As revoltas de 2013, impulsionam a tomada de consciência sobre uma série de problemas políticos e culturais. A grande rebelião da juventude revolucionária em marcha, requer o debate permanente sobre inúmeras questões. Acreditamos que o debate estético é uma necessidade para todos aqueles que ambicionam a transformação social: modificar a percepção e as experiências cotidianas envolvem o dever de todo e qualquer militante.
Perante a necessidade do estudo dos problemas artísticos do nosso tempo, publicamos aqui o clássico debate sobre o movimento tropicalista, realizado na FAU(Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), em 1968. O debate contou com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Augusto de Campos, Décio Pignatari e Chico de Assis. Embora exista uma grande distância em relação ao contexto histórico da década de sessenta, este debate levanta questões até hoje muito pertinentes sobre as relações entre música, comércio e contestação social. A seguir, transcrevemos o debate publicado originalmente no jornal Folha da Tarde, em 7 de junho de 1968.
CONSELHO EDITORIAL LANTERNA
O DEBATE TROPICALISTA PROMOVIDO ONTEM NA FAU, COM A PRESENÇA DE CAETANO VELOSO, GILBERTO GIL, DÉCIO PIGNATARI, AUGUSTO DE CAMPOS, CHICO DE ASSIS E VÁRIOS JORNALISTAS, QUASE TERMINOU EMBANANADO. A CONFUSÃO, PORÉM, FICOU SÓ NAS OPINIÕES SOBRE O MOVIMENTO TROPICALISTA, QUE FORAM OUVIDAS POR UM GRANDE NÚMERO DE ESTUDANTES DAQUELA FACULDADE. FOI ASSIM O DEBATE SOBRE O MOVIMENTO QUE TEM COMO INSPIRAÇÃO E SÍMBOLO A BANANA:
AUGUSTO:- Após a bossa nova a música popular brasileira passou por uma evolução diversificada.
A " revolução " de 64 provocou uma reformulação em parte semântica - surgiram as músicas de protesto , e o caminho de inovação aberto pela bossa nova foi parcialmente abandonado. Em seguida, os Beatles, influindo na Jovem Guarda, romperam os limites tradicionais da música popular. Utilizaram a música erudita, o folclore e outros elementos que vieram enriquecer as composições. A música popular brasileira foi ficando aprisionada, havendo grande receio da influência estrangeira que repercutiu sobretudo no Iê Iê Iê. Surgiram, porém, as primeiras incursões de Caetano e Gil - o tropicalismo, uma verdadeira " revolução contra o medo". As novas composições como ALEGRIA , ALEGRIA e DOMINGO NO PARQUE incorporavam ao nosso patrimônio aquilo que se passava em outros países, e as ricas contribuições de nosso passado.
GIL:- Em geral o público acha que eu e veloso de repente mudados o estilo apenas por " loucura ", para sermos originais. É a imagem mais comum em relação ao nosso trabalho. Entretanto, estamos realizando um sério trabalho de pesquisa como demonstrei em PROCISSÃO, uma música sem medo, que radicaliza.
CAETANO:- Nosso impulso nasceu da percepção da realidade musical brasileira. Antes de ALEGRIA , ALEGRIA, já com uma visão modificada. Fomos levados a remexer a cultura vigente consumida pelo povo brasileiro. Queremos atingir a vivência real do brasileiro através da música.
DÉCIO:- Nossa única forma é a criação. Precisa-se de uma nova tecnologia ideológica á base de golpes de audácia em matéria de criação. Daí a importância de Caetano e Gil, capazes de fazerem uma composição falada, de acordo com os meios atuais de comunicação(tv) enquanto Chico Buarque faz composição descritiva. O nosso Tropicalismo é recuperar forças. O de Gilberto Freire é o trópico visto da Casa Grande Nós olhamos da senzala. Pois, como dizia Oswald de Andrade, não estamos na idade da pedra, estamos na era da pedrada. Interessa é saber comer e deglutir - que são atos críticos como fazem Veloso e Gil.
CHICO DE ASSIS:- A única solução no momento é o Tropicalismo?
DÉCIO:- Não é a única, mas tem que haver uma posição radical como faixa de referência.
GIL:- O rótulo Tropicalismo não nos interessa, como não interessou a João Gilberto a denominação de bossa nova. A palavra Tropicalismo é boa e não nos ofende. Mas ninguém pelo rótulo sente o gosto de cachaça.
