PASSO Á FRENTE E DEMONSTRA EM MEIO A RUÍDOS
METÁLICOS SUA BALANÇA DE CRÂNIOS:
- Todos podem ver, dois crânios temos aqui.
Diferença tão brutal, nunca antes vi:
Um é redondo, o outro espetado.
Este é saudável. Este adoentado
Onde houver injustiça e resignação
É sempre ele o xis da questão.
Onde houver desigualdade, atrofia muscular e obesidade
Deste é a responabilidade
Quem com a minha balança pesar
O justo do injusto saberá separar

ABAIXA COM O DEDO O PRATO COM OS CRÂNIOS REDONDOS.


O DIRETOR APRESENTANDO O ARRENDATÁRIO REBELDE:
- Mostra agora, distribuidor de vestes, as roupas
Que em tua balança carrega
E que aos homens ainda no berço tu entregas.


ARRENDATÁRIO REBELDE MOSTRA SUA BALANÇA:
- Acho que ver a diferença não é dificil
Esta é boa e esta é surrada.
Acho que negar isso não leva a nada.
Quem com esta vai trajando
Quase nunca será tratado
Como aquele que com esta desfila
Isso se sabe na cidade e na vila.
Quem com a minha balança pesar
Saberá na mão de quem o bolo vai parar

BAIXA COM O DEDO O PRATO COM AS ROUPAS FINAS .

DIRETOR:
- Como vêem, o autor usa dois contrapesos com diferentes normas
Numa pesa roupas furadas e trajes ilesos.
Noutro pesa crânios de duas formas
E agora seu prazer pessoal: ele pesa os dois contrapesos.

PEGA AS DUAS BALANÇAS NAS MÃOS E PESA UMA COM A OUTRA. EM SEGUIDA
DEVOLVE-AS E DIRIGE-AS A SEUS ATORES:
- Vós que da parábola sois atores
Escolhei diante dos espectadores
Como na peça vos foi indicado.
E se o autor, como cremos, tiver razão
Então com a roupa escolhereis o fado
E não com o crânio. Ao combate então!

O ARRENDATÁRIO PEGANDO DUAS CABEÇAS REDONDAS:
-Ficamos com a redonda, minha filha.

O LATIFUNDIÁRIO:
- Nós usaremos a pontuda

A IRMÃ DO LATIFUNDIÁRIO:
- Por vontade do Sr Bertolt Brecht...

A FILHA DO ARRENDATÁRIO:
- Filha de redonda, redonda é.
Sou redonda do sexo feminino

O DIRETOR:
- Aqui está o figurino.
OS ATORES ESCOLHEM SUAS ROUPAS.

O LATIFUNDIÁRIO:
- Eu faço o latifundiário

O ARRENDATÁRIO:
- Eu o arrendatário, que mau.

A IRMÃ DO LATIFUNDIÁRIO:
- A irmã do latifundiário, eu.

A FILHA DO ARRENDATÁRIO:
- E eu horizontal

O DIRETOR PARA OS ATORES:
- O problema foi entendido, eu espero.

OS ATORES:
- Sim.

O DIRETOR CONFERINDO MAIS UMA VEZ:
- Cabeças redondas e pontudas: nós temos
A diferença entre o pobre e o rico: está aí
Então mostremos bastidores e tablado
E o mundo na parábola será mostrado!
Esperamos aos senhores poder mostrar
Com que diferenças que se deve contar

TODOS VÃO PARA TRÁS DA PEQUENA CORTINA.




