quarta-feira, 29 de maio de 2013

O CINEMA REVOLUCIONÁRIO NASCE COM O BRASIL NA BAHIA



Segundo Glauber Rocha, o movimento do cinema novo possui duas origens:
uma no CPC(Centro Popular de Cultura) e outra no jovem cinema baiano
que despontava  no início dos anos sessenta. Seguindo o raciocínio de
Glauber, podemos dizer que existe uma espécie de escola baiana cuja a
missão cinematográfica evitou que o cinema novo fosse apesar de
autoral e politizado , europeizado. Filmes como Bahia de Todos os
Santos, cumprem o trajeto de criação de um cinema brasileiro
descolonizado, atento as necessidades de um discurso visual sobre a
realidade brasileira. Este citado filme em questão, é um dos grandes
representantes da tomada de consciência sobre os problemas nacionais
no cinema brasileiro. É um produto pulsante de um contexto cultural
que gerou uma perspectiva social inconformista e prenha da estética
que vai caracterizar o grosso do cinema novo.
  É preciso assinalar o clima de efervescência cultural em Salvador
entre a segunda metade dos anos cinquenta e início de sessenta. As
novas ideias eram submetidas a originalidade do sol e á
instabilidade das ondas. O CCB(Clube de Cinema da Bahia) reunia a nata
da intelectualidade da esquerda baiana, disposta a repensar os padrões
estéticos e exigir o revolvimento da arte brasileira. O sensualismo
das culturas africanas somado ao barroco português e o mergulho na
literatura politizada de autores como Jorge Amado, José Lins do Rego e
Graciliano Ramos, reuniu condições culturais para o cinema moderno
baiano.
  O longa BAHIA DE TODOS OS SANTOS, de 1960, é um filme de
Trigueirinho Neto. Neste clássico precursosr do cinema novo, o jovem
protagonista movimenta em sua órbita as contradições sociais da Bahia:
miséria econômica e racismo, criminalidade e o despertar da
consciência política revolucionária dos trabalhadores, os dramas
pessoais enquanto uma fenda por onde passam os mais graves problemas
da sociedade brasileira. O interessante é que os problemas levantados
pelo filme são atuais, o que valida a sua estética realista e
engajada. Perante as dúzias de filmes medíocres que servem ao capital
no Brasil de hoje, recuperar a fotografia e as temáticas desta escola
baiana embrionária do cinema novo, significa expor a vigência de um
olhar não domesticado sobre o Brasil. Significa ainda afirmar que
filmes pertinentes são feitos dentro de um contexto de estudo e
reflexões cinematográficas, literárias e políticas. O cineclubismo
enquanto prática que forma platéias e que portanto oferece elementos
estéticos para futuros cineastas, se aplica enquanto aspecto decisivo
do cinema baiano: o citado CCB era um celeiro moderno para o que de
melhor revelou o cinema brasileiro. Salve a Bahia!

                               Geraldo Vermelhão


terça-feira, 28 de maio de 2013

TEATRO LIBERTÁRIO SEGUNDO O LIVING THEATRE



... Desejo de um teatro diferente, que valha o que realmente somos,
esperança que o teatro mudará. Mas o que desejamos, de fato, é mudar a
nós mesmos, mudar todos juntos, e que, ao mudarmos, o mundo
mude.(...). A tarefa do teatro de vanguarda não consiste apenas em
trazer uma mensagem política, mas em pesquisar novas formas ; pois se
o homem vir que podemos ir mais longe no palco, ele compreenderá que
também podemos fazê-lo na vida, o que o encorajará a agir.


Julian Beck.

... Assim começava para nós uma longa viagem de pesquisa nas
possibilidades revolucionárias, que influenciou profundamente as
escolhas em nossos espetáculos, nos quais cada um deveria contribuir,
segundo nós, para o conceito de uma sociedade livre.

Judith Malina

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O Termidor artístico soviético: arquitetura construtivista e stalinismo no processo revolucionário


por Thyago Marão Villela

*Publicado anteriormente no Site da Casa de Estudos e Pesquisa Hermínio Sacchetta.

