segunda-feira, 20 de agosto de 2012
PRÓLOGO DA PEÇA " OS CABEÇAS REDONDAS E OS CABEÇAS PONTUDAS OU RICO SE DÁ COM RICO. UMA FÁBULA DE HORROR ", DE BERTOLT BRECHT:
Diante da pequena cortina surgem sete atores: O Diretor do teatro,
o Governador, o arrendatário Rebelde, o Latifundiário, sua Irmã, o
Arrendatário Callas e sua Filha. Os quatro últimos vestem camisa. O
Governador em seu traje, mas sem máscara, carrega uma balança com dois
crânios pontudos e dois redondos; o Arrendatário Rebelde carrega uma
balança com duas roupas finas e duas em trapos; ele também está
trajando, mas sem máscara.
DIRETOR DE TEATRO:
- Honorável público, o espetáculo será iniciado
Quem o escreveu é um homem viajado
(A propósito, nem sempre viaja voluntário)
Nessa apresentação
Vai mostrar-lhes sua visão.
Para resumir em duas sentenças:
Viu terríveis desavenças.
Viu com o negro o branco lutar
Um pequeno amarelo viu um grande amarelo derrubar
Viu um finlandês num sueco atirar uma pedrada
E um homem de nariz arrebitado bater noutro de venta curvada
Nosso autor informou-se então do porquê da dissensão
Descobriu que se encontra na região
O homem que é o salvador dos povos
Aquele que distribui crânios novos
Carrega em seu bolso narizes e peles de toda cor
E assim separa o amigo do amigo e o noivo de seu amor
Grita alto no campo e na cidade:
Tudo depende da cabeça que lhe cabe.
Porque por onde o entregador passa
Olha-se em todos pele, nariz e carcaça
E todo aquele será trucidado
Que dele ganhou o crânio errado.
Por toda a parte nosso autor será interrogado
Se a diferença dos crânios não o deixava irritado
Ou se não percebia diferença alguma.
Dizia então: Não vejo diferença nenhuma.
Mas eu vejo sim uma desigualdade
Muito maior que dos crânios somente
Que deixa marca mais evidente
Que decide entre dor e felicidade.
E sem apontá-la logo não fico:
É a diferença entre o pobre e o rico
Penso que é melhor que aqui fiquemos
Vejam a parábola que escrevemos
Nela eu mostro a qualquer um
Que é esse o ponto e mais nenhum.
Essa parábola, meus caros, será agora encenada
Do baú
Tiramos e construímos em nosso palco um país de nome
Jahoo
Nele o entregador seus crânios entregará .
E para alguns o destino mais rápido chegará.
Mas o autor vai cuidar para que se faça então
A distinção entre quem tem pouco e quem tem um montão
Fará algumas roupas distribuir
De acordo com a fortuna que cada um possuir
Portanto as portas agora devem se fechar!
O grande entregador seus crânios vai desfilar.
O GOVERNADOR DÁ UM PASSO Á FRENTE E DEMONSTRA EM MEIO A RUÍDOS
METÁLICOS SUA BALANÇA DE CRÂNIOS:
- Todos podem ver, dois crânios temos aqui.
Diferença tão brutal, nunca antes vi:
Um é redondo, o outro espetado.
Este é saudável. Este adoentado
Onde houver injustiça e resignação
É sempre ele o xis da questão.
Onde houver desigualdade, atrofia muscular e obesidade
Deste é a responabilidade
Quem com a minha balança pesar
O justo do injusto saberá separar
ABAIXA COM O DEDO O PRATO COM OS CRÂNIOS REDONDOS.
O DIRETOR APRESENTANDO O ARRENDATÁRIO REBELDE:
- Mostra agora, distribuidor de vestes, as roupas
Que em tua balança carrega
E que aos homens ainda no berço tu entregas.
ARRENDATÁRIO REBELDE MOSTRA SUA BALANÇA:
- Acho que ver a diferença não é dificil
Esta é boa e esta é surrada.
Acho que negar isso não leva a nada.
Quem com esta vai trajando
Quase nunca será tratado
Como aquele que com esta desfila
Isso se sabe na cidade e na vila.
Quem com a minha balança pesar
Saberá na mão de quem o bolo vai parar
BAIXA COM O DEDO O PRATO COM AS ROUPAS FINAS .
DIRETOR:
- Como vêem, o autor usa dois contrapesos com diferentes normas
Numa pesa roupas furadas e trajes ilesos.
Noutro pesa crânios de duas formas
E agora seu prazer pessoal: ele pesa os dois contrapesos.
PEGA AS DUAS BALANÇAS NAS MÃOS E PESA UMA COM A OUTRA. EM SEGUIDA
DEVOLVE-AS E DIRIGE-AS A SEUS ATORES:
- Vós que da parábola sois atores
Escolhei diante dos espectadores
Como na peça vos foi indicado.
E se o autor, como cremos, tiver razão
Então com a roupa escolhereis o fado
E não com o crânio. Ao combate então!
O ARRENDATÁRIO PEGANDO DUAS CABEÇAS REDONDAS:
-Ficamos com a redonda, minha filha.
O LATIFUNDIÁRIO:
- Nós usaremos a pontuda
A IRMÃ DO LATIFUNDIÁRIO:
- Por vontade do Sr Bertolt Brecht...
A FILHA DO ARRENDATÁRIO:
- Filha de redonda, redonda é.
Sou redonda do sexo feminino
O DIRETOR:
- Aqui está o figurino.
OS ATORES ESCOLHEM SUAS ROUPAS.
O LATIFUNDIÁRIO:
- Eu faço o latifundiário
O ARRENDATÁRIO:
- Eu o arrendatário, que mau.
A IRMÃ DO LATIFUNDIÁRIO:
- A irmã do latifundiário, eu.
A FILHA DO ARRENDATÁRIO:
- E eu horizontal
O DIRETOR PARA OS ATORES:
- O problema foi entendido, eu espero.
OS ATORES:
- Sim.
O DIRETOR CONFERINDO MAIS UMA VEZ:
- Cabeças redondas e pontudas: nós temos
A diferença entre o pobre e o rico: está aí
Então mostremos bastidores e tablado
E o mundo na parábola será mostrado!
Esperamos aos senhores poder mostrar
Com que diferenças que se deve contar
TODOS VÃO PARA TRÁS DA PEQUENA CORTINA.
Bertolt Brecht, 1931-1934.
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