domingo, 29 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 20

No último sábado(dia 28/05) ocorreu no Museu da Imagem e do Som da Cidade de Campinas, mais uma edição do ciclo GLAUBER+GODARD. Ao colocarmos em relevo as relações e as diferenças entre as cinematografias do brasileiro Glauber Rocha e do francês Jean Luc Godard, nos deparamos com um processo de radicalização estética que no final dos anos 60 e início de 70, culminou em vigorosas expressões de um cinema de guerrilha. Ontem após a exibição do longa O Leão de 7 Cabeças(1969), de Glauber Rocha, ocorreu um debate interessantíssimo em que os elementos estéticos do filme foram colocados/problematizados como necessidades a serem relidas e incorporadas ao atual contexto. Se um cinema que abra frentes de luta na cultura, era o que Glauber e Godard propunham, hoje esta ideia pode ser relida e incorporada a uma nova realidade técnica e política em que o audiovisual é realizado.
  As possibilidades históricas para a realização de um novo cinema político no Brasil de hoje, são inúmeras. Partindo das novas tecnologias digitais, estudantes e trabalhadores registram/filmam suas lutas: o resultado político de uma manifestação ou de uma passeata se multiplica quando outras pessoas assistem ao que se passou. Temos assim um primeiro dado, que é a compreensão/apropriação dos novos meios de produção(a câmera) que são utilizados num sentido progressista. O segundo dado, mais complexo e que sempre insistimos, envolve a necessidade de referências estéticas que permitam o desenvolvimento da linguagem destas novas experiências audiovisuais. Portanto, quem quiser saber qual é o futuro ou quais são as tendências dentro do cinema brasileiro, não procure dentro dos formatos tradicionais e nem nas instituições cinematográficas; procure observar o campo imagético que se abre no trabalho dos jovens militantes que seguram a câmera em punho.
 Naquilo que tange o referencial estético, é muito interessante observar que uma pequena, porém significativa, parcela da juventude está de saco cheio da previsibilidade do cinema comercial. Tem gente interessada em concepções cinematográficas que rompam com a linearidade de origem naturalista. Estes militantes de câmera na mão, buscam na história do cinema brasileiro os momentos de ruptura e inovação. A vontade de conhecer o Cinema Novo e o Cinema Marginal, por exemplo, representa a necessidade de uma outra gramática audiovisual, marcada pela invenção, pela criatividade do cineasta que deve ser entendido como autor(tal como o escritor e o pintor, por exemplo).
 Esta novíssima geração tem tudo a ganhar com concepções estéticas uteis para a elaboração de uma linguagem audiovisual que se diferencie do cinemão, da telenovela e do telejornalismo dominante. Voltando ao mencionado filme O Leão de 7 Cabeças, podemos observar que Glauber anuncia de modo original uma síntese de influências revolucionárias: o processo dialético de Eisenstein, o teatro de Brecht e a radicalização da desconstrução cinematográfica empreendida por Godard, são elementos utilizados por Glauber numa proposta estética que possui hoje uma incrível capacidade de comunicação. Tá aí um filme que a juventude brasileira interessada em filmar/militar precisa conhecer.

