domingo, 28 de fevereiro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 07

A criação estética é um fato e não uma desculpa. A arte existe e não carece de nenhuma justificativa religiosa, política e nem mesmo moral. Sendo assim, por que insistimos aqui na necessária relação entre arte e socialismo? Originalmente existindo enquanto fruto da necessidade de expressão, de afirmação do humano, a arte seria subjugada ao longo da história das civilizações às exigências ideológicas das classes dominantes. Funcionando como tentáculo religioso, propaganda imperial e pilar do rosto dos exploradores, a arte pela sua composição ideológica é um fato que tornou-se forçosamente político,  na medida em que foi aparelhada pelas culturas dominantes.  Mas se a carga política da arte, a exemplo de todos os outros elementos da superestrutura, foi um terreno fértil para a alienação, é o mesmo caminho político que pode nas atuais circunstâncias históricas libertar a criação artística.
 Os defensores da arte " pura " , da arte pela arte e do relativismo pós moderno que isola a esfera artística como um campo que não se relaciona dialeticamente com a totalidade histórica, adotam inevitavelmente uma posição política: dizer que a arte não possui um papel político revolucionário é uma decisão política que nega a participação consciente do artista nas questões fundamentais do seu tempo. Como crianças assustadas diante da possibilidade de terem o seu doce roubado, artistas e intelectuais de classe média defendem com unhas e dentes as formas culturais que sufocam o seu próprio povo.
 O bote ideológico da jiboia pode ser nítido ou escamoteado. Pensemos na velha Hollywood dos nossos dias: nos países capitalistas pobres é possível ouvir os aplausos da entrega da estatueta do Oscar que ocorre lá pelas bandas do império. A chamada " academia " faz questão de preservar e exportar os valores da burguesia norte americana. Não importa o gênero do filme, a ideologia imperialista transparece tanto nas lágrimas da protagonista de um drama intenso quanto nos efeitos especiais que embalam o super herói que porta a bandeira dos EUA.  Ninguém pode negar que as imagens de Hollywood são uma sólida base de sustentação ideológica do imperialismo. Entretanto são os mesmos artistas e intelectuais colonizados que condenam o cinema revolucionário(acusado de " panfletário ") e ao mesmo tempo possuem na ponta da língua os nomes da enfadonha lista de atores e celebridades hollywoodianas.
 O caso do cinema é um exemplo que também pode ser aplicado nos campos da literatura, da música, do teatro, das artes plásticas, etc. Se a necessidade da arte não se reduz ao dado ideológico, nenhum artista que tem os olhos voltados para a realidade pode ignorar a sua responsabilidade política. Ou este artista olha para o tapete vermelho ou olha para os milhares de famintos da terra.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 06

O atual mar de informações pode afogar as ideias que possuem envergadura? A saturação de imagens pode poluir e ofuscar ideologicamente aquelas imagens que expressam o desejo revolucionário? É precisamente neste oceano de ondas dialéticas que pensamos o alcance político da arte. Somente uma besta idealista poderia supor que a saída cultural estaria unicamente no efeito estético. Sendo parte da luta política, a criação artística de combate é um fermento específico que só " funciona " quando as contradições sociais de um período histórico explodem pra valer(gerando inclusive uma arte mais direta, mais violenta). Logicamente que os poetas e os artistas não podem ficar na cadeira de balanço esperando por esta possibilidade real de ruptura: é preciso agir, criar, agitar, nem que for para fazer das marteladas estéticas gestos de legítima defesa contra um mundo asfixiante. Porém, enquanto mandamos bronca na ação/criação não podemos abandonar o problema da comunicação e suas relações com os limites culturais da esquerda.
 Por maior que seja o sentimento anticomunista que paira hoje no Brasil, ninguém é fuzilado por defender aquilo que já foi chamado de " arte de esquerda ". Ninguém vai a juri e é esquartejado por proclamar em alto e bom tom que fora do socialismo não existe saída para a cultura. Mas isto não quer dizer que não role repressão: marginalizar e desqualificar as manifestações de caráter anticapitalista, são atos corriqueiros realizados pelos tubarões da comunicação e por setores religiosos ultraconservadores. Nenhum espanto: são necessidades ideológicas da burguesia tanto em tempos ditatoriais quanto " democráticos ". Mas na sociedade brasileira atual como a comunicação artística pode influenciar as massas? O velho dilema sobre a maneira como a palavra poética e a imagem agem sobre a consciência, não pode avançar se continuar marginalizado pela própria esquerda.
 As dificuldades históricas da esquerda para lidar com as mais variadas formas de subjetividade e de criação artística, tornam-se ainda mais problemáticas num momento em que o debate cultural é praticamente inexistente entre as organizações políticas. Não estamos nos referindo aquela meia hora de discussão sobre arte, em que as juventudes encaixotadas em suas respectivas organizações partidárias opinam num quadradinho sobre questões estéticas.  O que está indefinido atualmente é o necessário conjunto de práticas e debates em que a arte torna-se um organismo vivo nos movimentos populares. É claro que poucos militantes e meia dúzia de coletivos tentam corajosamente realizar algo neste campo. Mas a coisa toda é vaga, sem consistência e sem a repercussão necessária dentro dos partidos de esquerda. Como avançar se o sectarismo reina? Não se trata em hipótese alguma de ignorar as diferenças teóricas dentro das correntes políticas. Não se trata daquele impulso ingênuo de " vamos todos juntos para o alto e avante ". Não: diferenças políticas(e estéticas) existem e são necessárias. Aliás tais diferenças podem alimentar dialeticamente os embates sobre as formas de comunicação artísticas que podem interferir de modo eficaz na realidade política. A grande questão é outra: quais estratégias os militantes da cultura podem utilizar para navegar/agir criticamente sobre o mar da cultura alienada?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 05

