domingo, 25 de setembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 37

Será que a esquerda não sabe lidar com artistas ou são os artistas que não se adaptam a um modelo de militância política ? Este tipo de pergunta não ajuda: não é com generalizações que conseguiremos pensar a contribuição que os artistas podem dar para a luta socialista. Em primeiro lugar, seria importante destacar que organizações políticas de esquerda não podem apadrinhar e apropriar-se do trabalho de nenhum artista ou escritor. Apoiar e garantir espaço para o debate cultural não implica em monopolizar iniciativas artísticas.
 Em segundo lugar, precisamos deixar claro que o marxismo não pode ser guardião de nenhum movimento ou projeto estético em particular. O papel do marxismo está em apresentar teorias estéticas que respondam ao movimento histórico da arte e da literatura. Diferentemente daquilo que se fez no século passado, a esquerda dos nossos dias precisa fazer do debate cultural um contexto em que as ideias artísticas e as reflexões estéticas sejam estimuladas e não dirigidas.
  Seria leviano afirmar que militantes de esquerda no Brasil de hoje não se preocupam com questões culturais. Existem vários militantes atuantes na esfera da cultura, que escrevem e debatem o valor político revolucionário da arte e da literatura. Mas além de serem poucos, estes militantes precisam responder a uma série de obstáculos históricos. É claro que as forças políticas e culturais da direita são declarados obstáculos(não poderia ser diferente). O conservadorismo que toma conta da sociedade brasileira, atinge a Educação e as produções culturais: num primeiro olhar, não haveria nenhum aspecto progressista no ar. A febre direitista não apenas hostiliza como criminaliza a crítica marxista. Nenhum espanto: sabemos que é papel da direita formar intelectuais prontos para impedir qualquer agitação cultural revolucionária entre trabalhadores e estudantes. Como combater esta atmosfera conservadora com tintas, palavras, sons, gestos e filmagens?
  Neste momento de crise, precisamos reafirmar nossas convicções políticas partindo da realidade concreta: com aproximadamente 12 milhões de desempregados no Brasil, a ideologia dominante não pode estar com a bola toda. Inserindo a imagem e a palavra que chocam-se com os discursos reacionários, podemos fazer do contraponto estético um valor a ser historicamente construído; ainda que não possamos medir com uma régua seus efeitos na consciência, o choque estético é um corpo estranho na sociedade da alienação. Manipular é fácil: e este é o papel dos intelectuais e artistas que optaram pela burguesia. Já conscientizar não é tão simples: remover mentiras, desconstruir tabus e alargar o horizonte mental envolve um verdadeiro trabalho de paciência histórica. Temos a nosso favor um fato inquestionável: a luta de classes. É dentro dela que debatemos o sentido político da arte.
 

 