  Este artigo procura tratar, em linhas gerais, do processo de burocratização do Estado soviético e da reação stalinista no Partido Bolchevique e na Internacional Comunista, à luz da analogia de “Termidor soviético”, desenvolvida pelo dirigente da Oposição de Esquerda Internacional Leon Trotsky. Estabelecerei um paralelo entre a degeneração da Revolução russa, a partir da leitura de Trotsky, e o projeto regressivo que se dá no campo artístico e cultural russos, que culminará, em 1934, no estabelecimento do realismo-socialista como estética oficial do regime stalinista. Vou me valer, para isso, de uma análise da arquitetura soviética no quadro dos desenvolvimentos revolucionários e da vinculação do projeto arquitetônico construtivista com a noção de encomenda social.
            Deter-me-ei, particularmente, aos projetos das residências operárias desenvolvidos a partir de 1925 pela Associação dos Novos Arquitetos (ASNOVA – 1923) e pela União dos Arquitetos Contemporâneos (OSA – 1925). Ambas estas escolas confluíam em relação ao projeto construtivista vinculado à idéia de encomenda social e devem ser interpretados mediante esta matriz conceitual. A partir desta análise da arquitetura soviética poderemos perscrutar um processo amplo de perseguição às correntes artísticas de vanguarda e estabelecer um paralelo entre o Termidor Político e este fenômeno, que talvez possa ser chamado de “Termidor artístico soviético”.

1. A “encomenda social” e a arquitetura construtivista

            Formulada por Serguei Tretiakov, um teórico do movimento construtivista, e incorporado no vocabulário do grupo, a noção de encomenda social é a compreensão, por parte dos artistas, do que a sociedade “quer”, “pede”. Ela programa a produção das obras artísticas em função da tarefa destas obras na organização do psiquismo do proletariado e do campesinato russo, na organização de um novo modo de vida. A encomenda social, deste modo, é a mediação política na produção de objetos artísticos. Isso não implica, absolutamente, em um direcionamento estatal na produção das obras, mas na autonomia dos artistas em relação ao que julgarem necessário em um determinado contexto social e histórico.
            Segundo François Albera, três pontos definem a encomenda social:

1. não há obra nem escritor “universais”. Tudo o que um autor, um artista faz é atividade em prol de uma classe determinada. Para realizar essa finalidade social, esses autores devem se dar conta, claramente, da tarefa de classe para a qual trabalham;
2. não há inovação em geral, inovação por si só. Apenas uma inovação que segue na contracorrente do gosto dominante será por conseguinte reconhecida.;
3. a encomenda social não exclui a autonomia dos trabalhadores literatos: porque a encomenda em questão não é feita por representantes individuais da própria classe nem de organizações distintas. Trata-se de uma compreensão autônoma dessa encomenda, que pode entrar em contradição com as encomendas reais dos representantes dessa classe; essa autonomia é a autonomia não de um grupo social, e sim de um coletivo de produção. Que pode declarar ao “cliente” que ele mesmo não compreende a encomenda. [1]

            É a partir desta noção de encomenda social que se deve entender a produção do movimento construtivista, que surge na Rússia em 1921. É a partir desta matriz conceitual, que relega aos artistas o papel de organizadores da vida, que se deve entender, por exemplo, o abandono da pintura de cavalete, do caráter representativo da arte, da reivindicação acerca da produção de “objetos justificados socialmente por sua forma e utilidade”[2] propostos pelos construtivistas. A título de exemplo, podemos citar os croquis de trajes para operários produzidos por Aleksandr Rodchenko (imagem 1) e os projetos de móveis desenvolvidos por vários construtivistas, como Vladimir Tatlin – que combinam a funcionalidade e a experimentação estética.

 A crítica, no caso, que os construtivistas teceram em relação à “arte de cavalete” (a pintura em tela, por exemplo), partia da avaliação de que haveria se perdido o sentido histórico da pintura como um princípio visual da cultura ocidental. O desenvolvimento industrial, combinado à Revolução de Outubro, abria as portas para que a arte pudesse se inserir concretamente na produção material da vida (e não apenas representá-la). A arte se dissolveria no social, a arte acabaria enquanto um campo especializado, fundado na divisão social do trabalho. Ela se fundiria, em última instância, com um novo tipo de trabalho não-estranhado (Nikolay Tarabukin chega a utilizar a expressão “tornar o trabalho uma atividade alegre” [3]).  A pintura e outras formas de arte artesanais pertenciam a uma etapa anterior da organização social, e o papel que havia cumprido, o de representar, de promover um prazer estético passivo, apenas indicavam, então, o caráter datado deste esquema de produção artístico; apenas evidenciava o abismo que existiu, na sociedade burguesa, entre arte e vida, e que não poderia ser reproduzido em uma sociedade sem classes que começava a se gestar no processo revolucionário.
            Este vínculo direto entre este projeto artístico construtivista e a Revolução de Outubro se expressou no campo arquitetônico mediante os projetos de residências operárias, por exemplo, mais notadamente os projetos das Casas-Comunais, desenvolvidos por arquitetos como Moses Guinzburg e Ivan Nikolaiev.[4]



