sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

POEMA " ODE AO BURGUÊS ", DE MÁRIO DE ANDRADE:



Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!

A digestão bem feita de São Paulo!

O homem-curva!, o homem-nádegas!

O homem que sendo francês, brasileiro,italiano
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!


Eu insulto as aristocracias cautelosas!

Os barões lampiões! Os condes Jões, os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os " Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês funesto!

O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!

Fora os que algarismam os amanhãs!

Olha a vida dos nossos setembros!

Fará sol? Choverá? Arlequinal!

Mas á chuva dos rosais

o extâse fará sempre o sol

Morte á gordura!

Morte ás adiposidades cerebrais

Morte ao burguês mensal,
ao burguês-cinema! ao burguês-tíburi!
Padaria suíssa! Morte viva ao Adriano!
"- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
- Um colar... - Conto e quinhentos!!!
mas nós morremos de fome ! "

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!

Oh! purée de batatas morais!

Oh! Cabelos nas ventas ! Oh! Carecas!

Ódio aos temperamentos regulares!

Ódio aos relógios musculares! Morte á infâmia!

Ódio á soma! Ódio aos secos e molhados!

Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!

Dois a dois! Primeira posição! Marcha!

Todos para a central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!

Morte ao burguês de giolhos
cheirando religião e que não crê em Deus!

Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico

Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...



Mário de Andrade, 1922.


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