domingo, 18 de setembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 36

Nem sempre uma obra de arte que tem por tema o socialismo ou as lutas dos trabalhadores é revolucionária. Isto pode parecer obvio mas não é: o desconhecimento das questões estéticas pode adestrar a percepção da própria militância de esquerda com obras de arte infestadas de clichês, pautadas no melodrama, mergulhadas enfim nas estruturas de linguagem disseminadas pelo imperialismo, pelo que existe de pior na cultura de massa. Já discutimos anteriormente que o Realismo Socialista foi a experiência histórica que dissociou arte e revolução; aliás, por falar em jdanovismo, fica registrado aqui a divulgação da próxima edição do nosso ciclo de filmes Realismo Socialista, que ocorrerá no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas: dia 24/09, às 16 h , será exibido o filme soviético Os Tratoristas(1939), de Ivan Pyryev. Mas além do jdanovismo, encontramos na indústria cultural um legado estético que fixa um patrimônio emocional reacionário nas massas(e nem sempre os socialistas estão imunes a isso).
 No tocante ao tema da indústria cultural, fazemos sérias reservas quanto ao diagnostico pessimista do filósofo Adorno. De fato, ele mostrou a maneira como a cultura no capitalismo avançado tornou-se um prolongamento do trabalho alienado: o elogio da rotina realizado por filmes, músicas, novelas e outros produtos, revela que a arte oculta os antagonismos sociais e torna-se um fator de integração, de conformismo. Porém, se a alienação é o que impera na indústria cultural, não podemos cair no pessimismo que toma como inevitável a neutralização das obras de arte que contestam a ordem vigente. Como já tivemos a oportunidade de dizer antes, é preciso contextualizar a produção artística de massa de acordo com os meios de produção culturais controlados pela classe dominante. Neste sentido, temos vários pontos de contato com Walter Benjamin: este pensador percebeu que a aproximação da obra de arte com as massas, destruiu séculos de abismos culturais e de elitismo artístico. Portanto, o nó da questão está em situar a arte dentro da luta de classes: se a indústria cultural age ideologicamente para sedimentar o sistema, cabe aos revolucionários criarem formas de resistência de acordo com seus próprios aparelhos de produção artística(esta é uma das várias lições de Benjamin).
  A criação artística dentro da esquerda é, pelas condições atuais de produção, um gesto militante que deve se diferenciar radicalmente das estéticas alienantes presentes na indústria cultural. Entretanto, é comum encontramos dentro da esquerda o seguinte raciocínio: " É preciso comunicar ideias revolucionárias através das formas artísticas que o proletariado gosta e está familiarizado ". Nesta afirmação existiria uma aparente evidência: fora do folhetim, da linguagem do telejornal, da estética hollywoodiana, não conseguiríamos nos comunicar com os trabalhadores. Será? Que tipo de comunicação um artista de esquerda procura? Seria um conteúdo progressista e uma forma digestiva? Não podemos separar forma e conteúdo(assim como a realidade técnica dos meios com os quais produzimos arte de combate) porque nosso objetivo não é conseguir cordeiros, seguidores, números. Aliás, o objetivo é contribuir através de uma comunicação artística revolucionária com a formação de militantes.
Quem quer controlar as massas? Liberais, fascistas e stalinistas. O objetivo da arte revolucionária é casuar choque, estranhamento, desafiando a própria massificação. Se estamos em menor número não se trata de um problema artístico mas político. As transformações técnicas comprovam que historicamente as obras de arte estão cada vez mais próximas do público. O que Adorno escreveu encaixa-se muito bem nos contextos do rádio e da televisão, mas cai por terra com as tecnologias digitais: por diferentes canais podemos apresentar de forma descentralizada experiências estéticas de contestação. O objetivo é fazer o público pensar, refletir sobre a realidade. Temos muito trabalho pela frente.

domingo, 11 de setembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 35

Ossip Brick, nome iminente das vanguardas soviéticas, afirmou que: " Um sapateiro produz sapatos. E um artista? Nada ". Esta extraordinária provocação, leva-nos a perguntar por que gastar fosfato com problemas estéticos diante do aparente papel insignificante da arte para o proletariado. Insignificante? Não teria a música(samba, funk, rap, forró, etc) um importante papel no cotidiano dos trabalhadores? Não haveria arte popular? Pensando nas tradições culturais do ocidente, não poderia um operário emocionar-se com uma composição de Mozart? Sua imaginação não seria atingida pela poesia de Homero? Na realidade existe um duplo problema histórico: a) A necessidade das tradições culturais, negadas ao proletariado pela divisão social do trabalho, serem democratizadas. b) A criação e teorização de propostas estéticas, que não sejam contemplações mas expressões ativas que contribuem com a vida prática, cotidiana, dos trabalhadores; funcionando também como ingredientes ideológicos revolucionários que orientam a realidade da classe trabalhadora.
 A sacralização das obras de arte é historicamente uma atitude das classes dominantes. Mas quem disse que estetizar a vida, confundir os limites entre arte e " objetos profanos " é algo necessariamente de esquerda? Vivemos um momento em que a publicidade possui seus " clássicos ", suas obras de arte: propagandas de chocolate, automóveis, hambúrguer e sabão em pó estão, na era da mercantilização da cultura, pau a pau com a pintura de um gênio renascentista. Sim, as leis da arte não são as mesmas da propaganda: uma atividade criadora, que não pode tolerar interferências externas e portanto obedece à necessidade de expressão/afirmação do humano, não pode se confundir com os imperativos do consumismo. Mas infelizmente, na época do capitalismo avançado, se confundem. O que poderia ser e o que a arte revolucionária tem a oferecer neste contexto que aprofunda a alienação?
 Se tanto a história da arte quanto as aberrações mercadológicas realizadas com zelo estético, estão nas mãos da classe dominante, cumpre aos militantes de esquerda reorganizarem o legado revolucionário da arte. Um artista de esquerda precisa se preocupar em realizar obras que se comuniquem com os trabalhadores. Isto está longe de restringir a obra no campo do conteúdo ideológico: denúncia e agitação são elementos indispensáveis; mas a exemplo dos construtivistas russos, devemos pensar em obras que se integrem ao cotidiano das massas, que tenham uma função ativa e portanto operem pela forma livre/libertária transformações na consciência. A busca por um novo psiquismo, que corresponde às necessidades de organização política do proletariado, ainda se impõe como desafio progressista. É preciso pesquisar caminhos.

