domingo, 27 de março de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 11

Os caminhos da literatura de combate hoje , dependem dos rastros deixados pelos escritores revolucionários dos séculos XX e XIX. Não se trata de estabelecer uma verdade anacrônica, defendendo o repeteco estilístico ou características estéticas surgidas em circunstâncias históricas específicas. O que é colocado em questão para uma produção literária politicamente comprometida com a crítica e a revolta contra a sociedade burguesa, é a necessidade de referências que formam o atual escritor progressista. Tais observações visam fortalecer os autores dispostos a enfrentar as formas de alienação que prevalecem na cultura contemporânea.
 Existe uma conversa mole pautada na ideia de que os trabalhadores não leem. Ao contrário do que se pensa, talvez nunca se tenha lido e escrito tanto: das redes sociais às publicações de massa, é grande a circulação de palavras. Claro, discutível na maioria das vezes é o que o público lê: da cultura de massa ao fanatismo religioso, do jornalismo sensacionalista às fofocas de internet, existe um empobrecimento da experiência do leitor. Entretanto, diante das transformações técnicas de produção do texto(literário ou não), o cerne deste problema político passa por estratégias a serem realizadas pela militância de esquerda.
 Se o autor é um leitor, e vice versa, uma campanha em torno de uma literatura revolucionária deve ser realizada. O hábito da leitura é uma questão política: militantes precisam politizar os hábitos de leitura. A difusão de romances e poemas já é, em parte, uma realidade em alguns bairros periféricos. Trabalhadores emprestam e disponibilizam livros para os moradores. De fato, a coisa toda começa por aí mesmo.Professores, jornalistas e escritores de esquerda precisam disseminar a história da literatura revolucionária: o escritor progressista de hoje é aquele que lê e faz circular livros que enriquecem a experiência estética dos trabalhadores. O legado de gente como Maiakóvski, Jack London e Graciliano Ramos precisa estar entre os leitores da classe operária; ou seja, possíveis escritores revolucionários dos nossos dias. Enquanto a classe média reacionária demarca a cultura com suas produções decadentes, os militantes da cultura revolucionária ajudam a arar um outro terreno literário.  

domingo, 20 de março de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 10

Subverter os signos é algo que teoricamente cabe aos militantes de esquerda realizar. Entretanto, verificamos em tendências politicamente conservadoras, animadas pelo anticomunismo e nostálgicas em relação aos tempos da ditadura militar, esta capacidade de apropriação de imagens, símbolos, frases e expressões em geral. No campo do movimento operário, e em especial naquilo que diz respeito às correntes políticas verdadeiramente revolucionárias(e não burocráticas), a estratégia de assimilação crítica da informação estética precisa ser aprofundada no atual momento histórico.
 Oswald de Andrade nos ensinou a prática da antropofagia: assimilando criticamente a cultura do inimigo, assim como a influência estrangeira, podemos gerar uma arte violentamente autentica. Esta estratégia antropofágica é utilizada pela esquerda brasileira dos nossos dias?  Salvo alguns gatos pingados, nota-se que das revoltas de 2013 pra cá, quem anda desenvolvendo a habilidade de deglutição nos protestos de rua é a direita. Contra a digestão reacionária o pensamento antropofágico precisa torna-se uma ação constante das forças culturais da esquerda: a invasão da cultura imperialista, o fanatismo religioso e a coqueluche fascista podem ser rebatidos por uma postura que devora a ideologia dominante para em seguida vomitar na cara da burguesia uma contra-ideologia.
 Do ponto de vista progressista não é apenas o legado de Oswald de Andrade que pode animar a criatividade artística no protesto político. As experiências situacionistas, as heranças estéticas do Maio de 68, a agressividade punk e a autenticidade da cultura hip hop estão entre as forças históricas que saem em socorro de uma cultura progressista, de uma cultura crítica capaz de assimilar para contra-atacar o poder do capital.  O lugar histórico de todo este repertório estético é dentro da cultura da classe trabalhadora.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 09

A crise econômica/política que marca profundamente o Brasil anda assanhando expressões culturais altamente reacionárias. Se no campo político da esquerda existe de um lado os governistas e do outro organizações que realizam a crítica e a oposição ao governo, o fato é que a classe trabalhadora precisa se manifestar inclusive em sua perspectiva cultural revolucionária. O que devemos nos perguntar é sobre a emergência de uma cultura contestadora que se desenvolve a partir das lutas operárias em suas reivindicações, em suas necessidades concretas.
  Mas será que o proletariado apresenta expressões culturais capazes de responder ao verde amarelismo da pequena burguesia? Os trabalhadores são sujeitos políticos e portanto  autores de suas próprias manifestações artísticas. A maneira como tais expressões podem exprimir os avanços da consciência política, depende de um amadurecimento estético e ideológico. O proletariado expressa, mesmo que em alguns casos de forma inconsciente, a sua revolta contra a ordem burguesa. Algumas composições musicais ligadas ao rap e ao funk, a chamada literatura periférica, o grafite e outras expressões artísticas apresentam gestos de protesto.
 A produção cultural dos trabalhadores, rica e heterogênea, traz muitas vezes problemas e questões que são partes do cotidiano dos bairros populares: miséria, racismo, crime e toda uma linguagem que se desenvolve organicamente neste contexto. Existem evidentemente obstáculos para que se desenvolva plenamente uma arte que expresse a consciência política na perspectiva do socialismo(retóricas politicamente conservadoras presentes em alguns discursos religiosos, seriam exemplos disso). É dever dos militantes de esquerda, independentemente da organização política em que estes se encontram, lutar por um programa combativo dentro da vida cultural dos trabalhadores.  

segunda-feira, 7 de março de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 08

A pintura é um gesto criador que acompanha a humanidade desde a aurora das primeiras sociedades. Registrando o cotidiano, revelando o sagrado, transmitindo conhecimentos práticos, criticando os problemas sociais, liberando o inconsciente, a pintura não apenas representa a afirmação do homem sobre a terra mas revela uma chave plástica para agir sobre o real. Do ponto de vista político a pintura é uma intervenção sobre a vida social que não deixou de existir perante o olho mecânico da câmera. Se o retrato ficou lá pra trás, a pintura conseguiu ao longo de décadas se reinventar numa direção que abrange a revolta estética e a crítica social.
 Das primeiras vanguardas pra cá a pintura já foi virada no avesso. Já teve até gente precipitada que falou da " morte da pintura ": para alguns críticos e artistas contemporâneos a arte não caberia nos limites da representação de caráter bidimensional, sendo que a possível superação da pintura estaria na criação de objetos e situações em que o limite entre obra de arte e espectador se embaralha completamente. Sem dúvida que esta proposta ousada foi um dos aspectos criativos mais importantes da revolta contracultural que marcou as décadas de 60 e 70. Inutilizar a pintura(assim como a escultura) já significou uma atitude progressista, mas que não acabou com a necessidade expressiva da própria pintura.
 Haveria caminhos para a pintura hoje? Se o conceito de gênio, que historicamente arrancou lágrimas e suspiros da burguesia, foi por água abaixo a pintura só poderá confirmar a sua relevância social a partir do protesto político. E olha que esta é uma constatação que não brota nos espaços institucionais da arte: nas periferias e nos centros deteriorados das cidades brasileiras, artistas trabalhadores fazem da pintura tanto a representação dos seus valores culturais quanto da crítica social. Na atual crise econômica a pintura pode tornar-se uma expressão política que intervem no espaço público. Coexistindo com outras linguagens artísticas, a pintura ainda pode exercer um papel revolucionário.