domingo, 14 de agosto de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 31

Conceituar o que foi, o que talvez seja e o que pode ser arte revolucionária, é uma ação intelectual fundamentada no fato de que a criação artística é um ato transformador, inevitavelmente ligado(em sintonia) com um projeto político anticapitalista. Este posicionamento insere a dimensão estética numa perspectiva que julga o conhecimento como algo destinado a provocar transformações na consciência. No Brasil de hoje isso chega a soar como algo fora da lei. Não é pra menos: uma enxurrada conservadora procura não apenas despolitizar os contextos em que se produz e debate arte(escolas, universidades, centros culturais, etc) mas demonizar ou até mesmo criminalizar artistas e intelectuais que não aceitam um sistema baseado na exploração e na alienação. É exatamente este contexto reacionário que nos obriga a refletirmos sobre os erros históricos da esquerda, ou pelo menos da esquerda que historicamente apresentou-se como majoritária.
  No campo artístico, estamos propondo uma reflexão sobre os erros do Realismo Socialista, exatamente porque a nova geração de militantes deve formar suas convicções estéticas numa perspectiva oposta a do jdanovismo . O Realismo Socialista não é nem realista e nem socialista. Não é realista porque suprime as contradições da realidade em prol de uma visão folhetinesca, de um discurso nacionalista que exalta de modo idealista o proletariado e os feitos de uma direção política atrelada ou próxima ao stalinismo. Não é socialista porque a arte socialista além de não existir( e nem poderia surgir num passe de mágica) não pode ser monolítica, mas como frisamos na edição anterior, deve ser necessariamente plural. Portanto colocar o jdanovismo em questão não significa chutar cachorro morto, mas estudar uma produção que nos ensina a entender o que não é arte revolucionária. Precisamos deste juízo crítico para lutar, até porque o clima político no nosso país tem levantado o que existe de pior no pensamento conservador.
Enquanto os militantes de esquerda não debaterem seriamente e em larga escala questões artísticas, a cultura torna-se um espaço facilmente conquistado pela direita. Truculência somada aos clássicos delírios direitistas, resultam hoje em teorias da conspiração tais como o chamado " marxismo cultural "(esta expressão designa uma nova paranoia anticomunista: a cultura estaria sendo manipulada por comunistas " infiltrados " nas escolas, nos meios de comunicação, nos movimentos sociais, etc). Sem dúvida é muito fácil rebater pseudo-teorias como essa: o marxismo não manipula, não age às escondidas,  mas procura esclarecer, debater e transformar uma sociedade cujos problemas(fome, racismo, homofobia, intolerância, desemprego, etc) não foram criados por comunistas mas por capitalistas. Porém, o debate estético na esquerda ainda demonstra-se, salvo alguns poucos exemplos, muito rarefeito.
 Não se pode confundir arte revolucionária com fórmulas que retiram o movimento dialético da narrativa(literária ou cinematográfica) e reprimem pesquisas estéticas(na música e na pintura, por exemplo). Defender a liberdade artística é o oposto do liberalismo porque uma arte livre é aquela que capta pela antena da sensibilidade as contradições da sociedade capitalista. Os interesses históricos da classe trabalhadora exigem do artista uma entrega total, um espírito de aventura que busca novas experiências. Mas petrificando a expressão, o Realismo Socialista impossibilita todos os voos poéticos. No século passado isto foi claro: o suicídio de Maiakóvski, o enfarto de Eisenstein, o ostracismo de Vertov, a morte de Meyerhold, as calúnias que os surrealistas sofreram, a repressão da qual escritores como Patrícia Galvão foram alvo, são exemplos históricos que revelam os danos que o jdanovismo trouxe para as forças progressistas da arte.
  Se estamos dispostos a debater os erros do jdanovismo não é para estimular pesquisas de escaninho. Nosso objetivo é realizar  uma crítica que visa contribuir com a qualidade do debate estético na esquerda. Isto serve para nos fortalecermos num momento em que a direita, cada vez mais, deita e rola no campo da cultura.

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