Estes projetos e construções respondiam ao processo de formação de habitações coletivas espontâneas, empreendidas por uma fração do proletariado russo, em parte pelas necessidades materiais, em parte pelo convencimento em relação ao projeto de mudança dos modos de vida. Tanto a Associação dos Novos Arquitetos (ASNOVA – 1923) e a União dos Arquitetos Contemporâneos (OSA – 1925) encontravam-se embasados pelas idéias de combate ao individualismo pequeno-burguês (desta forma, as habitações funcionavam como grandes organismos coletivos, promovendo a socialização dos habitantes) e de emancipação da mulher em relação ao trabalho doméstico e de destruição da família, promovedora da opressão do homem em relação à mulher – lembro que o livro de Alexandra Kollontai, d´A Nova moral e a classe trabalhadora, fora publicado em 1918, no calor da Guerra Civil, e animava os projetos destes arquitetos. Estas “encomendas” demandadas pela população propunham amplos espaços de vivência coletiva – salão de jogos, cozinha, áreas de lazer, etc – e os habitantes se revezavam por turnos para as tarefas, indiscriminadamente entre homens e mulheres. Como contraposição às habitações destinadas aos núcleos familiares, a coletivização e a “desagregação” da família. O espaço, deste modo, procurava imprimir uma nova lógica de relações sociais.
            Pois bem: no curso do processo revolucionário, o desenvolvimento destas experiências foi interrompido pelo Estado soviético, e suplantado pelo retorno (ou dominação oficial, com o apoio do Partido Bolchevique) da arquitetura neoclássica. Como explicar este processo, dado globalmente no campo artístico e cultural? Antes de voltarmos ao processo arquitetônico em particular, tratarei de precisar este processo global a partir da análise empreendida por León Trotsky. 

2. O Termidor soviético nas artes ou “a estatização da encomenda social”

Referi-me, no início do artigo, ao conceito de “Termidor Soviético”. O que é, então, esta noção? Ela alude, em primeira instância, ao golpe de 9 Termidor, de 1794, no qual os girondinos franceses puseram fim ao período do governo jacobino da Revolução Francesa, mediante o assassinato de Robespierre e da ala radical da pequena-burguesia. Alude, portanto, ao fim do radicalismo político revolucionário e ao momento de inflexão do processo revolucionário, no qual foi, de certa maneira, restabelecido o projeto inicial girondino e contida a fúria popular.
            A comparação deste processo histórico com os rumos da Revolução Russa, empreendida pela ala dos opositores ao regime stalinista, procurou dar conta de explicar e de precisar a existência ou não (e de quando dataria) deste momento de inflexão no processo revolucionário russo – no qual, a partir da correlação de forças no interior do Estado soviético, haveria se gestado esta reação aos princípios do processo revolucionário.  
            Em um texto de 1935, intitulado “O Estado operário, Termidor e bonapartismo”[5], o dirigente da Oposição de Esquerda Internacional, Leon Trotsky, prognosticou que já haveria se concretizado o Termidor soviético, e que este processo haveria começado aproximadamente em 1924.  Trotsky revisa, a partir deste texto, a posição formulada pelos oposicionistas anteriormente, desde 1926, de que ainda não teria ocorrido o Termidor, na medida em que as bases produtivas da Rússia ainda seriam planificadas pelo Estado e a produção socializada. Ou seja, o Termidor soviético se daria apenas com o retorno ao capitalismo. A precisão do conceito de Termidor se dá a partir dos seguintes pontos: 1. O Termidor francês não representou uma volta ao modo de produção feudal, ou seja, uma contra-revolução em sua acepção mais radical, alterando os fundamentos econômicos do modo de produção capitalista concretizado pela Revolução Francesa, mas reestruturou, à direita, a fração que conduzia o curso revolucionário; 2. Do mesmo modo, as bases materiais da produção soviética não haviam ainda retornado a um esquema de apropriação privada, mantendo-se socializadas. A concretização do Termidor, portanto, residia na substituição da camada dirigente e na supressão da democracia partidária, soviética e sindical – em suma, na distorção dos princípios do Estado soviético. [6]
            Este processo histórico de “distorção” assentou-se em contradições materiais produzidas por múltiplos fatores decorridos de uma revolução em um país com uma estrutura social atrasada, e que passou por contradições importantes como a guerra civil e, especialmente, a Nova Política Econômica (NEP), que reintroduziu elementos capitalistas na economia, na tentativa de dar um novo fôlego contra as pressões do capital e do imperialismo a nível internacional, mas que gerou também pressões burocráticas importantes, formando uma classe de camponeses ricos (kulaks) e dando bases para a reação termidoriana no interior do partido, a partir da fração liderada por Stalin e sua teoria do “socialismo num só país”. Conforme escreveu Trotsky no texto mencionado:

