Nosso colaborador Lenito apresenta A Carne que Dança é a Carne que luta, uma experiência literária para este carnaval de 2017:
" Rosa não acordou porque nem dormiu, mas desabrochou cheia de energia. Eram 16 h do sábado de carnaval: Rosa, Otávio e José estavam virados. Eram 3 jovens amaciando com pinga e cerveja a carne dos seus corpos machucados pelo trampo pesado. Partiram e esqueceram a porta da pensão aberta. Pelas ruas do centro antigo, mergulharam numa celebração desesperada. Um motociclista buzinou pra Rosa; José, com olhos miúdos de bêbado e a cabeleira sacudindo ao vento, exclamou:
- Isso, meu fio: buzina, bota o motor dessa moto pra gemer, faz barulho pra acordá a avenida ! ".
Os três juntaram-se a um bloco popular que adentrava por uma praça enorme. Otávio tinha a sensação de que a praça era bem maior do que no dia a dia, quando ele a atravessava correndo de madrugada para chegar a tempo no serviço:
- Eita, que essa praça cresceu por demais!As arvore parece mais troncuda, mais cheia de gaio. Tem até passarinho com vontade de sambar! Hoje ninguém volta pro ninho!
Rosa concordando, deu uma soluçada, riu com dentes de fogo e respondeu:
- Ah, Otávio... É que tudo fica vivo, tudo fica gostoso no carnaval. Olha esse povo, como se sacode inteiro! Num é como aquele formigueiro triste dos dias de semana.
José, abraçando o amigo, disse:
- Tudo fica vivo, rapaz. Num tem esse negócio de olhar pro relógio.
Era como se os participantes do bloco desejassem que um santo descesse armado na terra e descarregasse uma pistola-automática-benta contra todos os relógios da cidade! O trio procurava a todo custo manter o alto astral. Mas essa era uma tarefa difícil conforme o bloco zanzava pelas ruas da cidade. Mendigos atirados no chão,gente esfarrapada, noias com olhos trêmulos e crianças famintas olhavam a festa móvel como um extraterrestre colorido. Rosa, Otávio e José tentavam animar: gritavam, rebolavam, atiravam confetes e serpentinas que pousavam sobre paralelepípedos gastos, fios desencapados, buracos na rua, lixo e fezes.
O bloco passava em frente aos bares. Nos botecos, bêbados punham os cavaquinhos embaixo do braço e saudavam a brava missão de sorrir no meio da miséria. Já nos bares de classe média, clientes sentados nas mesas ouviam suas marchinhas clássicas. Era o lado seguro do carnaval, " o bom gosto " do feriado. A organização da orgia privada. Ala vip da carne humana. Esnobes tiravam seus celulares do bolso e fotografavam/filmavam o bloco como um zoológico ambulante da classe trabalhadora. Rosa, Otávio e José não escondiam seu rancor diante destes espectadores esnobes. Quando o bloco chegou numa rua escura, já engolida pela escuridão da noite, Rosa pisou num caco de uma garrafa estourada e começou a gritar outras dores, dores que ela nunca pensou em verbalizar:
- Cara, como dói!
.Os dois rapazes apoiaram Rosa nos ombros suados e foram para o canto de uma calçada. Otávio disse:
- Ara Rosa, é um corte de nada. Vamos até a uma farmácia.
Compraram medicamentos e José fez um ótimo curativo. Mas Rosa ainda chorava. Otávio perguntou:
- Ô minha linda... Chorando por quê ?
Rosa olhou para os dois companheiros de farra e disse numa estranha serenidade:
- Tudo dói. Num sei nem por onde começar. Mas uma coisa eu digo a vocês dois: depois que a folia acabar, vou continuar sambando. Num quero ser formiga! "
Lenito
domingo, 26 de fevereiro de 2017
domingo, 19 de fevereiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 53
Marx comprovou em sua análise como o capitalismo é um sistema hostil à arte e à literatura. Para quem conhece um pouquinho da história do século passado, sabe que tal hostilidade não se restringe à mercantilização das expressões artísticas, mas atinge em cheio a liberdade dos artistas de esquerda. Isto pode ser facilmente comprovado a partir de inúmeros documentos que integram tanto arquivos dos órgãos de repressão dos regimes militares(algo muito conhecido no Brasil, que só no século XX viveu 2 ditaduras) quanto os arquivos da Inteligência norte americana. O jornal Folha de São Paulo, na edição de 11/02/17, trouxe num artigo assinado por Paula Sperb, trechos de documentos da CIA que tratam do monitoramento que o escritor brasileiro Jorge Amado foi alvo durante os primeiros anos da guerra fria. Pode parecer um exemplo distante no tempo e no espaço. Porém, num momento em que a extrema direita sai do armário nos EUA, na Europa e até no Brasil, relembrar as práticas repressivas contra escritores e artistas é, no mínimo, um aviso político para a juventude e os trabalhadores.
