Cinema revolucionário é coisa de meia dúzia de espectadores iniciados no marxismo, ou é algo destinado ao proletariado? Esta antiga pergunta se fez presente ontem durante a penúltima edição do ciclo de filmes GLAUBER+GODARD, no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas. A exibição do filme Vento do Leste(1970), de Jean Luc Godard, suscitou uma importante discussão sobre o significado(sobretudo hoje) do cinema político. O fato dos movimentos sociais da atualidade expressarem suas inquietações políticas inclusive no plano audiovisual(dado este abordado na edição 20 e que consideramos vital para se pensar o futuro do cinema militante), coloca novamente em questão a maneira como podemos definir o cinema revolucionário. No bojo dos debates estéticos da década de 60, Glauber Rocha e Jean Luc Godard radicalizavam no início dos anos 70 seus projetos cinematográficos, concebidos enquanto intervenções sobre a realidade política. Entretanto, tudo indica que o cineasta brasileiro e o cineastas francês divergiam sobre a maneira como a linguagem cinematográfica se faz nos países capitalistas pobres.
Apesar do Vento do Leste ser ainda um filme pouco discutido/conhecido, ele é constantemente lembrado pela participação de Glauber: uma cena traz o brasileiro numa encruzilhada cantando o refrão da canção Divino Maravilhoso, de Caetano Veloso(canção esta que foi magnificamente interpretada por Gal Costa). Uma moça pergunta a Glauber qual seria o caminho do cinema político. A definição do cinema político ganharia contornos polêmicos: Glauber mostra que existe um caminho específico para o cinema do terceiro mundo. Que caminho seria este? Curiosamente o projeto cinematográfico de Glauber possui uma perspectiva política que diverge do " maoismo iconoclasta " de Godard. O francês teria dito a Glauber que os cineastas brasileiros deveriam destruir o cinema. Ainda segundo Godard, os brasileiros estariam num momento ideal para realizar um cinema revolucionário, mas ao invés disso faziam um " cinema revisionista ", dando importância ao drama e ao espetáculo.
Em resposta, Glauber Rocha teria dito que a destruição do cinema poderia ser feita na França ou na Itália, mas não no Brasil. Glauber concebe o sentido histórico do cinema brasileiro no rumo da construção e não da destruição. Preocupado com a linguagem, a estética e a técnica, Glauber acreditava que, naquele momento, o cinema brasileiro só poderia participar do processo de libertação nacional, levando em conta o público popular e não apenas uma pequena parcela de militantes. Ainda que houvesse sintonia estética e política entre ambos os cineastas, Glauber apresenta um ponto de vista que vai muito além do sectarismo maoista de Godard: mergulhado nos chavões políticos reducionistas da Revolução Cultural Chinesa, Godard militava no interessantíssimo grupo Dziga Vertov, realizando filmes em que " destruir a cultura burguesa ", implicava também em destruir as bases da linguagem do cinema convencional, daquilo que era chamado de " cinema revisionista ". Sendo o filme Vento do Leste, expressão desta fase da cinematografia de Godard, os cineastas militantes de hoje acabam por questionar: a quem destina-se, qual seria o alcance e como definir o cinema revolucionário?
Feitas reservas quanto às generalizações de Godard, que importa o discurso marxista simplificado/deformado de Mao Tsé Tung para o interior do cinema político europeu, é preciso considerar as contribuições estéticas deste cinema: a tentativa, ainda que precipitada mas não menos criativa, de aplicar os conceitos do materialismo dialético na linguagem cinematográfica, potencializando formas de raciocínio visual, desconstruindo a gramática da linguagem burguesa e realizando assim um ensaio cinematográfico de caráter marxista. Este é um cinema importante: ele se comunica com militantes que apresentam previamente formação política e estética(o que permite inclusive que tais militantes possam divergir da maneira como Godard relaciona a arte com o marxismo). Entretanto, este não é o único caminho do cinema revolucionário: naquela encruzilhada em que Glauber Rocha estava, podemos concluir que um cinema revolucionário, portanto identificado com o marxismo, possui caminhos a serem trilhados. O desafio de se comunicar com o público popular sem cair em paternalismo, sem recorrer às grotescas fórmulas do realismo socialista, talvez seja o maior de todos os desafios.
domingo, 26 de junho de 2016
domingo, 19 de junho de 2016
Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 23
Escrever é agir, é interferir sobre a consciência do leitor. Este fato não apenas aproxima a literatura da política, mas exige uma reflexão estética sobre a maneira como o texto literário participa da realidade social. A compreensão de que a literatura não é um exercício inocente, alavancou durante o século passado inúmeros debates entre escritores de esquerda. O escritor não seria aquele recreador do mundo das letras, um mero detalhe na cultura, uma celebridade que atrai em sua órbita paparicos, ovos babados e um mar de mãos que puxam o saco. Enquanto intelectual, o escritor assumia-se muitas vezes como militante político: é a luta pela libertação que estava em jogo. Acreditamos que este papel revolucionário do escritor, precisa ser pensado e debatido hoje; afinal o sistema capitalista continua massacrando a vida da classe trabalhadora.