O burocratismo soviético (seria mais correto dizer anti-soviético) é o produto das contradições sociais entre a cidade e a aldeia, entre o proletariado e o campesinato (...), entre as repúblicas e os distritos nacionais, entre os diferentes grupos do campesinato, entre as distintas camadas da classe operária, entre os diversos grupos de consumidores e, finalmente, entre o Estado soviético de conjunto e seu entorno capitalista. [7]
           
            Este encadeamento de contradições, elencadas por Trotsky, desenvolveu-se a partir das políticas do Comunismo de Guerra, a partir de 1918, mas, mais precisamente, a partir da evolução das medidas de exceção da Nova Política Econômica – medidas como a proibição dos partidos políticos e das frações no interior do Partido bolchevique (ambas estas medidas datam de 1923), bem como o incremento das desigualdades sociais no interior do país. O crescimento econômico de 1923 garantiu a estabilização da burocracia e a conquista de alguns privilégios materiais (Trotsky referir-se-á ao fator “harém-limusine” como constituinte destes privilégios) [8].
            Em função da economia de espaço para este artigo, não desenvolverei as contradições que Trotsky aponta em seu texto. Duas delas, entretanto, merecem, no que cabe às intenções deste texto, uma atenção especial. Tratam-se, 1. da dialética entre a derrota das revoluções em outros países e o fortalecimento da burocracia; e 2. o que Trotsky formulou como “a aquisição, por parte do vencedor, dos hábitos do vencido”[9].
            A derrocada dos processos revolucionários na Alemanha, em 1923, seguida pela derrocada do processo chinês de 1925-27 (e poderia citar ainda outros, como a Hungria e a Bulgária, de 1918) isolaram a Rússia, mantendo-a atrasada economicamente em relação ao Ocidente e sustentando a posição da burocracia. Ao mesmo tempo, as direções da Comintern, orientadas pela burocracia stalinista e pela política da mesma de “socialismo em um só país” promoveram também a derrocada destes processos, alçando a burocracia a postos cada vez mais consolidados. Desta maneira, da necessidade da burocracia soviética de regular as contradições entre o campesinato e o proletariado russos, bem como entre a União Soviética e o imperialismo – mediante todo o tipo de aventureirismos e oportunismos – deriva o caráter centrista, ou seja, de constante oscilação política, da burocracia soviética (ou anti-soviética) fundamentado na elevação desta em relação às massas (Trotsky chegar a empregar a notável expressão “vitória da burocracia sobre as massas”).
            Este processo de constituição da burocracia termidoriana deu-se também pela substituição das camadas dirigentes do Partido, em um jogo de perseguições e calúnias que se desdobrará, muito posteriormente, nos Grandes Expurgos. Diz Trotsky:

Foram esmagados os velhos quadros do bolchevismo. Destruídos os revolucionários. Foram substituídos por funcionários de espinha flexível. O pensamento marxista foi substituído pelo temor, pela calúnia e pela intriga. Do Bureau Político de Lênin, sobra somente Stálin; dois de seus membrosestão politicamente quebrados e rendidos (Rikov e Tomski); outros dois estão na prisão (Zinoviev e Kamenev); outro está no exterior e privado de sua cidadania (Trotsky). Lênin, como disse Krupskaia, somente pela morte livrou-se das repressões da burocracia; na falta de oportunidades de colocá-lo preso, os epígonos o trancaram em um mausoléu. Todo o setor governante se degenerou. Os jacobinos foram substituídos pelos termidorianos e pelos bonapartistas, os bolcheviques foram substituídos pelos stalinistas. [10]
           
            O segundo elemento desenvolvido por Trotsky, ao qual eu quero atentar, é, então, o retorno às práticas culturais burguesas, ou a elementos culturais burgueses, promovidos pela burocracia a partir do atraso russo. Ao longo da década de 1920, por exemplo, pode-se observar a manutenção relativa do índice de prostituição, ao mesmo passo em que um retrocesso cultural em relação ao papel das mulheres na produção material e na vida política – chamado por Trotsky de “Termidor no lar”. O incremento das desigualdades sociais no seio do proletariado e campesinato, bem como o movimento stakhanovista incentivavam a competição e o arrivismo entre os operários, ao invés da cooperação.
            Pois bem: conforme havia comentado em relação à arquitetura russa, o projeto construtivista foi barrado pelo Estado. Não que houvesse tido uma grande expressão no período em termos quantitativos, é preciso frisar, mas ele participou de um retrocesso amplo do campo artístico e sua subsunção pelas mãos da burocracia stalinista. Podemos caracterizar como um processo de “estatização da encomenda social” este, no qual, a partir da saída de cena das massas nos rumos da revolução (conforme comentado, a partir da supressão da democracia soviética), a burocracia formula suas demandas e as impõe aos artistas russos. Mais do que uma mudança de mãos do “cliente”, este processo configura uma distorção dos princípios da encomenda social.
            A ASNOVA e a OSA são dissolvidas pelo decreto de 1932, do Partido Bolchevique, que acaba com todas as tendências artísticas para reuni-las em grandes grupos submetidos ao Estado. O retorno às linhas da arquitetura neoclássica é a marca deste período.


