Apresentamos Relato de mercado, de Geraldo Vermelhão.
" Os mercados municipais espalhados pelas cidades do Brasil, são espaços de vitalidade cultural. Nestes locais encontramos ar cores, os relatos, as brincadeiras e a vida popular pulsando sem olhares gelados, abuso imperialista e gente fabricada nas fotocopiadoras da cultura burguesa. Lá no mercado a rapadura é palpável, a cachaça engasga o gato e as vassouras limpam as falas mecânicas da educação colonizada que as massas recebem. Ninguém aqui é besta para afirmar que se trata de um território sem alienação, sem tristezas, sem dores. Mas diferentemente de muitos espaços, encontramos a vida sem enfeites padronizados.
A água jogada sobre as verduras desce e requebra pelo paralelepípedo até berrar no ralo. Um galinho garnizé está sendo vendido para dois meninos descalços. Perto do açougue, um velho fuma seu cigarro de corda: seus olhos comidos pela catarata, sonham modas de viola que foram sugadas pelos anos do mercado. Por entre os corredores garotos famintos perambulam, dando licença para homens que carregam pesadas caixas contendo bananas e jabuticabas. Uma jabuticaba rolou para fora da caixa: um menino viu, correu para pegar, mas ela rolou escadaria abaixo. O mesmo menino olha o cachorro que mastiga tristemente um pedaço de pastel de carne que alguém deixou cair. O cachorro teve mais sorte.
No boteco do mercado, homens cansados e malandros que fazem samba com caixinhas de fósforo, conversam sobre futebol. Duas moças acompanham nos pés e nos quadris o samba que três rapazes fazem próximo ao balcão. Um cheiro de pimenta definia os olhos cheios de sexo. Abaixo da prateleira, em que repousam as garrafas de cachaça com antigos rótulos misteriosos, um homem inconformado exclama:
- Já carreguei laranja, já carreguei café, já carreguei cana e não tenho como pagar o ônibus. Já carreguei de tudo nos ombros mas num tem nada para me carregar!
Um peixe embrulhado é entregue a uma senhora que tirou o dinheiro de um bolsa de couro muito antiga. O cheiro do peixe mistura-se com o cheiro de pedras perfumadas. O peixe fedia menos do que a paisagem. Seu olho parado, seu olho morto, congelava aquela tarde em que um jornal atirado ao vendo informava o alto número de desempregados no país. "
Gerado Vermelhão
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