domingo, 26 de março de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 58

Apresentamos O Avesso do Cartão Postal, de Geraldo Vermelhão.

" E um sujo raio de sol tocou com patas grudentas o centro da cidade. De qual cidade? Na verdade pode ser a minha, a sua ou a cidade grande de qualquer outro brasileiro. Algum leitor poderia contestar esta afirmação, visto que cada cidade possui sua história, suas peculiaridades econômicas e culturais. Devo discordar parcialmente: apesar destas condições históricas serem de grande importância, a verdade é que a iluminação precária do sol que não toma banho, coloca todas as cidades brasileiras da atualidade sob uma mesma imagem miserável. Permitam agora detalhar esta questão.
 Uma blusa de moletom, verde claro e com estampas vermelhas gastas, aparece abandonada no meio de uma grande avenida. Dá pra sentir o tremor do dono desta peça de roupa abandonada: viciado e de olhos que circulam como moscas, um mendigo consegue deixar seu sofrimento físico, seu suor esfumaçado, na blusa abandonada. Na praça ao lado, crianças famintas saltam loucamente num chafariz sem água. Poucos metros dali, é a última catarrada de um senhor aposentado, que sentado no banco danificado, tenta inutilmente se lembrar quantas horas dos seus 50 anos de trabalho foram roubadas pelos serviços prestados na fábrica, no supermercado, na feira, na construção civil e em tantos outros lugares.
 Do alto, o centro da cidade assemelha-se a uma paisagem de guerra. Os edifícios gastos, as ruas e os peitos dos transeuntes esburacados. Pombas que voam em torno da Igreja são lentamente devoradas por piolhos, enquanto ex-garrafas de refrigerante contendo cachaça, são passadas ritualisticamente de mão em mão. Um sem teto alucinado improvisa um discurso embriagado. Em cada esquina promoções e o medo do inferno. Em volta do centro da cidade, bairros de classe média com todas as promessas do status e do sucesso individual. Nos bairros populares, as mesmas promessas contrastam com a realidade concreta. Um desempregado não é mais dono dos seus passos: são as contas do mês que empurram seus pés para frente, em direção a nenhum lugar.
 Isso é tudo? Não cabe mais nada no retrato? Claro, existem feudos eletrônicos, aonde a burguesia constrói sua própria galáxia cultural, distante da blusa mal cheirosa de um mendigo ".


                                                                              Geraldo Vermelhão  

domingo, 19 de março de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 57

Quando nos referimos à teoria estética realizada dentro do pensamento marxista, é comum que algumas pessoas estejam presas à caricaturas. É como se o campo de atuação do marxismo na esfera da arte e da literatura, contemplasse somente as imagens de trabalhadores em greve, lutando contra burgueses que babam dinheiro. Sem dúvida que a luta de classes é o cerne da reflexão marxista, inclusive no âmbito da estética. Entretanto, o marxismo dá conta de uma análise crítica de uma série de situações da cultura contemporânea.
  A esfera estética contemplada pelo marxismo, é capaz de avaliar inúmeros fenômenos que ocultam os mecanismos de alienação e controle político. Se as obras de arte que tematizam os conflitos entre capital e trabalho recebem destaque, isto deve-se evidentemente a uma necessidade militante: o projeto estético de qualquer artista ou teórico marxista, objetiva interferir na consciência da classe trabalhadora; logo a arte possui um necessário papel político que deve permitir o reconhecimento da miséria gerada pelo capitalismo.
 Ao mesmo tempo, o marxismo também se interessa por uma série de outras questões estéticas que nem sempre colocam em relevo as lutas entre burguesia e trabalhadores: o sentido da criação artística no capitalismo, as relações entre arte e trabalho, as formas de revolta cultural expressas na linguagem artística, a manipulação de massa através de recursos estéticos, estão entre alguns dos temas recorrentes nos estudos dos marxistas interessados em problemas artísticos. Fundamental é compreender que para o materialismo histórico dialético, a arte não é um fenômeno isolado das esferas econômica e política. Sendo assim, o papel militante do marxismo na esfera do estético possui uma infinidade de objetos. A realização humana, a afirmação do homem por meio da arte, são questões negadas pelo capitalismo; logo esta situação histórica deve colocar o artista como adversário da sociedade de classes. Portanto, a reflexão artística que o marxismo apresenta não é caricatura: as lutas sociais não são desculpas temáticas mas assuntos necessários para realizarmos a arte do nosso tempo.

