Enquanto aquecemos os motores para a mostra de filmes Realismo Socialista, no MIS Campinas(a mostra terá seu início no próximo dia 27 de agosto), se faz necessário denunciar as falsas relações entre arte e marxismo estabelecidas historicamente pelos stalinistas. Tal denúncia pode não ser novidade para muitos marxistas esclarecidos, mas é sempre importante salientarmos para pessoas não totalmente familiarizadas com questões estéticas, que o Realismo Socialista não é arte revolucionária. Esta afirmação é a posição estética/política assumida pelo nosso blog, deixando claro que durante a mostra de filmes, estaremos abertos ao debate/diálogo junto aqueles que inclusive discordam de nós.
Mas não seria exatamente a associação entre arte revolucionária e Realismo Socialista, que encontramos em documentários, reportagens e artigos fartamente difundidos pela mídia capitalista? Pois é, o esforço ideológico da intelectualidade reacionária, no Brasil e no mundo, funda-se em falsos princípios políticos: a tara liberal procura associar marxismo com totalitarismo, arte de esquerda com propaganda rasteira. Estamos diante de um momento que exige definições, correções, conceituações. Visto que a produção cultural atrelada aos interesses e ao universo de valores do capitalismo, não consegue ocultar totalmente a miséria e a alienação, os discursos sobre arte revolucionária fazem do território estético um espaço que sonha ativamente com a construção de uma outra realidade histórica.
Não existem decretos para a arte revolucionária. Entendida como um conjunto de experiências artísticas plurais que desaguam na condenação da civilização capitalista, a arte revolucionária não pode existir a mando de nenhuma estrutura burocrática. A diferença básica entre um artista militante e um garoto de recados de fórmulas artísticas, está na necessária e relativa autonomia do primeiro. A necessidade de afirmação humana que reside no impulso artístico criador não pode, a custo de neutralizar seu poder de fogo contestador, ser o cumprimento de uma ordem que visa beneficiar um órgão centralizador de poder. Talvez a confusão que muitos fazem(e o proveito que muitos tiram desta confusão) esteja numa suposta centralização da cultura realizada pelo socialismo. Muito pelo contrário: o socialismo deve garantir a estrutura material necessária para uma arte livre, para uma cultura libertária, descentralizada. O comando interior do artista não apenas leva ao protesto contra o sistema capitalista, hostil à criação artística(aspecto este destacado por Marx), mas exige(quando o artista possui consciência política) uma alternativa política. O respeito às leis artísticas culminam na necessidade de uma outra organização política: é o socialismo, e não suas deformações burocráticas, que pode possibilitar o desenvolvimento das potencialidades humanas, da criação. Não é servindo de propaganda, como foi o caso do Realismo Socialista, que a arte contribui com a necessária transformação política.
O desconhecimento da dinâmica artística, ou pelo menos da maneira como o suporte técnico articula-se com uma expressão que revela a denúncia e a rebelião contra a presente ordem social, acarreta quase sempre no desencontro entre forma e conteúdo. O direito à pesquisa artística é um pressuposto para que a arte não se feche em uma linguagem que carrega as estruturas e os vícios da cultura dominante. Ou seja, não existe arte revolucionária com happy end, com uma simplificação maniqueísta tão ao gosto da indústria cultural. Contrariando a assertiva do poeta Maiakóvski, o Realismo Socialista desconsidera a forma revolucionária e gera um conteúdo que também não é revolucionário. Entretanto, é dentro da tensão entre elementos jdanovistas e elementos de vanguarda, que encontramos, como foi dito na edição 29, algumas manifestações artísticas que devem ser examinadas/problematizadas: cumpre a nós debatermos até que ponto tais obras cumprem um papel político progressista e até que ponto tornam-se expressões das imposições burocráticas do jdanovismo. Trata-se de um debate!
Nas próximas edições, em sintonia com a mencionada mostra de filmes, tentaremos expor os erros, as confusões, as contradições e o retrocesso estético que o Realismo Socialista representou e representa para os artistas de esquerda.
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