domingo, 28 de maio de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 67

Sabemos que é impossível utilizarmos uma régua para medir a influência exata de uma obra de arte na consciência. Os profissionais que controlam a indústria cultural, fazem cálculos e estabelecem padrões repetitivos com base na compra e venda de produtos. Suas pesquisas estéticas lhes permitem não apenas detectar o gosto, mas manipular politicamente as massas por meios de imagens que compensam ilusoriamente a perda da personalidade no trabalho alienado. Dominar por meio de produtos artísticos controlados pelo capital, é mais fácil do que pensar/criar com finalidades políticas emancipatórias.
 A arte que pretende fazer com que os homens tomem consciência sobre a sociedade da exploração e da alienação, estaria fadada ao fracasso histórico? Então os estudos clássicos da chamada Escola de Frankfurt selaram um frustrante destino para a arte? Certamente não. Aqueles que compreendem o sentido da história, analisando o seu movimento dialético, sabem que o modo de produção capitalista possui contradições que levarão inevitavelmente ao seu fim. Ainda que a indústria cultural seja um fato, a análise de autores como Adorno desconsidera o papel da luta de classes no processo histórico: os  modos de produção anteriores ao capitalismo encontraram seu fim. Se tomamos o proletariado como sujeito histórico, é porque ele é a classe que possui as condições necessárias para destruir a sociedade de classes. Ao tomarmos a história como algo vivo, dinâmico, assumimos a perspectiva política da classe trabalhadora. Tal perspectiva faz com que a arte surja como arma ideológica no seio da cultura.
 O cotidiano dos homens na sociedade capitalista não é estático: as lutas sociais aumentam a temperatura da arte, que adquire  impacto sensível em momentos de tensão. Se a produção em torno da cultura de massa esforça-se para manter o cotidiano intacto, a arte militante tenta subverter a percepção do chamado homem comum. Se olharmos para o Brasil hoje, a tensão política possibilita que um vídeo ou um texto literário, por exemplo, tenham um impacto social que não seria obtido em tempos de calmaria. É preciso que o artista interessado em conscientizar, em contribuir com a educação/formação, tenha perspicácia, imaginação e ousadia estética nestes dias que correm.

 

domingo, 21 de maio de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 66

Apresentamos Fatos e Guilhotinas, de Lenito.

" Uma guilhotina desceu pela floresta, passou pelo chão do sertão, cortou o vapor da chaminé de uma fábrica e chegou ao centro do poder. A lâmina decepou sorrisos, reformas políticas, finanças e arrotos de champanhe. Os Sans Quilottes falavam ameaçadoramente ao celular: O Brasil de 2017 está vendo o Antigo Regime ruir.
 Pelas redes sociais ficou claro que a Assembléia dos Estados gerais estava politicamente falida. Os sites do Primeiro e do Segundo Estado não conseguem mais esconder a instabilidade política. Não haverá espaço para monarquia constitucional. A Convenção está a caminho. Na Cinelândia, os jacobinos estão reunidos. Na avenida Paulista, tremulam as bandeiras dos trabalhadores. Enrangés abraçados com indígenas cantarolam sobre um dilúvio. Um rapper pensa sobre novas Bastilhas em queda.  A eventual derrocada do Antigo do regime poderá levar à eleições indiretas. Entre os revolucionários dos Terceiro Estado, encontramos os defensores das Diretas Já e os defensores da criação de uma Assembléia nacional constituinte. No meio do caos, um duende joga xadrez com uma operária na beira do abismo. 
As monarquias absolutistas de outros países apenas observam o que se passa no Brasil(deve-se levar em conta que tais países podem querer intervir militarmente caso o povo tome o poder). Por hora, o Antigo regime conta com drones que monitoram o explosivo ambiente político. 
 O rei está politicamente encurralado. Sua possível queda é cogitada pela mídia girondina. O calendário de uma mesa não consegue decidir qual será o dia seguinte. Até mesmo o mês, o ano e o século se confundem: maio de 2017? outubro de 1917? julho de 1789? Um historiador prudente puxa o autor destas linhas em direção à terra. Ele diz com respaldo:
 " - Meu caro poeta: basta de anacronismo! Enquanto revolucionário você já deveria ter entendido que a história não se repete. Além do mais, não estamos vivendo no Brasil uma situação revolucionária. O que existe é uma crise política. Cabe aos trabalhadores realizarem pressão popular para reverter este momento reacionário ". 
 Desperto do transe histórico e tento me desculpar com meu amigo historiador: ele está certo, a história não se repete. Porém, quando misturamos enredos históricos, juntando as imagens revolucionárias de ontem e de hoje, paralisamos o tempo dos reacionários! Peço licença para desenhar um único tempo da luta política. "


                                                                                      Lenito  

domingo, 14 de maio de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 65

Rascunho de uma possível plataforma para a literatura de combate:

1-  O escritor deve compreender os níveis de desenvolvimento da realidade histórica, sabendo expor por meio da narrativa, por meio das imagens, as contradições das sociedades de classes. Ao referir-se aos problemas da sociedade capitalista, ou aos problemas de qualquer outro período histórico, o autor deve dominar o material histórico sob o ponto de vista objetivo. Obs: tais considerações dizem respeito particularmente ao campo da prosa.