domingo, 4 de setembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 34

Quando nos perguntam sobre as questões relacionadas à arte revolucionária, é comum encontrarmos pessoas desavisadas que consideram o conteúdo político como sendo uma meta publicitária de nossa parte.É claro que o aspecto da propaganda política se faz presente em vários produtos artísticos engajados. Porém, comunicar uma ideia revolucionária pressupõe a valorização dos meios expressivos. É preciso dizer sempre que para nós a pesquisa artística não é um luxo paradisíaco, mas uma necessidade expressiva que não se separa da intencionalidade política. Separar artificialmente numa obra de arte a forma e o conteúdo, acarreta necessariamente na deturpação da expressão artística.
 A simplificação que muitos fazem da arte que pretende ser uma intervenção crítica sobre a consciência da classe trabalhadora, consiste em achar que basta embutir artificialmente uma ideia política revolucionária para que possamos atingir nossos objetivos. Então como seria? Basta pegarmos emprestado a forma do samba com uma letra inspirada no Manifesto Comunista de Marx e Engels? Seria uma jogada tão simples em que a literatura de cordel surgiria num enredo em que os cangaceiros são bolcheviques e a volante os cossacos? Observem como é ridículo e politicamente ineficaz violar os procedimentos estéticos inerentes a estas formas artísticas populares, para propagar de qualquer jeito ideias revolucionárias.
É claro que o samba, a literatura de cordel e outras importantes expressões da cultura popular brasileira podem(e devem) passar por um processo de politização. Mas é preciso que o artista escolha a partir da sua sensibilidade as formas que possam comunicar sua crítica revolucionária. Tal escolha não é uma colcha de retalhos em que pega-se daqui e dali e cria-se uma obra engajada. O artista plasma suas inquietações políticas a partir da expressão artística que surge como participação política: o tom do poema, a estrutura sonora da canção, os traços do desenho, o enquadramento da câmera, a elaboração da cena teatral, envolvem o encontro entre a necessidade subjetiva do artista e o impacto objetivo sobre aqueles que entram em contato com a obra.
  Os artistas que sentem a necessidade de participar das lutas políticas dos trabalhadores, necessitam compreender a maneira como a esfera da estética atua sobre as formas de consciência. Se o objetivo da arte de combate é esclarecer, instruir e ao mesmo tempo escandalizar e desafiar a percepção de um público massificado, a intenção política progressista não pode se separar de uma forma revolucionária, que impulsione sem forçação de barra a ideia revolucionária. Expressão e comunicação estão no mesmo plano.