As fotos acima datam dos anos 50, no caso, mas os projetos de construções deste tipo são iniciados e intensificados a partir da década de 1930. Podemos observar um retorno à idéia de habitação fundada no núcleo familiar, bem como na inserção de elementos nacionalistas. Trotsky já apontava, no texto de 1935 que referi acima, o “nacionalismo messiânico” como um desdobramento ideológico da teoria do socialismo em um só país. Ou seja, a Rússia deveria ser resgatada em sua tradição para explicar os elementos particulares que a permitiram ser o único país socialista do mundo.
            Cabe apontar, a guisa de conclusão, que este processo de degeneração da revolução de Outubro, aqui analisado apenas em sua expressão arquitetônica, manifestou-se nos demais suportes artísticos, elevando, por exemplo, no caso da pintura, o princípio da representação a um grandioso status, bem como a montagem linear, no caso do cinema, à técnica narrativa única. Esta vinculação entre o projeto stalinista e o projeto regressivo artístico encabeçado por esta burocracia é também sintetizado na seguinte formulação de Trotsky, de 1938: “A arte da época stalinista entrará para a história como a expressão mais profunda do declínio da revolução proletária em nível internacional”[11].
             

Referências bibliográficas
ALBERA, François. Eisenstein e o construtivismo russo. Trad. Heloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
ARVATOV, Boris. Arte y produccion: el programa del productivismo. Trad. José Fernandez Sanchez. Madrid: Alberto Editor, Corazon, 1973.
BOWLT, J. E. Russian art of the avant-garde: theory and criticism, 1902-1934.Thames and Hudson, 1988.
BROUÉ, Pierre. O Partido bolchevique: dos primeiros tempos à revolução de 1917. Trad. Anísio Garcez Homem. Curitiba: Pão e Rosas, 2005.
CARR, Edward H. A revolução bolchevique: 1917-1923 Vol 2. Trad. Maria João Delgado. Porto: Afrontamento, 1979.
KOPP, Anatole. Town and Revolution: soviet architecture and city planning 1917-1935.Trad. Burton, T. E. New York: George Braziller, 1970.
____________. Quando o moderno não era um estilo, e sim uma causa. São Paulo: Nobel, 1990.
LODDER, Christina. El constructivismo ruso. Trad. Maria Condor Orduña.  Madrid: Alianza Editorial, 1988.
LUNATCHARSKY, Anatoly. As artes plásticas e a política na URSS. Trad. João Paulo Borges Coelho. Lisboa: Estampa, 1975.
MARTINS, Luiz Renato. O debate entre o construtivismo e o produtivismo, segundo Nikolay Tarabukin. In: Ars, São Paulo: Departamento de artes plásticas, ECA-USP, ano 1, n. 2, 2003.
TARABUKIN, N. M. El ultimo quadro: del caballete a la maquina. Trad. Andrei B. Nakov. Barcelona: G. Gili, 1977.
TROTSKY, Leon. A Revolução traída. Trad. Henrique Canary, Rodrigo Ricupero, Paula Maffei. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2005.
_____________. Estado operário, Termidor e bonapartismo. Disponível em: <http://revistaiskra.wordpress.com/especiais-iskra-trotsky-e-engels/o-estado-operario-termidor-e-bonapartismo/>. Acesso em: 18 set. 2012.
_____________. Literatura e revolução. Trad. Luiz Alberto Moniz Bandeira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.


[1] ALBERA, François. Eisenstein e o construtivismo russo. Trad. Heloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p. 180.
[2] TARABUKIN, N. M. El ultimo quadro: del caballete a la maquina. Trad. Andrei B. Nakov. Barcelona: G. Gili, 1977, p. 32.

[3] TARABUKIN, Nikolay. op. cit.
[4] Cf. KOPP, Anatole. Town and Revolution: soviet architecture and city planning 1917-1935.Trad. Burton, T. E. New York: George Braziller, 1970.