Sabemos bem que o imperativo político em literatura pode resultar em verdadeiros desastres. Por mais nobre, por mais necessário que possa ser o assunto político, a literatura não é uma serva da política. A obra literária é por si mesma uma chama política, um fermento verbal, uma experiencia que contribui com a maneira como o leitor compreende o contexto histórico no qual ele está inserido. Ou seja, a tomada de consciência sobre os problemas sociais, é um percurso no qual a literatura traz uma contribuição específica. Não é tanto o poema ou o romance que " despertam " a consciência crítica. Ambos são forças culturais que não podem estar isoladas, mas integradas aos movimentos que lutam pela emancipação do homem numa sociedade atravessada pela exploração e pela alienação.
A maneira como a literatura participa da vida social, só pode ser pensada a partir da própria obra literária: o estilo, os recursos de linguagem, o temperamento do autor e outros elementos que nutrem a composição do texto, não são detalhes encerrados na técnica literária. Enquanto esforço estético interessado, a literatura abarca o caráter político de acordo com as suas especificidades artísticas. O impacto estético da obra literária conta e muito: ainda que um poema não fale sobre miséria social, a violência verbal e as imagens arrebatadoras do poeta, podem não rimar com a ideologia da classe dominante. Um romancista pode não falar diretamente sobre socialismo, mas sua prosa é capaz de revelar de modo explosivo a tensão máxima da luta de classes.
Outro aspecto a ser considerado pelos escritores de esquerda, é a necessidade da obra literária estar inserida na realidade cultural do proletariado. Criadas a partir dos meios de produção culturais apropriados pelos trabalhadores(de uma gráfica popular até uma publicação digital em que escritores e militantes agem diretamente sobre), as obras literárias deixam se ser objetos de luxo e passam a ser parte do cotidiano da classe trabalhadora. É por estas e outras que o escritor é tão necessário quanto o militante político clássico.
Sabemos bem que o imperativo político em literatura pode resultar em verdadeiros desastres. Por mais nobre, por mais necessário que possa ser o assunto político, a literatura não é uma serva da política. A obra literária é por si mesma uma chama política, um fermento verbal, uma experiencia que contribui com a maneira como o leitor compreende o contexto histórico no qual ele está inserido. Ou seja, a tomada de consciência sobre os problemas sociais, é um percurso no qual a literatura traz uma contribuição específica. Não é tanto o poema ou o romance que " despertam " a consciência crítica. Ambos são forças culturais que não podem estar isoladas, mas integradas aos movimentos que lutam pela emancipação do homem numa sociedade atravessada pela exploração e pela alienação.
A maneira como a literatura participa da vida social, só pode ser pensada a partir da própria obra literária: o estilo, os recursos de linguagem, o temperamento do autor e outros elementos que nutrem a composição do texto, não são detalhes encerrados na técnica literária. Enquanto esforço estético interessado, a literatura abarca o caráter político de acordo com as suas especificidades artísticas. O impacto estético da obra literária conta e muito: ainda que um poema não fale sobre miséria social, a violência verbal e as imagens arrebatadoras do poeta, podem não rimar com a ideologia da classe dominante. Um romancista pode não falar diretamente sobre socialismo, mas sua prosa é capaz de revelar de modo explosivo a tensão máxima da luta de classes.
