quarta-feira, 8 de agosto de 2012
NÓS: VARIAÇÃO DO MANIFESTO
Nós nos denominamos KINOKS para nos diferenciar dos " cineastas ",
esse bando de ambulantes andrajosos que impingem com vantagem as suas
velharias.
Não há, a nosso ver, nenhuma relação entre hipocrisia e a
concupiscência dos mercadores e o verdadeiro " kinokismo ".
o cine-drama psicológico russo-alemão, agravado pelas visões e
recordações da infância , afigura-se aos nossos olhos como uma
inépcia.
Aos filmes de aventura americanos, esses filmes cheios de dinamismo
espetacular, com mise en scéne á Pinkerton, o Kinok diz obrigado pela
velocidade das imagens, pelos primeiros planos. Isso é bom, mas
desordenado e de modo algum fundamentado sobre o estudo preciso do
movimento. Um degrau acima do drama psicológico, falta-lhe apesar de
tudo, fundamento. É banal. É a cópia da cópia.
Nós declaramos que os velhos filmes romanceados e teatrais têm lepra.
- Afastem-se deles!
- Não os olhem!
-Perigo de morte!
- Contagiosos!
Nós afirmamos que o futuro da arte cinematográfica é a negação do
seu presente.
A morte da " cinematografia " é indispensável para que a arte
cinematográfica possa viver.
Nós os concitamos a acelerar sua morte.
Nós protestamos contra a miscigenação das artes a que muitos chamam
de síntese. A mistura de cores ruíns ainda que escolhidas entre todos
os tons, do espectro, jamais dará o branco mas sim o turvo.
Chegaremos á síntese na proporção em que o ponto mais alto de cada
arte for alcançado. Nunca antes.
Nós depuramos o cinema dos kinoks dos intrusos: Música, literatura e
teatro. Nós buscamos o nosso ritmo próprio, sem rouba-lo de quem quer
que seja, apenas encontrando-o reconhecendo-o no movimento das coisas.
Nós os conclamamos:
- A fugir
- Dos langorosos apelos das cantilenas românticas
- Do veneno do romance psicológico
- Do abraço do teatro do amante
- E a virar as costas a música
- A fugir -
Ganhemos o vasto campo, o espaço em quatro dimensões ( 3 + o tempo),
á procura de um material, de um metro, de um ritmo completamente
nosso.
O " psicológico " impede o homem de ser tão preciso quanto o
cronômetro, limita o seu anseio de se assemelhar a máquina.
Não temos nenhuma razão para, na arte do movimento, dedicar o
essencial de nossa atenção ao homem de hoje.
A incapacidade dos homens em saber se comportar nos coloca em
posição vergonhosa diante das máquinas. Mas, o que se há de fazer, se
os caprichos infalíveis da eletricidade nos tocam mais do que o atrito
desordenado dos homens ativos e a lassidão corrupta dos homens
passivos?
A alegria que nos proporcionam as danças das serras numa serra é
mais compreensivel e mais próxima do que a que nos proporcionam os
requebros desengonçados dos homens.
NÓS não queremos mais filmar temporariamente o homem, porque ele não
sabe dirigir os seus movimentos.
Pela poesia da máquina, iremos do cidadão lerdo ao homem elétrico perfeito.
Ao revelar a alma da máquina, promovendo o amor do operário por seu
instrumento, da camponesa por seu trator, do maquinista por sua
locomotiva,
nós introduzimos a alegria criadora em cada trabalho mecânico,
nós aproximamos os homens das máquinas
nós educamos os novos homens
O novo homem, libertado da canhestrice e da falta de jeito, dotado
dos movimentos precisos e suaves da máquina, será o tema nobre dos
filmes.
NÓS caminhamos de peito aberto para o reconhecimento do ritmo da
máquina, para o deslumbramento diante do trabalho mecânico, para a
percepção da beleza dos processos químicos. Nós cantamos os tremores
da terra, compomos cine-poemas com as chamas e a centrais elétricas,
admiramos os movimentos dos cometas e dos meteoros, e os gestos dos
projetores que ofuscam as estrelas.
Todos aqueles que amam a sua arte buscam a essência profunda da sua
própria técnica.
A cinematografia, que já tem os nervos emaranhados, necessita de um
sistema rigoroso de movimentos precisos.
O metro, o ritmo,a natureza do movimento, sua disposição rígida com
relação aos eixos das coordenadas da imagem e, talvez, os eixos
mundiais das coordenadas(três dimensões + a quarta, o tempo) devem ser
inventariados e estudados por todos os criadores do cinema.
Necessidade, precisão e velocidade: Três imperativos que nós exigimos
do movimento digno de ser filmado e projetado.
Que seja um extrato geométrico do movimento por meio da alternância
cativante das imagens, eis o que se pede da montagem.
o kinokismo é a arte de organizar os movimentos necessários dos
objetos no espaço, graças á utilização de um conjunto artístico
rítimico adequado ás prpriedades do material e ao ritmo interior de
cada objeto.
Os intervalos(passagem de um movimento para o outro), e nunca os
próprios movimentos, constituem o material(elementos da arte do
movimento). São eles(os intervalos) que conduzem a ação para o
desdobramento cinético. A organizaçãodo movimento é a organização dos
seus elementos, isto é, dos intervalos na frase. Distingue-se , em
cada frase, a ascensão, o ponto culminante e a queda do movimento (que
se manifesta nesse ou naquele nível). Uma obra é feita de frases,
tanto quanto essas últimas são feitas de intervalos de movimentos.
Depois de conceber um cine-poema ou um fragmento, o kinok deve saber
anotá-lo com precisão, afim de dar-lhe vida na tela, desde de que haja
condições favoráveis para tal.
Evidentemente, nem o roteiro mais perfeito será capaz de substituir
essas notas, tanto quanto o libreto não substitui a pantomima e os
comentários literários sobre Scriabin não dão nenhuma idéia da música.
Para poder representar um estudo dinâmico sobre uma folha de papel é
preciso dominar os signos gráficos do movimento.
NÓS estamos em busca da cine-gama
NÓS caimos e levantamos ao ritmo de movimentos,
lentos e acelerados,
correndo longe de nós, próximos a nós, acima, em círculo, em linha,
em eclipse, á direita e á esquerda, com os sinais de mais e de menos,
os movimentos se curvam, se endireitam, se dividem,
se fracionam, se multiplicam por si próprios,
cruzando silenciosamente o espaço.
O cinema é também a arte de imaginar os movimentos dos objetos no
espaço. Respondendo ao imperativos da ciência, é a encarnação do sonho
do inventor, seja ele sábio, artista, engenheiro ou carpinteiro.
Graças ao kinokismo, ele permite realizar o que é irrealizável na
vida.
Desenhos em movimento. Esboços em movimento. Projetos de um futuro
imediato. Teoria da relatividade projetada na tela.
NÓS saudamos a fantástica regularidade dos movimentos. Carregados nas
asas das hipóteses, nosso olhar movido a hélice se perde no futuro.
NÓS acreditamos que está próximo o momento de lançar no espaço as
torrentes de movimento retidas pela inoperância de nossa tática.
Viva a geometria dinâmica, as carreiras de pontos, de linhas, de
superfícies, de volumes.
Viva a poesia da máquina acionada e em movimento, a poesia dos
guindastes, rodas e asas de aço, o grito de ferro dos movimentos, os
ofuscantes trejeitos dos raios incandescentes.
Dziga Vertov, 1922
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