[5] TROTSKY, Leon. Estado operário, Termidor e bonapartismo. Disponível em: <http://revistaiskra.wordpress.com/especiais-iskra-trotsky-e-engels/o-estado-operario-termidor-e-bonapartismo/>. Acesso em: 18 set. 2012.
[6] Cf. TROTSKY, Leonop cit.
[7] TROTSKY, Leonop cit.
[8] Cf. TROTSKY, Leon. A Revolução traída. Trad. Henrique Canary, Rodrigo Ricupero, Paula Maffei. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2005.
[9] Cf. TROTSKY, Leonop. cit.

[10] TROTSKY, Leon. Estado operário, Termidor e bonapartismo. Disponível em: <http://revistaiskra.wordpress.com/especiais-iskra-trotsky-e-engels/o-estado-operario-termidor-e-bonapartismo/>. Acesso em: 18 set. 2012.


[11] Apud FACIOLI, Valentim (Org.). Breton-Trotsky: Por uma arte revolucionária independente. Trad. Carmen Sylvia Guedes, Rosa Boaventura. São Paulo: Paz e Terra; Cemap, 1985, p. 18. 

domingo, 12 de maio de 2013

ROCK É MÚSICA INTERNACIONALISTA




A onda neoconservadora promovida pela mídia burguesa atinge dentre
vários setores da cultura, a música. O rock em especial vem sendo
ameaçado de se separar das suas origens rebeldes mais profundas, para
se limitar a um estilo musical que atende setores esnóbes da classe
média. Exemplos reacionários não faltam com rockeiros de longa estrada
renegando as conexões progressistas do rock com movimentos culturais e
políticos contrários á ordem social.
Se na História recente do Brasil o rock foi considerado pela esquerda
nacionalista como sendo decadente e " agente do imperialismo ", isto
não quer dizer que os rockeiros precisam ser colocados ao lado das
manifestações burguesas. Ao contrário: sustento que o rock é música
internacionalista cujo o teor libertário é incompatível com o
conservadorismo.
Que a música não possui fronteiras, isto não é novidade nem para o mais
reacionário dos ouvintes do mundo de hoje. No entanto, de quais
fronteiras estamos falando, cara? Tratando-se do rock a geografia
forma regiões espirituais ainda muito desabusadas para os padrões da
economia global. Ok, o rock em suas inúmeras derivações musicais
sempre esteve atrelado ao mercado, desde suas origens, e nem por isso
deixou de fazer o barulho que fez no século passado. Hoje tem
festivais para todos os gostos e do underground ao mainstream os
ouvintes de rock podem envolver dos capitalistas mais boçais aos
rebeldes mais lúcidos. Que a coisa ficou banalizada, isso já dava pra
sacar no final dos anos setenta. Porém, a fúria e a sensualidade
provenientes do rock ainda estão numa caixa de surpresas(basta plugar
as guitarras e ninguém mais pode controlar, calcular aonde vai dar
este irresistivel convite á liberdade, que nada tem a ver com as leis
de mercado).
 Tendências reacionárias expressas por exemplo em certas correntes
religiosas, tentam tapar os ouvidos da moçada. Mas é inútil: é muito
bom saber que os hormônios da garotada podem ainda ser traduzidos nas
melodias mais insolentes da terra. Por mais que procurem bloquear na
juventude de hoje a contestação social por meio da música, os garotos
sempre arranjam os discos, as músicas, os visuais que ainda conferem
uma identidade que não se contenta com a sopa rala destes tempos de
conservadorismo generalizado.
  O rock sempre foi comércio, mas quem pode negar que foi ele quem
conseguiu expressar com maior precisão a avalanche libertária da
segunda metade do século XX?(algo comparável talvez ao que foi o jazz,
na primeira metade do século passado). O mais interessante nisto tudo
é que o rock arrebentou os discursos nacionalistas na música e na arte
em geral: uma sintonia encarnada em sons liga um sentimento de
rebelião nas mais vastas regiões do planeta. Isso já era perceptivel
com Chuck Berry e adquiriu força nas décadas de sessenta e setenta.
Sendo internacionalista, o rock é um produto histórico essencial para
se pensar a música que represente o ódio contra a burguesia: contra a
repressão/manipulação do desejo sexual, a exploração econômica(até
hoje parte da juventude operária escuta Punk-rock), a guerra, o
racismo, a homofobia, o machismo, etc. A todos estes elementos que
crescem na sociedade atual, o rock fez questão de se opor respondendo
com irreverência, deboche e belíssimos desaforos. Não foi por acaso
que a rapaziada da LIBELU nos anos setenta aqui no Brasil se
identificou com o rock:dispensando aquele violão chatérrimo e aquele
banquinho de cabelo branco, o rock era visto enquanto a música da
Revolução Permanente... Seria este um papo dos anos setenta? Não: que
os cabelos brancos sejam assumidos com rebeldia...
  Por muito tempo aquela coisa toda do rockstar impediu muito o
alcance revolucionário do rock(tietagem é um saco). Mas, hoje em dia a
pluralidade de gêneros e estilos musicais não permitem mais que o rock
crie deuses: não há mais contexto histórico para que surja algo como
os Beatles, por exemplo. Isto é ótimo: com a produção musical
acumulada em décadas(incluindo os Beatles) é visivel que o antigo e o
novo em rock se juntam numa postura combativa que não nem
absolutamente nada a ver com modas. Arranquemos o rock do analfabetimo
espiritual que tomou conta da música, e que seja enfatizada a sua
força internacionalista. Hail, Hail, Rock `N `Roll...