Outro aspecto a ser considerado pelos escritores de esquerda, é a necessidade da obra literária estar inserida na realidade cultural do proletariado. Criadas a partir dos meios de produção culturais apropriados pelos trabalhadores(de uma gráfica popular até uma publicação digital em que escritores e militantes agem diretamente sobre), as obras literárias deixam se ser objetos de luxo e passam a ser parte do cotidiano da classe trabalhadora. É por estas e outras que o escritor é tão necessário quanto o militante político clássico.
domingo, 12 de junho de 2016
Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 22
Fruto direto das inquietações políticas de Junho de 2013, a criação de cartazes acentua uma importante perspectiva estética/política nos dias que correm. Se os desdobramentos de 2013 foram em boa parte canalizados pela direita, é dentro das iniciativas da esquerda que encontramos elementos visuais definidores de uma nova arte de combate. Os cartazes em questão, possuem uma tremenda capacidade expressiva que atinge em cheio o espaço público.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, são visíveis cartazes cujo humor e perspicácia política temperam interessantíssimas experiências gráficas. A crítica mordaz envolve a conjugação entre figura e palavra: o governo interino, a grande mídia, o imperialismo norte americano, a intolerância da classe média, são ora parodiados, ora atacados. Nenhum setor reacionário da sociedade contemporânea, parece escapar das críticas visuais de uma produção engajada e ao mesmo tempo desencanada de glorias e paparicos próprios das grandes instituições artísticas.
Nas artes gráficas praticadas por artistas militantes, não está a ilustração da realidade mas a ilustração que nasce no plano do cartaz para agir politicamente sobre a realidade. O grande barato do cartaz é seu efeito comunicativo direto sobre as massas: a exemplo de um anúncio publicitário ou de uma revista em quadrinhos,o cartaz exprime diretamente situações que são comunicadas na mesma velocidade com que o sinal de trânsito se abre. É uma experiência estética essencialmente urbana, ligada à vida da pólis: é portanto uma avançada forma de participação artística na vida política.
Estes cartazes capturam o olhar alienado de um transeunte: diferentemente do apelo comercial que impera nas imagens que infestam os grandes centros urbanos da atualidade, o cartaz militante é um convite poético para a reflexão social. É importante que se diga: esta produção militante possui raízes visuais nas criações gráficas do século passado. Como já frisamos anteriormente neste mesmo periódico, artistas e coletivos culturais de esquerda dos nossos dias, inspiram-se esteticamente na produção gráfica do Construtivismo russo, na arte de agitação e propaganda dos revolucionários durante a Guerra civil espanhola(1936-1939) e principalmente no teor libertário dos cartazes do Maio de 68. Não por acaso, este último evento histórico parece ser decisivo enquanto influência: existe uma notável sensibilidade Pop, própria dos anos 60, nos atuais cartazes. É do solo Pop que nasce a parodia e o tratamento visual dado aos principais impasses políticos do Brasil de 2016. Esperamos que esta produção tenha uma longa duração militante.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, são visíveis cartazes cujo humor e perspicácia política temperam interessantíssimas experiências gráficas. A crítica mordaz envolve a conjugação entre figura e palavra: o governo interino, a grande mídia, o imperialismo norte americano, a intolerância da classe média, são ora parodiados, ora atacados. Nenhum setor reacionário da sociedade contemporânea, parece escapar das críticas visuais de uma produção engajada e ao mesmo tempo desencanada de glorias e paparicos próprios das grandes instituições artísticas.
Nas artes gráficas praticadas por artistas militantes, não está a ilustração da realidade mas a ilustração que nasce no plano do cartaz para agir politicamente sobre a realidade. O grande barato do cartaz é seu efeito comunicativo direto sobre as massas: a exemplo de um anúncio publicitário ou de uma revista em quadrinhos,o cartaz exprime diretamente situações que são comunicadas na mesma velocidade com que o sinal de trânsito se abre. É uma experiência estética essencialmente urbana, ligada à vida da pólis: é portanto uma avançada forma de participação artística na vida política.
Estes cartazes capturam o olhar alienado de um transeunte: diferentemente do apelo comercial que impera nas imagens que infestam os grandes centros urbanos da atualidade, o cartaz militante é um convite poético para a reflexão social. É importante que se diga: esta produção militante possui raízes visuais nas criações gráficas do século passado. Como já frisamos anteriormente neste mesmo periódico, artistas e coletivos culturais de esquerda dos nossos dias, inspiram-se esteticamente na produção gráfica do Construtivismo russo, na arte de agitação e propaganda dos revolucionários durante a Guerra civil espanhola(1936-1939) e principalmente no teor libertário dos cartazes do Maio de 68. Não por acaso, este último evento histórico parece ser decisivo enquanto influência: existe uma notável sensibilidade Pop, própria dos anos 60, nos atuais cartazes. É do solo Pop que nasce a parodia e o tratamento visual dado aos principais impasses políticos do Brasil de 2016. Esperamos que esta produção tenha uma longa duração militante.
domingo, 5 de junho de 2016
Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 21
Durante o século passado, o processo de modernização pariu sons estridentes. Num mundo cada vez mais chacoalhado por greves operárias, guerras imperialistas, revolta juvenil, lutas das minorias, mercantilização da vida e uma série de transformações tecnológicas, qual seria a roupagem da música popular? Jogando esta melódica peteca para os dias atuais, ficou difícil neste início do século XXI pensar os caminhos da canção no Brasil e no mundo.
