domingo, 26 de junho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 24

Cinema revolucionário é coisa de meia dúzia de espectadores iniciados no marxismo, ou é algo destinado ao proletariado? Esta antiga pergunta se fez presente ontem durante a penúltima edição do ciclo de filmes GLAUBER+GODARD, no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas. A exibição do filme Vento do Leste(1970), de Jean Luc Godard, suscitou uma importante discussão sobre o significado(sobretudo hoje) do cinema político. O fato dos movimentos sociais da atualidade expressarem suas inquietações políticas inclusive no plano audiovisual(dado este abordado na edição 20 e que consideramos vital para se pensar o futuro do cinema militante), coloca novamente em questão a maneira como podemos definir o cinema revolucionário. No bojo dos debates estéticos da década de 60, Glauber Rocha e Jean Luc Godard radicalizavam no início dos anos 70 seus projetos cinematográficos, concebidos enquanto intervenções sobre a realidade política. Entretanto, tudo indica que o cineasta brasileiro e o cineastas francês divergiam sobre a maneira como a linguagem cinematográfica se faz nos países capitalistas pobres.
 Apesar do Vento do Leste ser ainda um filme pouco discutido/conhecido, ele é constantemente lembrado pela participação de Glauber: uma cena traz o brasileiro numa encruzilhada cantando o refrão da canção Divino Maravilhoso, de Caetano Veloso(canção esta que foi magnificamente interpretada por Gal Costa). Uma moça pergunta a Glauber qual seria o caminho do cinema político. A definição do cinema político ganharia contornos polêmicos:  Glauber mostra que existe um caminho específico para o cinema do terceiro mundo. Que caminho seria este? Curiosamente o projeto cinematográfico de Glauber possui uma perspectiva política que diverge do " maoismo iconoclasta " de Godard. O francês teria dito a Glauber que os cineastas brasileiros deveriam destruir o cinema. Ainda segundo Godard, os brasileiros estariam num momento ideal para realizar um cinema revolucionário, mas ao invés disso faziam um " cinema revisionista ", dando importância ao drama e ao espetáculo.
 Em resposta, Glauber Rocha teria dito que a destruição do cinema poderia ser feita na França ou na Itália, mas não no Brasil. Glauber concebe o sentido histórico do cinema brasileiro no rumo da construção e não da destruição. Preocupado com a linguagem, a estética e a técnica, Glauber acreditava que, naquele momento, o cinema brasileiro só poderia participar do processo de libertação nacional, levando em conta o público popular e não apenas uma pequena parcela de militantes. Ainda que houvesse sintonia estética e política entre ambos os cineastas, Glauber apresenta um ponto de vista que vai muito além do sectarismo maoista de Godard: mergulhado nos chavões políticos reducionistas da Revolução Cultural Chinesa, Godard militava no interessantíssimo grupo Dziga Vertov, realizando filmes em que " destruir a cultura burguesa ", implicava também em destruir  as bases da linguagem do cinema convencional, daquilo que era chamado de " cinema revisionista ". Sendo o filme Vento do Leste, expressão desta fase da cinematografia de Godard, os cineastas militantes de hoje acabam por questionar: a quem destina-se, qual seria o alcance e como definir o cinema revolucionário?
 Feitas reservas quanto às generalizações de Godard, que importa o discurso marxista simplificado/deformado de Mao Tsé Tung para o interior do cinema político europeu, é preciso considerar as contribuições estéticas deste cinema: a tentativa, ainda que precipitada mas não menos criativa, de aplicar os conceitos do materialismo dialético na linguagem cinematográfica, potencializando formas de raciocínio visual, desconstruindo a gramática da linguagem burguesa e realizando assim um ensaio cinematográfico de caráter marxista. Este é um cinema importante: ele se comunica com militantes que apresentam previamente formação política e estética(o que permite inclusive que tais militantes possam divergir da maneira como Godard relaciona a arte com o marxismo). Entretanto, este não é o único caminho do cinema revolucionário: naquela encruzilhada em que Glauber Rocha estava, podemos concluir que um cinema revolucionário, portanto identificado com o marxismo, possui caminhos a serem trilhados. O desafio de se comunicar com o público popular sem cair em paternalismo, sem recorrer às grotescas fórmulas do realismo socialista, talvez seja o maior de todos os desafios.  

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