                                      Tupinik

terça-feira, 7 de maio de 2013

NOVA BOFETADA NO GOSTO PÚBLICO(PARTE 2): O abismo do desejo e o Partido de Deus




Um ar de repressão paira entre Sumaré e Catalunha, entre Campinas e
Madrid, entre São Paulo e Barcelona...Uma nova guerra civil espanhola
dentro do Brasil ameaça os militantes revolucionários da cultura.
Thyago e Afonso estavam numa festa que trazia a síntese de todos os
rostos humanos que eles conhecem. Ao saírem da festa, eles se deparam
com um Ballet dinamitado: era a barbárie franquista pós-moderna sob a
máscara do fundamentalismo religioso. Os dois redatores do LANTERNA
decidem enfrentar a situação, tendo em mãos todas as armas da arte
revolucionária:

 O ABISMO DO DESEJO BROTA EM LEMBRANÇAS:

Thyago:- Tenho uma imagem na cabeça de pessoas correndo nuas até as
águas de uma piscina...

Afonso e Thyago escrevem com as cores de cervejas vermelhas e
alaranjadas: "O amor louco contra o PD (Partido de Deus)”. Ambos
acenam para Nadja, que empunhava um punhal de azeite contra Marcos,
Lucas e Tiago.

(UMA PATRULHA FRANQUISTA PASSA PROCURANDO PECADORES)

Thyago:- A acumulação primitiva das imagens de Jeová requer por parte
da esquerda um contraponto do amor sexualizado.

Afonso:- É um novo Front! Me lembrei de Allen Ginsberg, quando este
disse que é preciso "sexualizar a amizade ". Só o amor pagão pode
quebrar na base do ponta-pé metafórico cada canto deste céu
insuportável.

Thyago:- Do suor do carnaval surge uma nova água benta...

Afonso:- Em termos estéticos, é mais quente do que a Bíblia

Thyago:- Tenho as minhas dúvidas.

UM TIRO É DISPARADO! THYAGO E AFONSO ESCUTAM, EMPUTECIDOS, FRANCO
DISCURSANDO NEGATIVAMENTE SOBRE JOHN LENNON, CAETANO VELOSO E LENIN.

Thyago:- Falemos mais baixo...

Afonso:- Sim... Há um clima de repressão cultural generalizado neste
país. Rapaz, a coisa toda está muito perigosa.

Thyago:- Perigoso é ver homens puros infestando as ruas.

UMA COTIA SAI DE DENTRO DO PALETÓ DE AFONSO

Afonso:- Que alívio! Pensei que fosse um rato fascista infiltrado.

THYAGO FAZ DA COTIA UM CIGARRO

Thyago:- Os fascistas queimam mais rápido do que as cotias.

Afonso:- Pois é. Eu espero um dia que os monumentos faraônicos da
cultura digital queimem junto a todo lixo totalitário.

Thyago:- Mas por enquanto , meu caro, tudo está perigoso.

Afonso:- Os verdadeiros artistas deste país podem sofrer. Músicos
geniais, por exemplo, ameaçam pelo fato das melodias serem livres.

Thyago:- Tom Zé,ouvi dizer, pode ser fuzilado por estes canalhas
neo-franquistas.

Afonso:- Cuidado!

A PATRULHA FRANQUISTA APANHOU OS DOIS REDATORES DO LANTERNA. ELES SE
ENCONTRAM AGORA EM FRENTE A UM PELOTÃO DE FUZILAMENTO

Thyago:- Quereria eu dizer "sims " como James Joyce. Mas,
Afonso, hoje o campo está minado.

Afonso:- Então vamos superar esta triste tela de Magritte e somar
Joyce com a alegria libertária de Oswald de Andrade!