Chamado pela de CIA de " garoto de recado " dos comunistas, Jorge Amado é o mais célebre escritor militante nacional cujos romances eram expressões do seu engajamento intelectual orientado pela estética do Realismo Socialista. Mesmo com o fim da União Soviética, tudo indica que na América de Donald Trump, este tipo de literatura ainda deve ser motivo de ultraje para conservadores. É fato que os mais avançados debates estéticos da esquerda, demonstram claramente as limitações técnicas, as distorções da narrativa e a fragilidade do teto de vidro da literatura jdanovista. Mas a crítica ao modelo de romance que Jorge Amado apresenta entre os anos 30 e início de 50(crítica esta empreendida pelos setores mais culturalmente esclarecidos da esquerda, sobretudo pelos trotskistas: o trotskismo é a escola política mais consistente para a realização das reflexões estéticas de ordem marxista), não retira o caráter revolucionário e inovador da literatura de Jorge Amado: em seus primeiros romances (tais como Cacau, Suor e Jubiabá) Jorge Amado apresenta de modo original e envolvente a cultura popular baiana sob o prisma da luta de classes. Ainda que sob o ponto de vista estético, a literatura revolucionária no Brasil possua nomes mais ousados/radicais(tais como Patrícia Galvão e Oswald de Andrade) a obra de Jorge Amado é de grande importância.
O controle ideológico que a classe dominante realiza sobre a cultura, não dispensa a repressão policial: vigilância e censura caracterizam o aparato burguês. Termos em mãos os exemplos de repressão e controle do passado, permite realizar hoje a crítica contra o conservadorismo reinante.
Chamado pela de CIA de " garoto de recado " dos comunistas, Jorge Amado é o mais célebre escritor militante nacional cujos romances eram expressões do seu engajamento intelectual orientado pela estética do Realismo Socialista. Mesmo com o fim da União Soviética, tudo indica que na América de Donald Trump, este tipo de literatura ainda deve ser motivo de ultraje para conservadores. É fato que os mais avançados debates estéticos da esquerda, demonstram claramente as limitações técnicas, as distorções da narrativa e a fragilidade do teto de vidro da literatura jdanovista. Mas a crítica ao modelo de romance que Jorge Amado apresenta entre os anos 30 e início de 50(crítica esta empreendida pelos setores mais culturalmente esclarecidos da esquerda, sobretudo pelos trotskistas: o trotskismo é a escola política mais consistente para a realização das reflexões estéticas de ordem marxista), não retira o caráter revolucionário e inovador da literatura de Jorge Amado: em seus primeiros romances (tais como Cacau, Suor e Jubiabá) Jorge Amado apresenta de modo original e envolvente a cultura popular baiana sob o prisma da luta de classes. Ainda que sob o ponto de vista estético, a literatura revolucionária no Brasil possua nomes mais ousados/radicais(tais como Patrícia Galvão e Oswald de Andrade) a obra de Jorge Amado é de grande importância.
O controle ideológico que a classe dominante realiza sobre a cultura, não dispensa a repressão policial: vigilância e censura caracterizam o aparato burguês. Termos em mãos os exemplos de repressão e controle do passado, permite realizar hoje a crítica contra o conservadorismo reinante.
domingo, 12 de fevereiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 52
Dando continuidade ao que começamos a realizar na edição retrasada(Edição 50), segue abaixo mais um pequeno exercício literário de esquerda. A autora, que assina com o pseudônimo de Marta Dinamite, pertence ao grupo do nosso blog.
" Podem digitalizar o quanto quiserem as velhas chaminés das fábricas. No final do dia, fico sempre com a cabeça quebrada, os olhos afundados nas duas crateras da cara e com as mãos pesadas feito chumbo. Trampo é trampo, mais valia é mais valia. Estou sendo uma marxista dramática? Calma aí cara, preciso desabafar.
Como é que eu recarrego as minhas baterias? Dormir nem pensar: a noite é o único momento bom para ficar acordada, não concorda?. Se eu pudesse mastigava os fios dos postes ou deixava que a eletricidade da cidade entrasse toda no meu corpo, acabando com a luz dos bairros burgueses.
Minha mandíbula não é de nada para este bife duro da minha marmita... Dar uma dentada num tijolo qualquer seria mais sensato e o gosto não seria lá muito diferente. Frescura? Então pega um pedaço e sente o gosto! Na semana passada fiquei perdida num super mercado: eu não tinha grana para comprar nada e não conseguia achar a saída. Prateleiras eram mãos perfumadas que queriam quebrar o meu pescoço. Quer saber? Ando tão sem grana que se eu morresse não haveria enterro mas um despejo barato para debaixo da terra.
Você acha que estou com chororô? Então paga o meu feijão, cara! Ah, você também está sem grana? Então como é? O que nós dois, três, quatro(e vai somando até chegar na faixa dos milhões de trabalhadores ferrados) vamos fazer? Tá, podemos rezar, encher a cara, etc e tal. Calma: não estou debochando! Não tenho nada contra isso. O que você disse? Ah, agora é você quem está debochando: o fato de eu ser de esquerda, faz com que você pense que eu queira te doutrinar, que eu queira te convencer que a única saída é a política. Falou, então você não faz política? Qual é a sua classe? Não, não: não estou falando de time de futebol ou dos seus brothers lá do bairro. O que eu e você temos em comum, além da minha marmita e da sua? Toma: pega um pedaço do meu bife e vamos bater um papo sobre política ".