Bertolt Brecht, 1931-1934.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

EQUÍVOCOS SOBRE A ESTÉTICA MARXISTA


...Segundo a concepção da estética marxista, o traço dominante dos
grandes realistas é, pois, a tentativa apaixonada e espontânea de
captar e reproduzir a realidade tal como ela é, objetivamente, na sua
essência. A esse respeito, são numerosos os equívocos correntes acerca
da estética marxista. Costuma-se repetir que ela subestima a ação do
sujeito, que ela subestima a eficácia do fator artístico subjetivo na
criação da obra de arte. Costuma-se confundir Marx com aqueles
vulgarizadores que permanecem teoricamente presos ás tradições
naturalistas e apresentam como marxista o falso e mecânico objetivismo
dessas tradições. Tivemos, contudo, ocasião de constatar que um dos
problemas centrais da concepção marxista é a dialética do fenômeno e
da essência, e descoberta e enunciação da essência no contexto das
contraditórias manifestações fenomênicas. Ora, se não cremos que o
sujeito artístico " crie " ex nihilo algo de radicalmente novo, se
reconhecemos que ele descobre uma essência que existe
independentemente dele(e não é acessível a todos e permanece por muito
tempo oculta até para o maior dos artistas), nem por isso a atividade
do sujeito cessa ou vem diminuída em seja lá o que for.
Portanto, se a estética marxista identifica o maior valor da
atividade criadora do sujeito artístico no fato dele assumir nas suas
obras o processo social universal e torna-lo sensível,
experimentalmente acessível, e se nessas obras se cristaliza a
autoconsciência do sujeito, o despertar da consciência do
desenvolvimento social, nada disso implica em uma subestimação da
atividade do sujeito artístico, e sim, pelo contrário, temos uma
legítima valorização desta atividade, mais elevada do que a de
qualquer outro critério precedente.
Ainda aqui, como em tudo, o marxismo nada cria de " radicalmente
novo ". Já a estética de Platão, a sua doutrina do reflexo artístico
das idéias, aflorava essa questão. Mas também neste campo o marxismo
recoloca sobre seus próprios pés a verdade que os grandes idealistas
tinham descoberto invertida. Por um lado, o marxismo não admite, como
vimos, uma exclusiva contra-posição entre fenômeno e essência,
procurando a essência no fenômeno e o fenômeno na relação orgânica com
a essência. Por outro lado, captar esteticamente a essência,a idéia,
não constitui para o marxismo um ato simples e definitivo e sim um
processo; um processo que é movimento, aproximação gradual da
realidade essencial(mesmo porque a realidade mais profunda e essencial
é sempre apenas uma porção daquela totalidade do real que integra até
mesmo o fenômeno superficial).
Por isso, se o marxismo realça a objetividade mais radical do
conhecimento e da representação estética, acentua também, ao mesmo
tempo, o papel indispensável do sujeito criador, já que este processo,
esta aproximação gradual da essência oculta, é uma estrada que se abre
somente para os maiores e mais perseverantes gênios da criação
artística. A objetividade da ciência marxista chega ao ponto de não
reconhecer nem mesmo á abstração - a abstração verdadeirmente sensata
- a propriedade de mero produto da consciência humana, e demonstra, ao
contrário, especialmente para as formas primárias do processo
social(isto é, as formas econômicas) , de que modo a abstração se
realiza e opera á base da propria realidade social e de seus objetos.
Mas, para poder acompanhar o processo de abstração e entender a
fantasia, trilhar o caminho dela, elucidar os seus desenvolvimentos, é
preciso concentrar em figuras e situações típicas o tecido do processo
global, do conjunto da evolução social. E, para isso, requer-se um
gênio artístico da máxima grandeza.
Vemos, por conseguinte, que a objetividade da estética marxista não
se acha absolutamente em contradição com o reconhecimento do fator
subjetivo da arte. Mas ainda assim que deveremos considerar esta idéia
de outro ângulo diferente:Ás nossas considerações precisamos
acrescentar que a objetividade marxista não significa neutralidade em
face dos fenômenos sociais. Exatamente porque - como justamente
reconhece a estética marxista - o grande artista não representa coisas
ou situações estáticas, e sim investiga a direção e o ritimo dos
processos , cumpre-lhe, como artista, definir o caráter de tais
processos. E, numa tomada de consciência deste gênero, já está
implícita uma tomada de posição. A concepção segundo a qual o artista
seria só um espectador passivo desses processos, situar-se-ia acima de
tudo e qualquer movimento social(a flaubertiana impassibilité) é, no
melhor dos casos uma ilusão, uma forma de auto-engano; mas quase
sempre não passa de uma evasão, uma fuga ante os grandes problemas da
vida e da arte. Não há grande artista em cuja representação da
realidade não se aproximam , ao mesmo tempo, também as suas opiniões,
desejos, aspirações apaixonadas e nostálgicas. Será essa constatação
contraditória em relação á nossa assertiva de que a essência da
estética marxista é a objetividade?
Entendemos que não. E, para poder destrinchar a questão, devemos
lembrar ligeiramente o problema da chamada arte de tendência ou de
tese, procurando esclarecer qual seja a interpretação marxista do
problema e quais as relações dessa interpretação com a estética
marxista. O que é a tese? Numa acepção superficial, é uma tendência
política ou social do artista que ele quer demonstrar, defender e
ilustrar com a sua própria obra de arte. É interessante e sintomático
que Marx e Engels sempre se exprimissem com ironia a respeito de tais
construções artificiosas, quando tratavam de uma arte dessa espécie. A
ironia deles torna-se especialmente áspera quando verificam que o
escritor, para demonstrar a verdade de qualquer proposição ou
justificação, violenta a realidade objetiva, deformando-a. (Vejam-se
em particular, as observações críticas de Marx sobre Sue). Mesmo
quando se trata de um grande escritor, Marx protesta contra a
tendência para utilizar toda a obra ou mesmo um só personagem como
expressão direta e imediata das opiniões do autor, o que priva o
personagem da autêntica possibilidade de viver até o fundo suas
próprias faculdades vitais segundo as leis íntimas e orgânicas da
dialética de seu próprio ser. E é isso que Marx desaprova na tragédia
de Lassale(...).
... No entanto, semelhante rejeição da literatura de tendência não
significa de maneira alguma que a verdadeira literatura não implique
em uma tendência. Observe-se que a realidade objetiva, em si mesma,
não é uma caótica mistura de movimentos sem direçãoe sim um processo
evolutivo que possui internamente tendência fundamental própria dele.
O desconhecimento desse fato, desse dado, e uma tomada de posição
falsa em face da sua existência ocasionam sempre grandes prejuízos a
qualquer criação artística.


