domingo, 12 de março de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 56

Segue abaixo o texto Caminhando na roça asfaltada, de José Ferroso. 

" Bento vinha caminhando preguiçosamente pela estrada. Era madrugada de sábado, dia de cachaça e arrasta pé. A lua redonda feito barriga de criança que come terra, quicava por cima do canavial. Bento tinha mãos que não sentiam mais dor: eram os espinhos que fugiam delas. Empregado de uma fazenda, ele era um sujeito até então de pouca fala. Mas agora ele queria falar.  Talvez fosse a lua, talvez fosse a cachaça, talvez fosse o perfume de sua noiva Maria,  mas não era nada disso: Bento precisava falar sobre seus caminhos, sobre os caminhos dos seus parentes, dos seus vizinhos, do povo da redondeza. 
  Bento coçava a barba por fazer e tentava entender: - Tem máquina na roça, tem gente com celular na roça e na cidade. É tanta novidade no meio da fome, no meio de gente que assiste televisão e quase num tem dente na boca. 
 Quando aproximava-se de uma porteira, Bento viu um farol de moto na sua direção. Era seu compadre Sebastião:
- Eita, que Bento tá voltando da farra! Cabra safado...
- É... Tô aqui com os meu pensamento... Rapaz, e essa moto? Cadê o jegue? 
- Juntamo uns caraminguá lá em casa, vendemo o jegue e decidimo comprá essa moto usada. Faz mais baruio e vai mais rápido que o bichinho.
- E não saiu caro?
- Mas vida de homi trabaiadô é anssim : guarda o feijão do roçado, fica uns dois meis sem cumê galinha, colhe uma mandioca e vamô tocando...
- Tá certo mano véio. Inté mais vê !
Bento seguiu sua caminhada solitária, pensando nas máquinas que chegam no sertão sem que a vida do povo mude. Ele sentia que precisava acontecer algo novo, um outro tipo de novidade. Muito mais que moto e celular. "

                                                                              José Ferroso

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