domingo, 22 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 19

Protestos de artistas, intelectuais e movimentos culturais marcaram a última semana. A tentativa do governo interino de reduzir o Ministério da Cultura a uma secretária subordinada ao Ministério da Educação, gerou um amplo e legitimo descontentamento entre profissionais das áreas teatral, cinematográfica, musical, etc. Ainda que o governo tenha recuado e o Ministério da Cultura tenha sido restabelecido, para nós o problema da cultura no Brasil depende de uma resolução política intimamente ligada a um outro projeto de sociedade. De fato, os recursos que o governo oferece para viabilizar importantes atividades culturais hoje, são direitos dos artistas e produtores de cultura no país. Entretanto, a realização de projetos artísticos e o pleno exercício da criação estarão sempre fadados a ficar, neste modelo de sociedade, no final da fila: a política cultural no sistema capitalista é a raiz do problema.
 É fundamental que a produção artística brasileira seja plural, assuma múltiplas formas, temas e expresse um país que definitivamente não é o retrato do gosto e da identidade da burguesia nacional. Mas para que esta diversidade cultural possa definitivamente expressar-se e viver do seu trabalho artístico, se faz necessário que artistas, intelectuais e movimentos culturais indaguem-se cada vez mais sobre o tipo de organização econômica e política que determina no Brasil o espaço que a arte ocupa na produção. Basta adquirir verbas ou incentivos para que o artista siga feliz e realizado num país de famintos? O que um filme ou uma peça teatral realmente tem a dizer sobre um país com 11 milhões de desempregados e com um sistema educacional que ofende/oprime a juventude ? A resolução destes problemas depende mais das ações dos trabalhadores, artistas e estudantes do que dos ministérios da Fazenda e da Educação.  Para nós o artista brasileiro, independentemente se suas escolhas estéticas, existe num país em que a obra de arte não pode ser um simples deleite de consumo.
 O Estado é responsável por projetos culturais que interessam à sociedade brasileira. Devemos, é claro, pressionar este Estado para que ele ofereça suporte material para a cultura. Mas enquanto antenas que captam uma época, os artistas precisam ir mais longe... Eles precisam fazer uma opção de classe: se estes artistas se colocam ao lado da maioria da população, então a realização do seu trabalho não depende apenas de verbas, mas de uma ação militante que contribua para esclarecer, agitar e ampliar o horizonte da classe trabalhadora. Sob estas circunstancias militantes, o artista assume sua posição histórica de trabalhador da cultura(ainda que ele tenha que muitas vezes passar apertado, fazendo bicos e exercendo outros ofícios, ele cria na marra e em nome de um movimento histórico mais amplo). Sem dúvida que é preciso lutar e exigir de um governo capitalista verbas necessárias para a viabilização concreta de obras e ideias. Mas esta necessária batalha, como aquela da semana passada, precisa ser parte de uma luta maior: é a luta dos artistas que participam do processo político que deve emancipar a classe trabalhadora.

domingo, 15 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 18

A liberdade em arte é um assunto ultrapassado? Se levarmos em conta que as experiências estéticas presentes na arte moderna e na arte contemporânea viraram no avesso as possibilidades expressivas mediante as transformações técnicas, não existem propriamente entraves na criação (pelo menos no ocidente). O mesmo poderia ser dito em relação à literatura, que ultrapassou as barreiras entre o poema, a prosa e a fala coloquial/popular. Entretanto, apesar destas conquistas históricas feitas com base na ousadia e no consequente escândalo, artistas ainda sofrem repressão. Esta repressão se dá geralmente quando as manifestações artísticas varam os limites institucionais da arte e tornam-se provocação, crítica radical e protesto contra aquilo que é.
 O que fazer com as conquistas estéticas do século passado? Se qualquer objeto existente(como uma lata de sopa ou uma pedra) quando retirados do seu contexto originário torna-se obra de arte, será que tudo e nada podem ser arte? A questão é bem mais complexa do que aparenta ser:  não é a obra em si, o objeto artístico que a exemplo de tudo o que existe pode ser uma mercadoria. O eixo libertário da questão está num tipo de atitude em relação à realidade; uma atitude(irônica, de estranhamento) que se esforça para estabelecer uma relação crítica e em alguns casos de revolta contra o que é estabelecido pelo capitalismo. Seria isto um reducionismo ideológico que não dá conta da complexidade da arte contemporânea? Não, pois uma análise reducionista seria aquele que crê no fato da arte resolver por si mesma a sua crise e o seu sentido no mundo atual. A arte não pode, a custo de se tornar mais um cacareco que nos cerca, deixar de existir fora das preocupações políticas.
   Marx comprovou que o capitalismo é essencialmente hostil à criação artística. Num sistema em que tudo e todos são coisas, são mercadorias, criar é no mínimo um ato de insubordinação, de transgressão. O fato da arte estar subordinada a lei geral da produção mercantil, ameaça a sua existência enquanto trabalho superior ou enquanto esforço interessado em atender as necessidades de expressão/comunicação dos indivíduos. Portanto, o que realmente dá sentido à criação artística do nosso tempo é a revolta, é um desejo de libertação de um modo de produção embasado na alienação e na exploração. Ok, nem todos os artistas precisam ser necessariamente de esquerda: tratar de questões políticas ou posicionar-se no campo filosófico do comunismo, são questões que dependem de formação política, de um entendimento sensível acerca da necessidade de transformar politicamente a realidade. Ninguém é obrigado a fazer isso. Mas como nenhum artista está acima da história, cabe a ele entender o seu trabalho mediante uma realidade concreta, cujo papel da arte é o mesquinho horizonte  da compra e venda.