2- Caso adote a perspectiva estética do realismo, o escritor deve estar atento ao perigo de reproduzir técnicas literárias ultrapassadas, que não condizem com o desenvolvimento histórico da literatura. Não podemos escrever como se estivéssemos no século XIX. Pesquisar novos modos de expressão e adotar uma postura de invenção, contribuem para que o texto tenha flexibilidade linguística, tenha agilidade expressiva, potencializando sua força comunicativa.

3- Seja no texto em prosa ou no poema, e até mesmo nas tentativas de abolir os limites entre ambos, os escritores devem ser fiéis às suas necessidades interiores: a obra de arte é fruto de tal necessidade. Partindo desta necessidade, o escritor de esquerda segue conscientemente pelo terreno histórico, refletindo ao longo do processo de composição literária, sobre a maneira como o texto intervém sobre a consciência dos  leitores contemporâneos. Obs: Existem diferentes caminhos para o texto literário de combate. Tanto uma obra de caráter realista quanto uma obra que recorre à investigação dos fenômenos do inconsciente(tal como os surrealistas e os autores beats fizeram) , são necessárias para colocar em descrédito a cultura da classe dominante.

4- Escrever sem nenhuma imposição externa, ainda que tal imposição aparente ter um caráter político progressista.

5- Passar longe do chá literário e inserir o texto na realidade cultural da classe trabalhadora.

6- Defender a politização da arte, mas ao mesmo tempo considerar que os meios da arte possuem suas próprias leis: a força subversiva de qualquer obra de arte, consiste no fato da arte apresentar um necessário distanciamento em relação aquilo " que é " , em relação aquilo que existe. O escritor pode e deve ser um ativista, mas o tecido estético exige um procedimento específico, que envolve a lógica interna da obra de arte.

7- Assimilar criticamente as heranças estéticas da literatura revolucionária dos séculos XIX e XX.

8- Situar a crítica marxista como alavanca teórica, projeto revolucionário, ferramenta que orienta a visão de mundo do escritor. Entretanto, jamais fazer do marxismo uma camisa de força que impede o voo artístico e a pesquisa literária.

domingo, 7 de maio de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 64

Apresentamos Cabeça de Porco , de Marta Dinamite.

" A estátua do nobre homem... O mais abençoado! O mais rico! O mais alto! O mais feliz! Aquele que possui um perfil que rende fotos e mais fotos... Esta estátua teve sua cabeça misteriosamente arrancada do corpo. Num gesto de jaca madura, a cabeça caiu no colo de uma granfina histérica. Antes que a moça(coitada... Ela cacarejava, gaguejava, gritava tanto que o colar de pérola parecia gelatina transparente),deixasse a cabeça em local confortável, dois famintos seguiram na sua direção. Um dos famintos trazia um porrete. Uma coruja piou 3 vezes. Uma senhora fez o sinal da cruz. Um moleque gritou um palavrão.  Foi então que o porrete cantou: a cabeça da estátua partiu ao meio derramando sangue, borboletas, hipopótamos, sinaleiros, conventos, miado de onça pintada e estranhas jabuticabas.
 Ao entardecer, a burguesinha sentiu nojo da lama espalhada em seu quarto de nupcias. Ela terminou sua última garrafa de gim concluindo que as nuvens estavam encharcadas de culpa. Ela não amava, apenas representava num palco vazio em que a poltrona da frente trazia um espelho voltado para ela. Embaixo da sua cama, um anãozinho, que devorava batatinhas fritas, murmurava de modo perturbador a seguinte frase: " Não existe amor quando se usa cinto de segurança ".
 Durante o jantar, braços e mais braços envoltos em ternos importados e braceletes de ouro, dedicavam um brinde à estátua sem cabeça. Um silêncio repentino tomou o salão... O lustre ficou com a luz ruborizada... O piano cessou. Alguém não conseguiu conter os gases. Lá fora, selvagens dançavam em volta da casa. Eram os famintos que queriam comer as riquezas escondidas na mansão. O granfinos rezavam mas as paredes tremiam. O que fazer? Chamar o exército? Telefonar para algum super herói?  
 A mansão despareceu. Alguns falam que não sobrou nenhum tijolo. A vida não poderia continuar a mesma. O velho caiu da rede. A laranja secou no pé. O carro não andava. As cartas do baralho congelaram. A galinha não estava mais afim de botar ovos.  A fome gera um grito bárbaro! Os porcos não podem mais esconder suas pérolas. O burguês perdeu a cabeça. "


                                                                                              Marta Dinamite