Durante o século passado, o processo de modernização pariu sons estridentes. Num mundo cada vez mais chacoalhado por greves operárias, guerras imperialistas, revolta juvenil, lutas das minorias, mercantilização da vida e uma série de transformações tecnológicas, qual seria a roupagem da música popular? Jogando esta melódica peteca para os dias atuais, ficou difícil neste início do século XXI pensar os caminhos da canção no Brasil e no mundo.
O fato é que os novos processos tecnológicos de produção, execução, gravação e circulação de música, contribuem para implodir barreiras estéticas. E não são apenas barreiras entre gêneros musicais, mas entre o regional e o cosmopolita, o nacional e o internacional, o público e o privado. Mas na mistura musical que contribui para a superação de limitações formais, existe não apenas o velho grilo do comercio(que padroniza, produz músicas em série e estabelece uma relação alienada entre músicos e público) mas um empobrecimento da relação da população com a música: nunca existiram tantos fones de ouvido, com tantos sons paralelos; ou seja, a diversidade musical se resume ao gosto pessoal, a um dado individualista.
Num amplo e fragmentado cenário musical, as implicações politicas da música, concebida enquanto forma de participação/intervenção na realidade social, assumem formas mais complexas, mas não deixam de existir. É impressionante como as matrizes do punk e da cultura hip hop ainda alimentam, em alguns casos, jovens politicamente inconformados: as estéticas que estas matrizes revelam não apenas não desapareceram mas se fazem presentes como elementos que definem uma atitude rebelde, de hostilidade à cultura dominante. Estas não são as únicas matrizes que se desdobram nas práticas musicais do mundo contemporâneo. Mas se fossemos refletir sobre o que ainda amarra politicamente o canto que protesta, então o dado da estridência musical ainda se confirma.
Apesar das deformações comerciais, o barulho, a agressividade ainda são qualidades das formas musicais que exprimem a revolta contra o status quo. Não que isto seja um pressuposto necessário: um samba suave, uma discreta seresta ou a simplicidade da folk song, podem abarcar uma violência poética claramente revolucionária. Aliás, o barulho, a estridência musical vem sendo cada vez mais banalizado: num planeta digitalizado e feito de incontáveis ruídos, nem sempre a música mais barulhenta é a mais politicamente eficaz. De qualquer modo, as discussões sobre as relações entre música e política não podem deixar de ser parte do cotidiano da militância de esquerda. Estridente ou suave, o fato é que a música popular é um componente cultural/político vital.
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