ARTISTA HOJE: Entre o revolucionário e o comerciante do
espírito.
Certa feita, Patrícia Galvão
denunciando o servilismo stalinista e a precariedade literária do Realismo
socialista, disse que o escritor moderno deve pelos seus recursos específicos
de criação ser a “sementeira da Revolução”. Hoje em dia, quando a ameaça
reacionária do stalinismo circunscreve-se de modo isolado em paises ditos
socialistas, podemos notar que a deprimente figura do escritor e do artista á
serviço de causas estranhas a sua necessidade de criação se da não mais pelas
mãos do Estado totalitário, mas por uma entidade invisível e onipresente
denominada mercado. O capitalismo sobre a lama do lucro e da exploração
aprisiona a atividade artística em um reduto doméstico, assimilável para as
massas(eu disse massa e não público).
Tenhamos como exemplo o atual cinema brasileiro
bem como a programação da TV aberta e por assinatura: Da alta classe média á
chamada “ nova classe média “( expressão débil, que visa ocultar a condição
histórica dos trabalhadores e alimentar a ilusória ascensão social através dos
bens de consumo), observamos o entretenimento, um dos grandes responsáveis pela
putrefação da cultura. Seja pela conversão da linguagem cinematográfica em uma
estética de vídeo game, seja pela exploração das obsessões sexuais resultantes
da manutenção da moral hipócrita e da alienação sobre o corpo, o que o
audiovisual, salvo raríssimas exceções, compõe é um quadro bestial. Paralelamente a este Panis et Cirscence pós
moderno, reina na Torre de Marfim os artistas e intelectuais cooptados pela Academia:
A formação de reacionários profissionais nas universidades brasileiras de hoje
em dia é categórica na tentativa de desmoralizar e desencorajar os mais jovens
a conhecerem doutrinas capazes de chacoalhar o mundo de cima em baixo. Chega a
ser corriqueiro Professores
universitários em faculdades de Artes, Letras, Filosofia e Ciências humanas,
desqualificarem autores e artistas revolucionários como “ ultrapassados “, “
velhos “, quando na realidade nada é mais velho do que o intelectual de
gabinete, seguro nos muros da universidade, comprometido com a ordem
capitalista.
Ora, não tenhamos a ilusão de que os capitalistas desconheçam a força
eminentemente subversiva da arte, afinal as experiências estéticas são pela sua
própria natureza irredutíveis a qualquer interesse econômico ou a qualquer voz
de comando. Portanto, mimar o artista que legitima o mercado através de
expressões inofensivas e portanto coniventes com a ordem bem como domestica-lo
na Academia, são necessidades burguesas para manter a arte sob o controle do
mercado. Apesar disso, a História em seu ritmo imprevisível aponta nos dias
atuais uma tensão irrevogável entre os artistas marginais e os artistas
oficiais. No Brasil este cenário passa por exemplo pelo artista de rua que
tendo a sua existência proibida de se exprimir fora das leis de mercado, ataca
com toda violência necessária os espaços oficiais(lembremo-nos por exemplo do
acontecimento da Bienal envolvendo grafiteiros, á quase dois anos). É preciso
constatar antes de tudo a existência de um desejo incontrolável de expressão, um impulso
de vida que mesmo não tendo sempre a clareza e a consciência política
necessárias, revelam que a criação não tem cabresto.
Devemos nos perguntar qual é o paradeiro do Espírito moderno nas artes,
isto é, a afirmação da liberdade contra uma sociedade castradora da imaginação
e das formas de expressão. Uma busca por tradições de ruptura e a sua releitura
para o uso revolucionário são indispensáveis para se denunciar o mascaramento mercadológico dos artistas que
subindo nos ombros das conquistas estéticas da modernidade propõem obras banais
e portanto desvinculadas da inerente carga de rebelião que define o artista do
nosso tempo.
Diante das diferentes correntes políticas revolucionárias presentes no
Materialismo dialético e no Anarquismo, a ação do artista tende a intervir e transformar a sensibilidade dos indivíduos.
André Breton, fundador e principal figura do movimento surrealista, disse em
seu belo livro Arcano 17(1947) que
“...acima da Arte e da Poesia independentemente de nossa vontade,
encontra-se também uma bandeira sucessivamente vermelha e negra. Ai também o
tempo urge: Trata-se de fazer devolver á sensibilidade humana tudo aquilo que
ela pode dar. Mas de onde vem esta aparente ambigüidade, essa indecisão final
quanto a cor? Talvez só seja possível para um homem agir sobre a sensibilidade
dos outros para molda-la, para amplia-la, se ele se oferecer a si mesmo em
holocausto a todas as forças esparsas da alma de sua época e que, de maneira
geral , procuram-se umas as outras apenas para tentar se excluir. É nesse
sentido que o homem é, que ele sempre foi, e que ele deve ser, ao mesmo tempo,
vitima dela e seu distribuidor.” Breton
ainda nos fala de “ um gosto imoderado pela liberdade “, que com
toda certeza coloca o artista sobre uma tensão produtiva entre a Revolta e a
Revolução: Esta mesma polaridade deságua num belo mar agitado ao mesmo tempo
por bandeiras negras e vermelhas...
Quem é o artista hoje? Se a
partir do século XVI nos idos do Maneirismo afirma-se a identidade pessoal do
artista culminando na idéia do gênio incompreendido do século XIX, podemos
dizer que é no artista romântico que reside toda a potencia rebelde daquele que
protesta contra o constrangimento da arte convertida em mercadoria. Impedido de
existir economicamente enquanto tal, o verdadeiro artista somente pode aspirar
a um outro modelo de sociedade. É o artista transgressor e não o gênio isolado,
que pode enquanto marginal revolver as bases da cultura. Como já advertiu
Trotski uma vez, os grandes movimentos progressistas na arte não surgem a
partir de uma base de massa, mas enquanto uma força que deve persistir em sua
luta cotidiana contra o capital.
A exemplo dos movimentos de vanguarda do século passado, o artista contemporâneo
deve se organizar em grupos, de acordo com programas libertários que o coloquem
não como aquele que serve espaços oficiais, não como o comerciante desprezível
que alimenta a indústria cultural, mas enquanto aquele que uiva e protesta de
modo eficaz, contribuindo pelas leis internas da criação artística, na ruína da
sociedade capitalista. O artista precisa viver, mas se a sua arte deve garantir
a sua sobrevivência, ela não pode ser o fundamento para se ganhar dinheiro(lembremo-nos
uma vez mais do Jovem Marx quando ele refere-se a situação do escritor). Para
aqueles que não baixam a guarda a conclusão persiste: O verdadeiro artista é
antes de tudo independente e revolucionário.
Afonso Machado
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