domingo, 28 de agosto de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 33

No último sábado(dia 27 de agosto) a primeira sessão do ciclo de filmes Realismo Socialista, ocorrida no MIS Campinas, desencadeou um debate que levantou questões urgentes para a militância cultural. Ainda que a discussão em torno do filme Chapaev(1934) estivesse restrita  a um pequenino grupo de cinéfilos e militantes, o fato é que as dificuldades e as limitações políticas de grande parte da esquerda brasileira, foram colocadas em questão.
 O filme exibido mereceu por parte dos integrantes do nosso blog, uma abordagem histórica: Chapaev traz em seu enredo a figura de um líder bolchevique, que teve uma importante participação no Exército Vermelho durante a época da Guerra Civil na Rússia(1918-1921). Passando para o debate mais propriamente estético, procurou-se destacar o retrocesso artístico de uma proposta cinematográfica que interrompeu bruscamente a radicalidade dos vanguardistas que representavam a arte soviética. Negando as contribuições do Construtivismo russo, corrente de vanguarda que encabeçou o cinema soviético dos anos 20, o longa em questão adulterou a partir da sua fotografia acadêmica uma série de aspectos políticos do período histórico em que o filme se passa: uma narrativa calcada no melodrama convinha com os interesses burocráticos do stalinismo. A questão do melodrama foi o aspecto do debate que acionou as limitações estéticas da esquerda hoje: a estrutura melodramática ainda pauta o gosto e a narrativa de várias iniciativas da esquerda.
 Visto que o Realismo Socialista não apresentou-se como corrente estética disposta a debater com outras tendências artísticas do período, mas como expressão cultural da política stalinista que padronizava e sufocava as formas de expressão, foi colocado em questão no nosso primeiro debate do ciclo, o seguinte problema: até que ponto os estragos no jdanovismo ainda se fazem presentes, mesmo que indiretamente, na propaganda e na linguagem das organizações socialistas? Voltando a questão do melodrama, o fato é que narrativas que engrandecem a figura do " herói trabalhador ", ocultando o movimento dialético no plano da criação, resumem a tônica das experiências culturais de inúmeros militantes. Ainda que vários destes não sejam stalinistas, apresentando-se inclusive como críticos da política stalinista, o que impera é a preferência por uma estética que tanto no audiovisual quanto na arte gráfica , ainda bebe numa estrutura de linguagem que é burguesa dos pés à cabeça.
  Mas o grande problema debatido por nós foi exatamente a ausência de debates culturais entre militantes. Ao invés de participarem de debates culturais em espaços públicos, muitos militantes são subordinados a um imediatismo político que atende tão somente a uma visão economicista da realidade.Evidentemente que num momento marcado pelas eleições municipais, as energias de muitas organizações volta-se para a luta política. Isto não só é compreensível, como necessário diante de um cenário político tão conservador. Porém, como proporcionar o encontro entre diferentes correntes da esquerda para se debater arte revolucionária? Isto também não faria parte da luta política? Certamente existem dirigentes que sabem da importância da cultura: é com eles que contamos para estimular a militância para debater as questões estéticas.
 Para fechar esta edição do nosso boletim, caberia ainda uma indagação que ficou sem resposta, ou melhor, que exige de todos nós a construção de uma resposta: diante das formas sofisticadas de alienação promovidas pela cultura de massa, como a esquerda pode elaborar, a partir das históricas referências artísticas, formas de comunicação que atinjam um público mais amplo? Como o leitor pode observar esta edição 33, a exemplo da edição 32, é marcada por várias perguntas. Pois é, estamos todos quebrando a cabeça com estas questões. Estamos todos tentando contribuir com o debate em torno da necessidade da arte revolucionária.