Nesta semana o papo é cinema, especialmente o cinema brasileiro. Já dissemos inúmeras vezes neste periódico que o grosso da produção cinematográfica brasileira dos nossos dias é um triste apêndice da telenovela e dos filmes hollywoodianos. Além disto acarretar em prejuízos estéticos, observa-se que o programa para um autentico cinema brasileiro foi substituído pelas exigências da economia de mercado. Sem envergadura ideológica e sem consistência artística, parte da cinematografia nacional agoniza nos labirintos do comércio(aliás outras expressões culturais como a própria telenovela, que contraditoriamente já colaborou com uma visão crítica do país, também esgotam-se em exercícios massificados).  Porém, esta situação cultural que não apresenta nenhuma surpresa não é o foco desta edição do nosso boletim: para além do " profissionalismo " existe uma produção cinematográfica que nasce das novas experiências audiovisuais.
 Felizmente a produção audiovisual ganhou uma múltipla explosão através das novas experiências realizadas por estudantes, trabalhadores e militantes políticos. Tal produção audiovisual resultante dos novos meios de produção ancorados na tecnologia digital, possibilita a invenção aliada a uma intervenção política sobre a realidade brasileira. Mas até que ponto a invenção e consequentemente o debate estético se fazem presentes hoje? Uma série de curtas e documentários apresentam atualmente um vasto olhar sobre os problemas do nosso país. Das questões de gênero, passando pelo registro das lutas sociais e chegando às especificidades das realidades regionais, é recorrente nesta extensa produção um discurso político altamente progressista. Entretanto, as relações entre forma e conteúdo apresentam-se em vários casos defasadas: beirando o naturalismo muitos produtos audiovisuais preocupam-se em apresentar um olhar " independente ", " crítico ", sem flexibilidade estética e sem aprofundamento ideológico.
 Na ânsia de registrar fatos(fictícios ou não) ignora-se muitas vezes as possibilidades formais que podem dinamizar a linguagem audiovisual. Tais possibilidades demandam conhecimento histórico, bagagem cinematográfica. Quer dizer, além de dominar as experiências revolucionárias dentro do cinema( cinema soviético, neo realismo italiano, os cinemas novos dos anos 60, e em especial o brasileiro, as marginalizadas experiências cinematográficas do terceiro mundo, etc) quem produz audiovisual precisa acercar-se de sólidos conhecimentos literários, teatrais, plásticos, filosóficos e científicos. Como pensar criticamente o drama sem conhecer o teatro de Brecht? Como debruçar-se sobre as realidades regionais do país sem conhecer as representações delas no romance brasileiro?(Graciliano Ramos e José Lins do Rego, por exemplo). É preciso que a facilidade de filmar e editar seja acompanhada por elementos estéticos que contribuam com um cinema revolucionário no Brasil.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 04

Das quitandas ao botecos, das grandes avenidas aos shoppings, das praças às igrejas, das feiras aos hipermercados, passam indivíduos provenientes de diferentes classes sociais e com trajetórias biográficas distintas. Todos encontram-se amarrados pelo mesmo laço: a cultura da alienação atingiu na Terceira Revolução industrial um aprimoramento técnico e ideológico que sequestra do pensamento o questionamento da ordem capitalista. Mas o nó do laço não apresenta falhas? Nenhum telhado na história garante sua segurança se as bases da casa balançam: quer dizer, as contradições econômicas que flagram a luta de classes, também fazem da cultura um campo entrecortado pelos confrontos políticos. A própria consciência é alvo de disputas ideológicas ; e não tenhamos dúvidas de que a criação artística ajuda a construir ou destruir as confortáveis casas da classe dominante.
 É praticamente unânime a afirmação de que criação artística interfere nas formas de consciência de um determinado período histórico. Na sociedade capitalista dos nossos dias, protegida por mil e um argumentos teóricos, é recorrente a figura do intelectual que hostiliza as relações progressistas entre arte e política. Este intelectual afirma que as " baixezas da realidade política " diminuiriam a beleza e o sentimento de elevação que a obra de arte precisa apresentar. É verdade que " as leis da beleza "(Marx) são as leis da arte, sendo que enfiar artificialmente uma ideia na totalidade estética acarreta em verdadeiros desserviços à cultura. A arte não precisa de justificativa ideológica para existir: ela atende a uma necessidade particular de expressão. Porém, a beleza encontra-se ameaçada na sociedade de classes: as experiências estéticas não elevam o homem mas o aprisionam no reino da ideologia capitalista. As mercadorias da indústria cultural em sua esmagadora maioria são verdadeiros elogios da guerra, da hipocrisia, do imperialismo, do desejo coisificado e do conformismo político. Diante disso, ou os artistas se refugiam na estratosfera dos bobos alegres, inclusive prestando serviços descartáveis para a cultura de massa,  ou se engajam na luta contra a cultura dominante.
  Defender o projeto de uma arte que participe ativamente da luta política, contribuindo(enquanto arte e não enquanto propaganda de terceira categoria) para a destruição das formas de alienação social, é uma posição enraizada na ideia de que os homens(e consequentemente a arte) não podem ser salvos, não podem ser verdadeiramente livres dentro da casa/gaiola do capital.  

