sábado, 20 de julho de 2013

Trecho do texto " ARTE REVOLUCIONÁRIA E ARTE SOCIALISTA " , de Trotski

Quando se fala de arte revolucionária, pensa-se em dois tipos de fenômenos artísticos: as obras cujos temas refletem a Revolução e as que, não se ligando á Revolução pelo tema, estão profundamente tomadas e coloridas pela nova consciência que dela surgiu. Estes são fenômenos, é claro, que pertencem ou poderiam pertencer a planos inteiramente distintos. Aleksis Tolstói, no seu romance O CAMINHO DOS TORMENTOS, descreveu o período da guerra e da Revolução. Ele integra a velha escola de Iasnaia-Poliana, com menor envergadura, um ponto de vista mais estreito. Quando se refere aos grandes acontecimentos, isso serve apenas para lembrar com crueldade o que Iasnaia-Poliana foi e não é mais.
Mas, quando o jovem poeta Tikhonov descreve um armazém(parece que ele tem medo de falar de Revolução) percebe e reproduz a inércia e a imobilidade, com tal leveza e apaixonada veemência que só um poeta da nova época pode fazer.
 A arte revolucionária e as obras sobre a Revolução não constituem, assim , uma única e mesma coisa. Tem pontos de contato. Os artistas criados pela Revolução, não podem senão escrever sobre a Revolução. A arte, que terá, realmente, alguma coisa a dizer sobre a Revolução, deverá, por outro lado, rejeitar, sem piedade, o ponto de vista do velho Tolstói, o seu espírito de grande senhor e a sua amizade pelo Mujique.
 Não existe ainda arte revolucionária. Existem elementos dessa arte, sinais, tentativas de realizá-la e , antes de tudo, o homem revolucionário, que forma a nova geração á sua imagem e que necessita cada vez mais dessa arte. Quanto tempo transcorrerá para que essa arte, claramente, se manifeste? É difícil adivinhá-lo. Trata-se de um processo imponderável que não se pode calcular. Mesmo quando pretendemos determinar a duração dos processos sociais, limitamo-nos a meras suposições. Por que essa arte, ao menos a sua primeira grande onda, não viria logo, como a arte da geração que nasceu da Revolução e que é conduzida por ela?
 A arte da Revolução que reflete abertamente todas as contradições do período de transição, não deve confundir-se com a arte socialista, para a qual as bases ainda não existem. Não se deve esquecer, entretanto, que a arte socialista surgirá do que se fizer nesse período.
 Não é por amor aos esquemas pedantes que insistimos nessa distinção. Engels não caracterizou, gratuitamente, a Revolução socialista como o salto do reino da necessidade para o reino da liberdade. Ela, ao contrário, desenvolve ao mais alto grau os traços da necessidade. O socialismo abolirá os antagonismos de classe ao mesmo tempo que as classes, mas a Revolução leva ao seu auge aqueles antagonismos. A literatura que fortalece os operários na sua luta contra os exploradores, durante a Revolução, é necessária e progressiva. A literatura revolucionária deve estar impregnada de ódio social, que, na ditadura do proletariado, constitui um fator criador nas mãos da História. A solidariedade constituirá a base da sociedade. Toda a literatura e toda a arte precisam afinar-se a outro ritmo. Todas as emoções, que nós revolucionários de hoje, hesitamos em chamar pelos seus nomes, tanto os hipócritas e vulgares os aviltaram, a exemplo da amizade desinteressada, o amor ao próximo e a simpatia, ressoarão como poderosos acordes da poesia socialista.
 Um excesso de solidariedade não ameaçaria degenerar o homem num animal sentimental, passivo, como os nietzschianos temem? De nenhum modo. A poderosa força da emulação, que, na sociedade burguesa, se reveste das características da concorrência de mercado, não desaparecerá na sociedade socialista. Para usar a linguagem da psicanálise, ela se sublimará, isto é, assumirá forma mais elevada e mais fecunda, convertendo-se em luta pela própria opinião, pelo próprio projeto e pelo próprio gosto. Na medida em que cessem as lutas políticas (numa sociedade aonde não haja classes, não haverá tais lutas) as paixões liberadas voltar-se-ão para a técnica, para a construção, inclusive a arte, que naturalmente, se tornará mais geral, madura, forte, forma ideal de edificação da vida em todos os terrenos. A arte não será, simplesmente, aquele belo acessório sem relação com qualquer coisa.
