domingo, 18 de junho de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 70

Apresentamos Zé+Zé= Sujeito histórico, de José Ferroso.

 " Os dois amigos tinham o mesmo nome: José e José sempre foram vizinhos, amigos de uma vida. Ambos chegaram aos 40 anos com mulher e filhos. Os dois tinham calos parecidos nas mãos, pois trabalharam em lugares parecidos: fábrica, construção civil, coleta de lixo etc. Trabalhavam juntos agora na mesma fábrica. Mas mesmo assim, havia diferenças marcantes: um Zé era doido por futebol, preferia guaraná ao invés de pinga, usava um boné azul, gostava de baralho e tinha dois filhos. O outro Zé , não gostava muito de bola, gostava de cachaça e muita sanfona, tinha um filho vivo, sendo que o mais novo morreu de fome numa longa viagem a pé entre o interior do Ceará e a cidade de São Paulo. Esse Zé tinha um boné amarelo.
 Num começo de noite, o sindicato decidiu que a greve rebentava na próxima madrugada. O dois amigos olhavam timidamente para os outros companheiros exaltados: murros na mesa, gargalhadas, vaias e olhares preocupados cercavam ambos numa assembléia que já durava 4 horas. Um Zé olhou para o outro e disse:

Zé 1: - E você, acha que a greve vai pra frente?

Zé 2: - Acho que vai.

No dia seguinte, estava marcada uma passeata. Os dois amigos chegaram pontualmente: operários se amontoavam e proclamavam palavras de ordem. Tomados por uma emoção súbita ambos passaram também a gritar. Conforme a passeata avançava, Zé e Zé percebiam que com bonés diferentes, calos parecidos, gostos diferentes e dramas particulares, eles não eram apenas amigos: faziam parte da mesma classe, tinham a mesma sede por um outro mundo. Um Zé olhou para o outro e disse:

Zé 1:- Lembra quando eu te perguntei ontem, se a greve ia pra frente?

Zé 2 - Lembro

Zé 1:  - Pois eu acho que esta greve promete mais, acho que tamo indo pra frente mesmo

Zé 2:- Eu não arredo o pé! 

Ambos iam mudando seu jeito de falar e pensar. Se assustavam um pouco, pois geralmente falavam baixo e assistiam os acontecimentos sem voz e com palito de dente na boca. Sim, era uma mudança e tanto: as lembranças festivas e amargas, os anos de trabalho, tudo só faria sentido se eles continuassem a andar juntos, a manter os pés marchando numa única direção. O helicóptero no céu era o mesmo. O cassetete era o mesmo. As reportagens na grande imprensa eram as mesmas. Mas Zé e Zé não eram mais os mesmos. " 


                                                                                    José Ferroso

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