domingo, 8 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 17

Hoje no Brasil, não é apenas a memória das lutas políticas da esquerda que é ameaçada pela onda direitista. As formas de crítica e resistência cultural são ameaçadas por uma propaganda rasteira: equipada com poderosos meios de doutrinação capitalista, esta propaganda visa menosprezar obras de arte e reflexões artísticas que exigem o fim das formas de opressão e castração da sociedade burguesa. Definitivamente não é hora de baixar a guarda: insistir numa arte que possa contribuir politicamente com a tomada de consciência sobre os problemas fundamentais do nosso tempo, significa preservar um espaço crítico que não aceita o bloqueio ideológico comprometido com a tentativa de forjar um mundo " unidimensional  ".
 Não existe nada de quixotesco em defender projetos estéticos contrários à ordem política estabelecida. Se faz necessário separar no campo da militância cultural as manifestações infantilmente idealistas das práticas que situam corretamente as implicações políticas da arte. Muita gente confunde ativismo com erupções narcisistas dignas de literatos. Por outro lado, o entendimento marxista das questões literárias e artísticas não é uma fria confirmação estética de conceitos científicos. A arte traz uma contribuição específica na luta política: resta não confundir a criação artística com a mera aplicação mecânica da Economia Política.
 Os artistas e militantes da cultura em geral, precisam compreender a origem materialista da arte para assim pensa-la mediante a realidade concreta. A obra de arte ou se quisermos de modo mais amplo, os fatos estéticos, não são nem o espírito que paira e nem manifestações flutuantes da linguagem. A arte é um esforço de afirmação e plenitude humana. Criar implica numa relação dialética entre sujeito e objeto: a síntese artística é um produto histórico determinado. Ao contrário do que um artista que surfa na estratosfera possa imaginar, a arte para o marxismo não é uma extensão imagética dos problemas do estômago; isto é, da miséria gerada pelo capitalismo. Não, a arte é um voo que possui raízes materiais: as asas do artista, sua elaboração livre da expressão artística, são gestos criadores que ameaçam os capitalistas que visam reduzir nossas vidas às imposições do capital. O artista militante sabe que criar no mundo atual significa promover a destruição de tudo aquilo que nos oprime.
   

domingo, 1 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 16

Qual é a imagem do proletariado neste 1 de maio de 2016? Pintura, poesia e fotografia agregam potencialidades expressivas que sempre fortaleceram a resistência, a união e a solidariedade entre os trabalhadores do mundo inteiro. Porém, embora a classe operária ainda seja a força motriz do modo de produção capitalista, existe um esforço reacionário para borrar o rosto do trabalhador através da tentativa de destruição dos seus históricos laços políticos. Além da fragmentação do espaço social do trabalho, que culmina no chamado capitalismo de serviços, existe toda uma transa ideológica montada pelo sistema: o sonho de fazer parte da classe média é uma ilusão alimentada por estéticas que possuem uma função política prática; ou seja, as imagens da luta de classes são substituídas pelas imagens do consumo e da alienação. Mas, as manifestações visuais do capital possuem pés de barro: no Brasil, por exemplo, a grave crise econômica desmonta as imagens alienantes.
 Qualquer artista que deseje criar uma imagem que se relacione com a sociedade brasileira dos nossos dias, não pode ignorar mais de 10 milhões de desempregados. Da mesma maneira que um verso não pode deixar de falar em lamento e inconformismo, uma foto não pode esconder uma criança faminta. Quando se pergunta sobre o tipo de arte que poderemos realizar no Brasil de hoje, a única resposta passa por um grito enfurecido que carrega todas as dores do nosso proletariado. Não é um grito passivo, derrotista ou ainda retocado pelo sentimentalismo barato. Em termos artísticos este grito é um protesto que precisa se converter numa força política: as imagens definitivas que plasmam o Brasil de 2016 não podem ser a da classe média verde amarelista  sedenta por repressão política e defensora do conservadorismo. As imagens historicamente necessárias são as imagens dos trabalhadores em luta.
 O 1 de maio é uma data em que poemas, vídeos de agitação, canções e as mais variadas obras de arte confirmam esteticamente a necessidade de transformar a realidade. A obra de arte transfigura a realidade para contribuir politicamente com as forças que podem transforma-la concretamente. O chamado " amor à pátria " cantado pela direita não representa a realidade e logo os interesses da maioria do povo brasileiro.  A fome ainda é, como diria Glauber Rocha, o nervo da nossa cultura.