Georg Lukács, 1945.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

NÓS: VARIAÇÃO DO MANIFESTO


Nós nos denominamos KINOKS para nos diferenciar dos " cineastas ",
esse bando de ambulantes andrajosos que impingem com vantagem as suas
velharias.

Não há, a nosso ver, nenhuma relação entre hipocrisia e a
concupiscência dos mercadores e o verdadeiro " kinokismo ".

o cine-drama psicológico russo-alemão, agravado pelas visões e
recordações da infância , afigura-se aos nossos olhos como uma
inépcia.

Aos filmes de aventura americanos, esses filmes cheios de dinamismo
espetacular, com mise en scéne á Pinkerton, o Kinok diz obrigado pela
velocidade das imagens, pelos primeiros planos. Isso é bom, mas
desordenado e de modo algum fundamentado sobre o estudo preciso do
movimento. Um degrau acima do drama psicológico, falta-lhe apesar de
tudo, fundamento. É banal. É a cópia da cópia.

Nós declaramos que os velhos filmes romanceados e teatrais têm lepra.

- Afastem-se deles!

- Não os olhem!

-Perigo de morte!

- Contagiosos!

Nós afirmamos que o futuro da arte cinematográfica é a negação do
seu presente.

A morte da " cinematografia " é indispensável para que a arte
cinematográfica possa viver.

Nós os concitamos a acelerar sua morte.

Nós protestamos contra a miscigenação das artes a que muitos chamam
de síntese. A mistura de cores ruíns ainda que escolhidas entre todos
os tons, do espectro, jamais dará o branco mas sim o turvo.

Chegaremos á síntese na proporção em que o ponto mais alto de cada
arte for alcançado. Nunca antes.

Nós depuramos o cinema dos kinoks dos intrusos: Música, literatura e
teatro. Nós buscamos o nosso ritmo próprio, sem rouba-lo de quem quer
que seja, apenas encontrando-o reconhecendo-o no movimento das coisas.

Nós os conclamamos:

- A fugir

- Dos langorosos apelos das cantilenas românticas

- Do veneno do romance psicológico

- Do abraço do teatro do amante

- E a virar as costas a música


- A fugir -

Ganhemos o vasto campo, o espaço em quatro dimensões ( 3 + o tempo),
á procura de um material, de um metro, de um ritmo completamente
nosso.

O " psicológico " impede o homem de ser tão preciso quanto o
cronômetro, limita o seu anseio de se assemelhar a máquina.

Não temos nenhuma razão para, na arte do movimento, dedicar o
essencial de nossa atenção ao homem de hoje.

A incapacidade dos homens em saber se comportar nos coloca em
posição vergonhosa diante das máquinas. Mas, o que se há de fazer, se
os caprichos infalíveis da eletricidade nos tocam mais do que o atrito
desordenado dos homens ativos e a lassidão corrupta dos homens
passivos?

A alegria que nos proporcionam as danças das serras numa serra é
mais compreensivel e mais próxima do que a que nos proporcionam os
requebros desengonçados dos homens.

NÓS não queremos mais filmar temporariamente o homem, porque ele não
sabe dirigir os seus movimentos.