 Todas as esferas da vida, como a cultura do solo, plano de habitações, a construção de teatros, os métodos de educação, a solução dos problemas científicos, a criação de novos estilos, tudo isso interessará a cada um e a todos. Os homens dividir-se-ão em partidos diante de um novo canal gigante ou da distribuição de oásis no Saara(esta questão também existirá), da regularização do clima, do novo teatro, de hipóteses químicas, das tendências da música, do melhor sistema de esportes. Semelhantes agrupamentos não serão envenenados com nenhum egoísmo de classe ou de casta. Todos se interessarão , igualmente, pelas realizações da coletividade. A luta assumirá um caráter puramente intelectual. Nada terá com a corrida aos lucros, a vulgaridade, a traição e a corrupção, tudo o que constitui a essência da competição na sociedade dividida em classes. A luta não será menos excitante, menos dramática e menos apaixonada por isso. E como os problemas da vida(que outrora se resolviam espontânea e automaticamente, tanto quanto os da arte, submetidos á tutela das classes sacerdotais) tornar-se-ão o patrimônio de todo o povo na sociedade socialista, pode-se dizer, com certeza, que os interesses coletivos, as paixões e a concorrência individual encontrarão campo mais vasto e oportunidades ilimitadas para se exercitarem. A arte não sentirá falta dessas descargas de energia nervosa e desses impulsos psíquicos da coletividade, que geram novas tendências artísticas e mutações de estilo. As escolas estéticas agrupar-se-ão em torno de seus partidos, isto é, associações formadas pelos temperamentos, preferências e tendências intelectuais. Numa luta tão desinteressada e tão intensa, sobre bases culturais, o que constantemente aumentarão, a personalidade humana, com suas inestimáveis qualidades de não contentar-se com o que até agora conseguiu, aperfeiçoar-se-á em todos os sentidos. Não temos, na verdade, nenhuma razão para temer que, na sociedade socialista, a personalidade se entorpeça ou conheça a prostração.
 (...) Apresenta-se, em seguida, a questão da forma, que, dentro de certos limites, se desenvolve de acordo com as suas próprias leis, como qualquer outra técnica. Cada nova escola literária(quando se trata realmente de uma escola e não de um enxerto arbitrário)  resulta de todo o desenvolvimento anterior, da técnica das palavras e das cores já existentes, e se afasta das praias para novas viagens e novas conquistas.
 Nesse caso, igualmente, a evolução é dialética: a nova tendência artística nega a anterior. Por que? Certos sentimentos e certos pensamentos, evidentemente, se sentem apertados dentro dos limites dos velhos métodos. Mas, ao mesmo tempo, encontram na antiga arte fossilizada, alguns elementos que, pelo desenvolvimento ulterior, podem propiciar-lhes a expressão necessária. A bandeira da revolta levanta-se contra o velho , no seu conjunto, em nome de elementos que podem desenvolver-se. Cada escola literária está, potencialmente, contida no passado e, através de uma ruptura hostil com ele, se desenvolve. Determina-se a relação reciproca entre a forma e o conteúdo(entendendo-se por conteúdo não só o tema, mas o complexo vivo de sentimentos e ideias que reclamam uma expressão artística) pela nova forma, descoberta, proclamada e desenvolvida sob a pressão de uma necessidade interior, de uma exigência psicológica coletiva que, como toda psicologia humana, tem raízes na sociedade(...)


                                         Leon Trotski, 1923.     

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