domingo, 12 de março de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 56

Segue abaixo o texto Caminhando na roça asfaltada, de José Ferroso. 

" Bento vinha caminhando preguiçosamente pela estrada. Era madrugada de sábado, dia de cachaça e arrasta pé. A lua redonda feito barriga de criança que come terra, quicava por cima do canavial. Bento tinha mãos que não sentiam mais dor: eram os espinhos que fugiam delas. Empregado de uma fazenda, ele era um sujeito até então de pouca fala. Mas agora ele queria falar.  Talvez fosse a lua, talvez fosse a cachaça, talvez fosse o perfume de sua noiva Maria,  mas não era nada disso: Bento precisava falar sobre seus caminhos, sobre os caminhos dos seus parentes, dos seus vizinhos, do povo da redondeza. 
  Bento coçava a barba por fazer e tentava entender: - Tem máquina na roça, tem gente com celular na roça e na cidade. É tanta novidade no meio da fome, no meio de gente que assiste televisão e quase num tem dente na boca. 
 Quando aproximava-se de uma porteira, Bento viu um farol de moto na sua direção. Era seu compadre Sebastião:
- Eita, que Bento tá voltando da farra! Cabra safado...
- É... Tô aqui com os meu pensamento... Rapaz, e essa moto? Cadê o jegue? 
- Juntamo uns caraminguá lá em casa, vendemo o jegue e decidimo comprá essa moto usada. Faz mais baruio e vai mais rápido que o bichinho.
- E não saiu caro?
- Mas vida de homi trabaiadô é anssim : guarda o feijão do roçado, fica uns dois meis sem cumê galinha, colhe uma mandioca e vamô tocando...
- Tá certo mano véio. Inté mais vê !
Bento seguiu sua caminhada solitária, pensando nas máquinas que chegam no sertão sem que a vida do povo mude. Ele sentia que precisava acontecer algo novo, um outro tipo de novidade. Muito mais que moto e celular. "

                                                                              José Ferroso

domingo, 5 de março de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 55

Nos 100 anos da Revolução russa, não faltam intelectuais que procuram manchar com tintas reacionárias o significado histórico deste evento. Perante a necessidade de preservarmos as imagens revolucionárias e divulgarmos as experiências artísticas soviéticas, acreditamos que os militantes da cultura devem:

1- Expor a Revolução de 1917 enquanto dilúvio político e cultural que emancipou o proletariado russo

2- Rebater críticos reacionários que tentam colocar no mesmo saco cultural a arte revolucionária e o Realismo Socialista

3- Mostrar para as novas gerações as experiências estéticas de ruptura, presentes em movimentos como o Construtivismo russo

4-  Defender e divulgar o ponto de vista de escritores, artistas e teóricos soviéticos que foram vítimas do stalinismo

5- Estudar o cinema soviético dos anos 20 e compreender porque ele é o oposto do cinema hollywoodiano

6- Estudar os cartazes soviéticos de vanguarda para redefinir o sentido da arte de agitação e propaganda

7- Buscar na poesia de Maiakóvski a coerência entre forma revolucionária e conteúdo revolucionário

8- Buscar no teatro de Meyerhold a fusão entre vanguarda e arte popular

9-  Colocar em debate o conceito de arte proletária

10- Refletir sobre a utilização da geometria e da fotomontagem na elaboração das formas de arte revolucionária