Pela poesia da máquina, iremos do cidadão lerdo ao homem elétrico perfeito.

Ao revelar a alma da máquina, promovendo o amor do operário por seu
instrumento, da camponesa por seu trator, do maquinista por sua
locomotiva,
nós introduzimos a alegria criadora em cada trabalho mecânico,
nós aproximamos os homens das máquinas
nós educamos os novos homens

O novo homem, libertado da canhestrice e da falta de jeito, dotado
dos movimentos precisos e suaves da máquina, será o tema nobre dos
filmes.

NÓS caminhamos de peito aberto para o reconhecimento do ritmo da
máquina, para o deslumbramento diante do trabalho mecânico, para a
percepção da beleza dos processos químicos. Nós cantamos os tremores
da terra, compomos cine-poemas com as chamas e a centrais elétricas,
admiramos os movimentos dos cometas e dos meteoros, e os gestos dos
projetores que ofuscam as estrelas.

Todos aqueles que amam a sua arte buscam a essência profunda da sua
própria técnica.

A cinematografia, que já tem os nervos emaranhados, necessita de um
sistema rigoroso de movimentos precisos.

O metro, o ritmo,a natureza do movimento, sua disposição rígida com
relação aos eixos das coordenadas da imagem e, talvez, os eixos
mundiais das coordenadas(três dimensões + a quarta, o tempo) devem ser
inventariados e estudados por todos os criadores do cinema.

Necessidade, precisão e velocidade: Três imperativos que nós exigimos
do movimento digno de ser filmado e projetado.

Que seja um extrato geométrico do movimento por meio da alternância
cativante das imagens, eis o que se pede da montagem.

o kinokismo é a arte de organizar os movimentos necessários dos
objetos no espaço, graças á utilização de um conjunto artístico
rítimico adequado ás prpriedades do material e ao ritmo interior de
cada objeto.


Os intervalos(passagem de um movimento para o outro), e nunca os
próprios movimentos, constituem o material(elementos da arte do
movimento). São eles(os intervalos) que conduzem a ação para o
desdobramento cinético. A organizaçãodo movimento é a organização dos
seus elementos, isto é, dos intervalos na frase. Distingue-se , em
cada frase, a ascensão, o ponto culminante e a queda do movimento (que
se manifesta nesse ou naquele nível). Uma obra é feita de frases,
tanto quanto essas últimas são feitas de intervalos de movimentos.

Depois de conceber um cine-poema ou um fragmento, o kinok deve saber
anotá-lo com precisão, afim de dar-lhe vida na tela, desde de que haja
condições favoráveis para tal.

Evidentemente, nem o roteiro mais perfeito será capaz de substituir
essas notas, tanto quanto o libreto não substitui a pantomima e os
comentários literários sobre Scriabin não dão nenhuma idéia da música.

Para poder representar um estudo dinâmico sobre uma folha de papel é
preciso dominar os signos gráficos do movimento.

NÓS estamos em busca da cine-gama

NÓS caimos e levantamos ao ritmo de movimentos,
lentos e acelerados,
correndo longe de nós, próximos a nós, acima, em círculo, em linha,
em eclipse, á direita e á esquerda, com os sinais de mais e de menos,
os movimentos se curvam, se endireitam, se dividem,
se fracionam, se multiplicam por si próprios,
cruzando silenciosamente o espaço.

O cinema é também a arte de imaginar os movimentos dos objetos no
espaço. Respondendo ao imperativos da ciência, é a encarnação do sonho
do inventor, seja ele sábio, artista, engenheiro ou carpinteiro.
Graças ao kinokismo, ele permite realizar o que é irrealizável na
vida.

Desenhos em movimento. Esboços em movimento. Projetos de um futuro
imediato. Teoria da relatividade projetada na tela.

NÓS saudamos a fantástica regularidade dos movimentos. Carregados nas
asas das hipóteses, nosso olhar movido a hélice se perde no futuro.

NÓS acreditamos que está próximo o momento de lançar no espaço as
torrentes de movimento retidas pela inoperância de nossa tática.

Viva a geometria dinâmica, as carreiras de pontos, de linhas, de
superfícies, de volumes.

Viva a poesia da máquina acionada e em movimento, a poesia dos
guindastes, rodas e asas de aço, o grito de ferro dos movimentos, os
ofuscantes trejeitos dos raios incandescentes.


Dziga Vertov, 1922