Marta Dinamite
" Podem digitalizar o quanto quiserem as velhas chaminés das fábricas. No final do dia, fico sempre com a cabeça quebrada, os olhos afundados nas duas crateras da cara e com as mãos pesadas feito chumbo. Trampo é trampo, mais valia é mais valia. Estou sendo uma marxista dramática? Calma aí cara, preciso desabafar.
Como é que eu recarrego as minhas baterias? Dormir nem pensar: a noite é o único momento bom para ficar acordada, não concorda?. Se eu pudesse mastigava os fios dos postes ou deixava que a eletricidade da cidade entrasse toda no meu corpo, acabando com a luz dos bairros burgueses.
Minha mandíbula não é de nada para este bife duro da minha marmita... Dar uma dentada num tijolo qualquer seria mais sensato e o gosto não seria lá muito diferente. Frescura? Então pega um pedaço e sente o gosto! Na semana passada fiquei perdida num super mercado: eu não tinha grana para comprar nada e não conseguia achar a saída. Prateleiras eram mãos perfumadas que queriam quebrar o meu pescoço. Quer saber? Ando tão sem grana que se eu morresse não haveria enterro mas um despejo barato para debaixo da terra.
Você acha que estou com chororô? Então paga o meu feijão, cara! Ah, você também está sem grana? Então como é? O que nós dois, três, quatro(e vai somando até chegar na faixa dos milhões de trabalhadores ferrados) vamos fazer? Tá, podemos rezar, encher a cara, etc e tal. Calma: não estou debochando! Não tenho nada contra isso. O que você disse? Ah, agora é você quem está debochando: o fato de eu ser de esquerda, faz com que você pense que eu queira te doutrinar, que eu queira te convencer que a única saída é a política. Falou, então você não faz política? Qual é a sua classe? Não, não: não estou falando de time de futebol ou dos seus brothers lá do bairro. O que eu e você temos em comum, além da minha marmita e da sua? Toma: pega um pedaço do meu bife e vamos bater um papo sobre política ".
Marta Dinamite
domingo, 5 de fevereiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 51
100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA: Cinema e Bolchevismo
O centenário da Revolução soviética levanta uma reflexão histórica sobre as heranças e as referências do movimento operário internacional. Como não poderia deixar de ser, fazemos questão de reivindicar junto a outros militantes da cultura, a perspectiva estética revolucionária presente neste evento histórico. Escolhemos como uma importante porta de entrada para o processo revolucionário russo, o cinema soviético dos anos 20. Convidamos a todos para assistir no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas, a um ciclo mensal de filmes: trata-se de uma seleção de obras de autores pioneiros na relização do cinema revolucionário.
Diferentemente das revoluções anteriores, a Revolução russa de 1917 e os esforços para erguer a União Soviética, compreendem pela primeira vez na história a participação política do cinema: sendo uma arte que despontou no século XX, o cinema não apenas testemunha/registra a luta do movimento operário russo, como afirma-se enquanto instrumento privilegiado que contribui com uma educação comunista. Sendo assim, assistir/rever/estudar/debater filmes de Eisenstein, Vertov e Pudovkin, constituem parte significativa do debate histórico sobre o significado político/cultural da Revolução russa.
O cinema, considerado por Lênin como " a mais importante de todas as artes ", precisa receber a devida atenção dos militantes de esquerda neste centenário da Revolução. Os filmes serão exibidos nas tardes de sábado, na sessão das 16 h do MIS Campinas. Em breve, mais informações sobre a programação.
O centenário da Revolução soviética levanta uma reflexão histórica sobre as heranças e as referências do movimento operário internacional. Como não poderia deixar de ser, fazemos questão de reivindicar junto a outros militantes da cultura, a perspectiva estética revolucionária presente neste evento histórico. Escolhemos como uma importante porta de entrada para o processo revolucionário russo, o cinema soviético dos anos 20. Convidamos a todos para assistir no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas, a um ciclo mensal de filmes: trata-se de uma seleção de obras de autores pioneiros na relização do cinema revolucionário.
Diferentemente das revoluções anteriores, a Revolução russa de 1917 e os esforços para erguer a União Soviética, compreendem pela primeira vez na história a participação política do cinema: sendo uma arte que despontou no século XX, o cinema não apenas testemunha/registra a luta do movimento operário russo, como afirma-se enquanto instrumento privilegiado que contribui com uma educação comunista. Sendo assim, assistir/rever/estudar/debater filmes de Eisenstein, Vertov e Pudovkin, constituem parte significativa do debate histórico sobre o significado político/cultural da Revolução russa.
O cinema, considerado por Lênin como " a mais importante de todas as artes ", precisa receber a devida atenção dos militantes de esquerda neste centenário da Revolução. Os filmes serão exibidos nas tardes de sábado, na sessão das 16 h do MIS Campinas. Em breve, mais informações sobre a programação.
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