Thyago:- Transformar o tabu em totem?

Afonso:- E fazer a Revolução surrealista contra o Partido de Deus

Thyago:- Somos livres!

Afonso:- Não seremos fuzilados hoje!

THYAGO E AFONSO ARRANCAM DOS LÁBIOS SELADOS UMA
GRANADA CUJA INSÍGNIA TRAZ ESCRITO "MIRÓ".



sábado, 4 de maio de 2013

UM GRANDE MOMENTO DO CINEMA BRASILEIRO:


O longa O GRANDE MOMENTO, de 1958, elevou o realismo no cinema
brasileiro a um patamar raramente visto anteriormente. Sem incorrer
sobre os perigos da demagogia e do paternalismo, Roberto Santos
realizou uma pelicula que apressou o preparo do caldo estético que deu
no movimento do cinema novo. É um filme precurssor, original e
tragicamente bem humorado. Um jovem que está numa aflita busca por
dinheiro para pagar os últimos preparativos do seu casamento, ilustra
a incompatibilidade entre a felicidade e a realidade do proletariado
paulista.
  Numa atuação magistral, o então jovem Gianfrancesco Guarnieri,
apresenta um personagem cujo o significado social era praticamente
inédito no cinema brasileiro: o operário prestes á casar, ás voltas
com a familia e a precariedade econômica, passa com uma velocidade
poética na sua bicicleta; instrumento de trabalho que terá que vender
para conseguir dinheiro. A influência do neo-realismo italiano é total
e veio bem a calhar com a realidade cultural em questão: imigrantes
italianos do Brás, buscando a felicidade impossibilitada pelo capital.
  É extremamente significativo que este passo decisivo no cinema
político brasileiro  seja ambientado no Brás: este bairro
historicamente operário, no qual os anarquistas já militavam
culturalmente com o seu teatro de agitação durante o início do século
passado,  encaixou-se perfeitamente com este primeiro momento de
inquietação nas temáticas cinematográficas. Sem temer o lado pastelão,
presente por exemplo na briga durante o casório(as frustrações e
insatisfações dos trabalhadores quando não são esclarecidas pela
denúncia da exploração capitalista, geram brigas e desentendimentos
entre a própria classe), este filme serviu para arar o terreno.
Roberto Santos junto a outros nomes como Alex Viany e principalmente
Nelson Pereira do Santos, abriram picada para que Glauber Rocha e a
sua turma botassem pra quebrar na década seguinte.
  Pode-se dizer que este filme aborda os dramas sociais com mais
precisão que o chamado realismo carióca da época, justamente porque
Roberto era vacinado em relação ao perigo declamatório e panfletário
que a opção realista pode invocar. Humilde e com um bela visão
totalizante, O GRANDE MOMENTO deve ser revisto pelo seu mérito
estético e pela atualidade do seu tema. Infelizmente mal distribuido
no período do seu lançamento, este filme deve constar entre aqueles
que orientam um realismo de qualidade na História do cinema
brasileiro.


                          Lúcia Gravas

FILME: O Grande Momento

DIREÇÃO: Roberto Santos

ANO: 1958

DIA: 4/05

LOCAL: Museu da Imagem e do Som de Campinas

HORÁRIO: 19:30

quarta-feira, 1 de maio de 2013

MEU PRIMEIRO DE MAIO




Todos
que marchais pelas ruas
e deteis as máquinas e as fábricas,
todos
desejosos de chegar a nossa festa
com as costas marcadas pelo trabalho,
Saí a Primeiro de maio
o primeiro dos dias
Recebê-lo-emos, camaradas,
com a voz entrecortada de canções.
Primavera,
derretei a neve.
Eu sou um operário,
este dia é meu.
Eu sou camponês,
este dia é meu.

Todos,
estendidos nas trincheiras
esperando a morte infinita,
todos
os que num carro blindado
atiram contra seus irmãos,
escutai:
Hoje é Primeiro de maio.
Partamos ao encontro
do primeiro de nossos dias,
enlaçando as mãos proletárias.
Calai vossos morteiros!
Silêncio, metralhadoras!
Eu sou marinheiro,
este dia é meu.
Eu sou soldado,
este dia é meu.

Todos
das casas,
das praças,
das ruas,
encolhidos pelo gelo invernal
todos
torturados de fome,
das estepes,
dos bosques,
dos campos,
saí neste Primeiro de maio!
Glória á gente fecunda!
Desabrochai, primavera!
Verdes campos cantai!
Soai sirenes e apitos!
Eu sou de ferro,
este dia é meu.
Eu sou a terra
este dia é meu!




        Maiakóvski