CHICO DE ASSIS:- Mas a compra da cachaça.
GIL:- E nós estamos aqui para vender. Não fomos nós que fizemos de nossa música mercadoria. Mas ela só penetra quando é vendida. Quem apronta essa onda toda em torno do nome Tropicalismo é a imprensa.
CHICO DE ASSIS:- Vocês querem falar dos meios sem discutir a posse desses meios. Acham que a Revolução Cultural se fará á revelia dos donos dos meios de comunicação. O BANDIDO DA LUZ VERMELHA também deve ser Tropicalista. Se vocês são pagos por essa estrutura, por que falam contra ela?
GIL:- Falamos enquanto compositores e artistas. Dentro dos limites de nosso trabalho.
CHICO DE ASSIS:- Vocês querem decorar as paredes para terem a impressão de que vivem em outro lugar. Interessa é derrubar as paredes. Não adianta trocar a redundância brasileira por redundância importada.
DÉCIO:- A guerrilha foi criada com audácia. A música também se cria com audácia.
AUGUSTO:- Em tese seria possível incluir na música popular um fermento ligado á visão política. Porém, a experiência mostrou que quando isso aconteceu a nossa música caiu. O canto de protesto do grupo Opinião , do Rio, levou a nossa música a um retrocesso.O "que tudo mais vá para o inferno ", tinha muito mais eficácia.
CAETANO:- Não nos sentimos isentos do processo. E nossa música nasce dessa tensão em que vivemos.
TROPICÁLIA É UMA PIADA, DIZ GIL
" Essa gente aparece aqui na faculdade de arquitetura para dizer bobagem usando Oswald de Andrade como escudo. Isso é um bom motivo para não deixar ninguém mais falar. É preciso que se exija respeito ". O respeito foi realmente exigido - inicialmente pelo estudante que quis desagravar Oswald - e, entre vaias e espocar de bombinhas, o debate que Gilberto Gil e Caetano Veloso tentaram fazer ontem na FAU acabou melancolicamente: os dois artistas não conseguiram convencer ninguém, a certo ponto passaram a cair em contradições e acabaram renegando o nome " tropicalista " que, segundo eles, foi impingindo pela imprensa a " um movimento indefinível que não tem nome ".
O COMÉRCIO:
" Nossa relação com a arte é comercial ". Quando Gilberto Gil disse isso ontem na FAU- respondendo a uma pergunta sobre o objetivo do movimento - as vaias se tornaram mais fortes e , a partir daí, não houve meio de se retomar o debate sobre o " Tropicalismo " em termos de diálogo. Os participantes do debate - adeptos do que " a imprensa chama de Tropicalismo " evitaram por todos os meios usar o termo Tropicalismo. Um dos universitários disse que essa preocupação tinha por objetivo dar uma nova coloração ao movimento que já se apresentava com fortes tons comerciais e ameaçava levar por água abaixo os planos de " renovação musical " propostos pela dupla Caetano e Gil.
Na reunião de ontem, os dois artistas foram assessorados por Augusto de Campos, que fez um retrospecto da evolução da música popular mostrando que, atualmente, o que se procura, quando se fala em inovar, é uma violação do código preestabelecido para a música brasileira. O primeiro salto para a frente - que representou a violação inicial do " código "- foi a bossa nova, que marcou o momento em que foram incorporados novos processos á música popular brasileira. Mas a bossa nova- segundo Augusto de Campos- inovou apenas nos primeiros momentos, porque caiu na redundância novamente, após ter sido " institucionalizada ". Mais tarde foi a vez dos Beatles: romperam os limites que se supunha existir para a música popular e incorporarem elementos do folclore britânico, da música de vanguarda e da erudita para lançarem uma nova forma de composição.
O IMPULSO
Aí chegaram Gil e Veloso. Veloso conta como querem inovar: " o sentido do nosso movimento é o da percepção da realidade musical brasileira. Remexendo-se a cultura real do Brasil e que é consumida pelo novo brasileiro achamos novas formas. Cada faixa do meu LP é uma tentativa de gritar um " alerta " em diversos pontos ". " O Tropicalismo -a palavra ainda está com Veloso- é uma tentativa de retomada da cultura brasileira. Não posso definir " Tropicalismo ". Mas o problema não é de definições. Eu tenho coisas para contar e não colocações para definir ".
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