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 03

Por que muitos artistas possuem alergia do pensamento marxista? Parte da resposta encontra-se na ausência de um entendimento claro sobre a atuação cultural numa perspectiva anticapitalista . É verdade que o tema da cultura é parte integrante das preocupações de muitas organizações políticas de  Esquerda: tanto na imprensa operária quanto em eventos, as preocupações artísticas e literárias de militantes políticos se fazem presentes; sobretudo quando tais militantes opinam, analisam, participam, criam e jogam pra fora os bichos reacionários que habitam o pensamento contemporâneo. Porém, além da necessidade de todos estes esforços se desenvolverem e portanto transcenderem os limites políticos das organizações, é preciso refletir, pensar, coçar um bocado os cabelos e as barbas para entender a falta de interesse que vários artistas possuem em relação à realidade política .
  Para ser revolucionária, ou ao menos combativa, a arte não pode se submeter ao " carimbo " de nenhum partido político: cabe a um partido revolucionário analisar, debater e divulgar formas artísticas combativas; mas em nenhuma hipótese caberia aos partidos de esquerda apropriarem-se de tais manifestações. Tal prerrogativa evita mal entendidos entre arte e socialismo, preservando a autonomia criativa do artista. Mas a pergunta não quer calar: por que diabos alguns artistas(tanto de origem pequeno burguesa quanto proletária) torcem o nariz para o materialismo dialético? Se como foi dito acima, o espaço de militância cultural nem sempre é analisado corretamente, preconceitos e juízos superficiais são as medidas usadas por artistas e intelectuais incapazes de superar os elementos reacionários da sua formação/educação.
 Falar mal do marxismo sem ter lido uma linha sequer do que o velho barbudo escreveu, é uma atitude que pode ser encontrada até mesmo entre intelectuais de " renome ". A antipatia em relação às ideias comunistas passa por um suposto reducionismo das atividades humanas ao fator econômico. Trata-se daquela velha caricatura feita por quem " leu " e não entendeu nada de Marx: a infraestrutura determinaria mecanicamente todos os elementos da superestrutura. Esta caricatura atende ao capitalismo na medida em que jovens(artistas, por exemplo) sentem sua criatividade e suas preocupações interiores submetidas a um estreito horizonte economicista. Rá, muito engraçado... Afinal de contas, quem é economicista? Economicistas são os capitalistas, os liberais, que só enxergam dinheiro e querem reduzir o homem e toda sua criatividade nas correntes da mercadoria, do trabalho alienado. O materialismo dialético parte das condições materiais de produção para compreender a história, mas nem por isso reduz a vida humana ao dado econômico:  nos mais variados modos de produção, a arte(assim como as estruturas religiosas, políticas e jurídicas) desenvolve-se a partir das contraditórias relações de produção(e das formas que a produção atinge ou abrange). São relações dialéticas, que se analisadas corretamente desmistificam a ideologia dominante nas mais variadas épocas. É também missão da arte contribuir para que os trabalhadores tomem consciência das contradições do modo de produção capitalista.
  Agora, quem disse que a arte deveria tratar apenas de assuntos ou problemas econômicos? Abordar ou não a exploração e as desigualdades sociais é uma decisão que cabe unicamente ao artista. Caso ele não o faça, isto não quer dizer que estamos diante de um " reacionário ". Os caminhos revolucionários da arte são inúmeros: colocar-se como ser criador já é uma forma de rebelião, afinal o capitalismo reprime o desenvolvimento da personalidade humana. Estas já são razões suficientes para que o artista contemporâneo não fuja de suas responsabilidades: cabe ao artista ser irresponsável aos olhos da moral burguesa. Sendo assim, este artista tem tudo a ganhar com o pensamento marxista: nesta  concepção do homem é possível pensar as questões artísticas. Além disso,  o marxismo permite olhar a cultura sem cair em economicismo e culturalismo. Marx assusta apenas os conservadores, que fazem da arte a mercadoria do momento ou aquele atalho vagabundo da consciência: existe um conservador oculto no artista diletante, que  entrega-se à preguiça mental ou ao relativismo das nuvens.