domingo, 11 de dezembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 47

Os momentos mais progressistas da cultura brasileira precisam ser constantemente revisitados, relidos, valorizados enquanto memória que age sobre o presente. Existem vários intelectuais que foram presenças seminais nos rumos da arte brasileira. Sendo assim, o atual momento exige que valorizemos a presença e o legado de Ferreira Gullar, que nos deixou na última semana. A morte do poeta leva inevitavelmente a uma retrospectiva de sua contribuição ímpar.
 O maranhense Ferreira Gullar representa um modelo intelectual em extinção na nossa cultura. Ele protagonizou intensos momentos de ruptura estética, de agitação política. O autor de Rabo de Foguete esteve envolvido em projetos estéticos que constituem parte significativa da arte revolucionária feita no nosso país. Neoconcretismo, CPC e Grupo Opinião remetem a um período histórico em que a arte é essencialmente participação, experiência nova, tomada de posição diante dos impasses políticos do Brasil. Ferreira Gullar foi presença ativa neste processo cultural e político.
 Ferreira Gullar tinha razão quando, no fim da vida, afirmou que a arte existe porque a vida não basta. A necessidade da beleza, do colocar-se pra fora por meio da criação são aspectos que elevam a existência humana. A biografia de Ferreira confirma esta evidência da ação criadora do homem: o poeta foi uma liderança na dissidência vanguardista denominada Neoconcretismo. Rompendo com o racionalismo do concretismo paulista, o Neoconcretismo, por volta de 1959, radicalizou os procedimentos estéticos de vanguarda; ocorre agora a valorização da subjetividade do espectador. Certamente o poema objeto, legado por Ferreira Gullar, foi um dos momentos máximos deste movimento.  Mais tarde, durante o governo Jango, Gullar adere ao Centro Popular de Cultura da UNE, exercendo um importante papel como teórico e como liderança. Naquele período do pré-golpe, Gullar foi um dos nomes que contribuiu para um encontro revolucionário entre arte e política. Após o Golpe de 64, quando a cultura engajada parecia estar fadada ao fracasso, Ferreira Gullar toma parte no Grupo Opinião: tratava-se da primeira grande resposta ao golpe, na qual teatro e música popular resistem com uma impressionante vitalidade artística contra a ditadura militar.
 Ferreira Gullar enfrentaria a clandestinidade e o exílio. Tais barreiras não foram impedimentos para que ele insistisse na poesia e na crítica de arte. Podemos concordar e discordar das posições políticas e estéticas que Ferreira assumiu ao longo de toda sua vida. O ponto indiscutível é o seguinte: não se pode falar em arte revolucionária no Brasil sem levar em conta o legado de Ferreira Gullar.

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