domingo, 9 de abril de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 60

Apresentamos Prato Vazio , de Marta Dinamite.

" A louça gemia, em grunhidos delicados, antes de se arrebentar toda no chão. Por entre cacos, dedos cortados e o olhar emputecido da patroa, a Garçonete 1 e a Garçonete 3 preparavam a pá, a vassoura e o saco de lixo. O leitor deve estar se perguntando sobre a Garçonete 2, quando será que ela vai pintar no texto. Infelizmente isto não será possível: ela foi demitida na semana passada. Bem na frente da cozinha, está o balcão do boteco. Um velho com bigodes amarelados, termina seu café com leite. Foi tudo o que ele consumiu: estava sem trocado para o ovo cozido de cor azul ou para uma fatia do bonito bolo de laranja. Na saída, O Velho dá uma piscadela para a triste prostitua que, sentada na primeira mesa,  olha de modo despedaçado para o copo de conhaque. 
" Mas, que coisa ! " Algum leitor irritado deve estar se perguntando: " Será que a autora não vai dar nome aos seus personagens ?". Em minha defesa como autora de literatura de esquerda, afirmo que isto não tem a menor diferença: a patroa poderia se chamar Susana, a  Garçonete 1 poderia se chamar Maria, a Garçonete 2 poderia ser Josefina, o velho poderia se chamar José e a prostituta poderia ser Ana ou Amélia. E daí? Nomes dizem muito pouco na literatura e na vida quando o assunto é a desolação na sociedade capitalista: mesmo a louça quebrada, um copo, uma xícara e um prato, são objetos que só existem para quem possui dinheiro para pagar o que vem dentro deles(guaraná, café , feijão ou bife). A questão é que num enredo que toma a realidade como tema, existe sempre um vazio no estômago e na cabeça.
 Naquela mesma tarde de louças quebradas, piscadela, sangue no dedo e olhar alcoilizado, nota-se um quadro absurdo feito de gente sofrida. Situações paradoxais: nuvens carregadas e corações secos, supermercados cheios de comida e mendigos raquíticos em volta, livros perdidos e analfabetos que mal conseguem ler o nome do seu bairro escrito no ônibus que aguardam. Tudo corriqueiro, vazio e sem sentido num país em que a escrita é usada para contabilizar e controlar. Aí, se descobrissem que as palavras podem ter cheiro de protesto e sonho... "

                                                                             Marta Dinamite  

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