segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Artista hoje


ARTISTA HOJE: Entre o revolucionário e o comerciante do espírito.

Certa feita, Patrícia Galvão denunciando o servilismo stalinista e a precariedade literária do Realismo socialista, disse que o escritor moderno deve pelos seus recursos específicos de criação ser a “sementeira da Revolução”. Hoje em dia, quando a ameaça reacionária do stalinismo circunscreve-se de modo isolado em paises ditos socialistas, podemos notar que a deprimente figura do escritor e do artista á serviço de causas estranhas a sua necessidade de criação se da não mais pelas mãos do Estado totalitário, mas por uma entidade invisível e onipresente denominada mercado. O capitalismo sobre a lama do lucro e da exploração aprisiona a atividade artística em um reduto doméstico, assimilável para as massas(eu disse massa e não público).

 Tenhamos como exemplo o atual cinema brasileiro bem como a programação da TV aberta e por assinatura: Da alta classe média á chamada “ nova classe média “( expressão débil, que visa ocultar a condição histórica dos trabalhadores e alimentar a ilusória ascensão social através dos bens de consumo), observamos o entretenimento, um dos grandes responsáveis pela putrefação da cultura. Seja pela conversão da linguagem cinematográfica em uma estética de vídeo game, seja pela exploração das obsessões sexuais resultantes da manutenção da moral hipócrita e da alienação sobre o corpo, o que o audiovisual, salvo raríssimas exceções, compõe é um quadro bestial.  Paralelamente a este Panis et Cirscence pós moderno, reina na Torre de Marfim os artistas e intelectuais cooptados pela Academia: A formação de reacionários profissionais nas universidades brasileiras de hoje em dia é categórica na tentativa de desmoralizar e desencorajar os mais jovens a conhecerem doutrinas capazes de chacoalhar o mundo de cima em baixo. Chega a ser corriqueiro  Professores universitários em faculdades de Artes, Letras, Filosofia e Ciências humanas, desqualificarem autores e artistas revolucionários como “ ultrapassados “, “ velhos “, quando na realidade nada é mais velho do que o intelectual de gabinete, seguro nos muros da universidade, comprometido com a ordem capitalista.

  Ora, não tenhamos a ilusão de que os capitalistas desconheçam a força eminentemente subversiva da arte, afinal as experiências estéticas são pela sua própria natureza irredutíveis a qualquer interesse econômico ou a qualquer voz de comando. Portanto, mimar o artista que legitima o mercado através de expressões inofensivas e portanto coniventes com a ordem bem como domestica-lo na Academia, são necessidades burguesas para manter a arte sob o controle do mercado. Apesar disso, a História em seu ritmo imprevisível aponta nos dias atuais uma tensão irrevogável entre os artistas marginais e os artistas oficiais. No Brasil este cenário passa por exemplo pelo artista de rua que tendo a sua existência proibida de se exprimir fora das leis de mercado, ataca com toda violência necessária os espaços oficiais(lembremo-nos por exemplo do acontecimento da Bienal envolvendo grafiteiros, á quase dois anos). É preciso constatar antes de tudo a existência de um  desejo incontrolável de expressão, um impulso de vida que mesmo não tendo sempre a clareza e a consciência política necessárias, revelam que a criação não tem cabresto.

   Devemos nos perguntar qual é o paradeiro do Espírito moderno nas artes, isto é, a afirmação da liberdade contra uma sociedade castradora da imaginação e das formas de expressão. Uma busca por tradições de ruptura e a sua releitura para o uso revolucionário são indispensáveis para se denunciar  o mascaramento mercadológico dos artistas que subindo nos ombros das conquistas estéticas da modernidade propõem obras banais e portanto desvinculadas da inerente carga de rebelião que define o artista do nosso tempo.

  Diante das diferentes correntes políticas revolucionárias presentes no Materialismo dialético e no Anarquismo, a ação do artista tende a intervir e  transformar a sensibilidade dos indivíduos. André Breton, fundador e principal figura do movimento surrealista, disse em seu belo livro Arcano 17(1947) que  “...acima da Arte e da Poesia independentemente de nossa vontade, encontra-se também uma bandeira sucessivamente vermelha e negra. Ai também o tempo urge: Trata-se de fazer devolver á sensibilidade humana tudo aquilo que ela pode dar. Mas de onde vem esta aparente ambigüidade, essa indecisão final quanto a cor? Talvez só seja possível para um homem agir sobre a sensibilidade dos outros para molda-la, para amplia-la, se ele se oferecer a si mesmo em holocausto a todas as forças esparsas da alma de sua época e que, de maneira geral , procuram-se umas as outras apenas para tentar se excluir. É nesse sentido que o homem é, que ele sempre foi, e que ele deve ser, ao mesmo tempo, vitima dela e seu distribuidor.”  Breton ainda nos fala de    “ um gosto imoderado pela liberdade “, que com toda certeza coloca o artista sobre uma tensão produtiva entre a Revolta e a Revolução: Esta mesma polaridade deságua num belo mar agitado ao mesmo tempo por bandeiras negras e vermelhas...

   Quem é o artista hoje?  Se a partir do século XVI nos idos do Maneirismo afirma-se a identidade pessoal do artista culminando na idéia do gênio incompreendido do século XIX, podemos dizer que é no artista romântico que reside toda a potencia rebelde daquele que protesta contra o constrangimento da arte convertida em mercadoria. Impedido de existir economicamente enquanto tal, o verdadeiro artista somente pode aspirar a um outro modelo de sociedade. É o artista transgressor e não o gênio isolado, que pode enquanto marginal revolver as bases da cultura. Como já advertiu Trotski uma vez, os grandes movimentos progressistas na arte não surgem a partir de uma base de massa, mas enquanto uma força que deve persistir em sua luta cotidiana contra o capital.

  A exemplo dos movimentos de vanguarda do século passado, o artista contemporâneo deve se organizar em grupos, de acordo com programas libertários que o coloquem não como aquele que serve espaços oficiais, não como o comerciante desprezível que alimenta a indústria cultural, mas enquanto aquele que uiva e protesta de modo eficaz, contribuindo pelas leis internas da criação artística, na ruína da sociedade capitalista. O artista precisa viver, mas se a sua arte deve garantir a sua sobrevivência, ela não pode ser o fundamento para se ganhar dinheiro(lembremo-nos uma vez mais do Jovem Marx quando ele refere-se a situação do escritor). Para aqueles que não baixam a guarda a conclusão persiste: O verdadeiro artista é antes de tudo independente e revolucionário.  





                                                    Afonso Machado

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