O fato é que os novos processos tecnológicos de produção, execução, gravação e circulação de música, contribuem para implodir barreiras estéticas. E não são apenas barreiras entre gêneros musicais, mas entre o regional e o cosmopolita, o nacional e o internacional, o público e o privado. Mas na mistura musical que contribui para a superação de limitações formais, existe não apenas o velho grilo do comercio(que padroniza, produz músicas em série e estabelece uma relação alienada entre músicos e público) mas um empobrecimento da relação da população com a música: nunca existiram tantos fones de ouvido, com tantos sons paralelos; ou seja, a diversidade musical se resume ao gosto pessoal, a um dado individualista.
Num amplo e fragmentado cenário musical, as implicações politicas da música, concebida enquanto forma de participação/intervenção na realidade social, assumem formas mais complexas, mas não deixam de existir. É impressionante como as matrizes do punk e da cultura hip hop ainda alimentam, em alguns casos, jovens politicamente inconformados: as estéticas que estas matrizes revelam não apenas não desapareceram mas se fazem presentes como elementos que definem uma atitude rebelde, de hostilidade à cultura dominante. Estas não são as únicas matrizes que se desdobram nas práticas musicais do mundo contemporâneo. Mas se fossemos refletir sobre o que ainda amarra politicamente o canto que protesta, então o dado da estridência musical ainda se confirma.
Apesar das deformações comerciais, o barulho, a agressividade ainda são qualidades das formas musicais que exprimem a revolta contra o status quo. Não que isto seja um pressuposto necessário: um samba suave, uma discreta seresta ou a simplicidade da folk song, podem abarcar uma violência poética claramente revolucionária. Aliás, o barulho, a estridência musical vem sendo cada vez mais banalizado: num planeta digitalizado e feito de incontáveis ruídos, nem sempre a música mais barulhenta é a mais politicamente eficaz. De qualquer modo, as discussões sobre as relações entre música e política não podem deixar de ser parte do cotidiano da militância de esquerda. Estridente ou suave, o fato é que a música popular é um componente cultural/político vital.
O fato é que os novos processos tecnológicos de produção, execução, gravação e circulação de música, contribuem para implodir barreiras estéticas. E não são apenas barreiras entre gêneros musicais, mas entre o regional e o cosmopolita, o nacional e o internacional, o público e o privado. Mas na mistura musical que contribui para a superação de limitações formais, existe não apenas o velho grilo do comercio(que padroniza, produz músicas em série e estabelece uma relação alienada entre músicos e público) mas um empobrecimento da relação da população com a música: nunca existiram tantos fones de ouvido, com tantos sons paralelos; ou seja, a diversidade musical se resume ao gosto pessoal, a um dado individualista.
Num amplo e fragmentado cenário musical, as implicações politicas da música, concebida enquanto forma de participação/intervenção na realidade social, assumem formas mais complexas, mas não deixam de existir. É impressionante como as matrizes do punk e da cultura hip hop ainda alimentam, em alguns casos, jovens politicamente inconformados: as estéticas que estas matrizes revelam não apenas não desapareceram mas se fazem presentes como elementos que definem uma atitude rebelde, de hostilidade à cultura dominante. Estas não são as únicas matrizes que se desdobram nas práticas musicais do mundo contemporâneo. Mas se fossemos refletir sobre o que ainda amarra politicamente o canto que protesta, então o dado da estridência musical ainda se confirma.
Apesar das deformações comerciais, o barulho, a agressividade ainda são qualidades das formas musicais que exprimem a revolta contra o status quo. Não que isto seja um pressuposto necessário: um samba suave, uma discreta seresta ou a simplicidade da folk song, podem abarcar uma violência poética claramente revolucionária. Aliás, o barulho, a estridência musical vem sendo cada vez mais banalizado: num planeta digitalizado e feito de incontáveis ruídos, nem sempre a música mais barulhenta é a mais politicamente eficaz. De qualquer modo, as discussões sobre as relações entre música e política não podem deixar de ser parte do cotidiano da militância de esquerda. Estridente ou suave, o fato é que a música popular é um componente cultural/político vital.
Assinar:
Postagens (Atom)