domingo, 21 de agosto de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 32

Convidamos a todos os cinéfilos e militantes de esquerda a comparecerem no ciclo de filmes Realismo Socialista , no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas. Como já vem sendo divulgado aqui, o ciclo terá seu início no próximo dia 27 de agosto. Trata-se de um ciclo mensal: avisaremos neste mesmo blog as datas e os títulos dos filmes que serão exibidos. Abriremos no próximo sábado com o longa Chapaev, de 1934,  dirigido por Georgii Vasilyev. A sessão terá seu início às 16 h, lembrando que após o filme será realizado um debate sobre o mesmo. É importante que se diga que no debate os espectadores não apenas constroem, a partir de diferentes pontos de vista, o significado dos filmes. O debate é um momento de participação na vida cultural da polis. Neste ciclo em especial, faremos uma reflexão sobre a situação do cinema e das artes na União Soviética das décadas de 30 e 40.
 As questões estéticas, indissociáveis dos fatores políticos, devem levantar problemas/questões que nos ajudam a entender quais seriam as peculiaridades do Realismo Socialista. A partir das obras representativas deste modelo estético, acabamos por nos perguntar por que os ditos representantes de um governo operário, durante os anos do stalinismo, foram tão reacionários em arte? Acreditamos que a resposta passa exatamente pelo problema da burocracia stalinista: se a revolução, que deve emancipar os trabalhadores em todos os sentidos, não é entendida no campo da arte, ela não pode ser entendida no campo político: um modelo estético que anula as contradições da realidade e sufoca a criação, condiz com os interesses de um governo autoritário, incapaz de assegurar o desenvolvimento de uma cultura revolucionária.
 O stalinismo concebeu a arte como uma força tarefa: enquanto " engenheiros de almas ", os escritores e artistas não criam mas executam o que o governo exige. Mas que alma está sendo construída? A partir desta pergunta surgem outras perguntas:

1- O que diferencia um artista de um burocrata?

2- Como o gosto popular e a necessidade de inovação formal podem coexistir num filme?

3- Será que uma obra de arte deve ser fiscalizada por " revolucionários "?

4- Um artista pode ocultar em sua obra um ponto de vista reacionário?

5- Cabe a um partido representante do proletariado debater ou censurar?

6- Será que basta substituir o herói burguês por um suposto herói proletário?

7- Quais seriam as particularidades históricas da criação artística num Estado operário?

Convidamos os militantes de esquerda a debaterem conosco estas perguntas.

domingo, 14 de agosto de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 31

Conceituar o que foi, o que talvez seja e o que pode ser arte revolucionária, é uma ação intelectual fundamentada no fato de que a criação artística é um ato transformador, inevitavelmente ligado(em sintonia) com um projeto político anticapitalista. Este posicionamento insere a dimensão estética numa perspectiva que julga o conhecimento como algo destinado a provocar transformações na consciência. No Brasil de hoje isso chega a soar como algo fora da lei. Não é pra menos: uma enxurrada conservadora procura não apenas despolitizar os contextos em que se produz e debate arte(escolas, universidades, centros culturais, etc) mas demonizar ou até mesmo criminalizar artistas e intelectuais que não aceitam um sistema baseado na exploração e na alienação. É exatamente este contexto reacionário que nos obriga a refletirmos sobre os erros históricos da esquerda, ou pelo menos da esquerda que historicamente apresentou-se como majoritária.
  No campo artístico, estamos propondo uma reflexão sobre os erros do Realismo Socialista, exatamente porque a nova geração de militantes deve formar suas convicções estéticas numa perspectiva oposta a do jdanovismo . O Realismo Socialista não é nem realista e nem socialista. Não é realista porque suprime as contradições da realidade em prol de uma visão folhetinesca, de um discurso nacionalista que exalta de modo idealista o proletariado e os feitos de uma direção política atrelada ou próxima ao stalinismo. Não é socialista porque a arte socialista além de não existir( e nem poderia surgir num passe de mágica) não pode ser monolítica, mas como frisamos na edição anterior, deve ser necessariamente plural. Portanto colocar o jdanovismo em questão não significa chutar cachorro morto, mas estudar uma produção que nos ensina a entender o que não é arte revolucionária. Precisamos deste juízo crítico para lutar, até porque o clima político no nosso país tem levantado o que existe de pior no pensamento conservador.
Enquanto os militantes de esquerda não debaterem seriamente e em larga escala questões artísticas, a cultura torna-se um espaço facilmente conquistado pela direita. Truculência somada aos clássicos delírios direitistas, resultam hoje em teorias da conspiração tais como o chamado " marxismo cultural "(esta expressão designa uma nova paranoia anticomunista: a cultura estaria sendo manipulada por comunistas " infiltrados " nas escolas, nos meios de comunicação, nos movimentos sociais, etc). Sem dúvida é muito fácil rebater pseudo-teorias como essa: o marxismo não manipula, não age às escondidas,  mas procura esclarecer, debater e transformar uma sociedade cujos problemas(fome, racismo, homofobia, intolerância, desemprego, etc) não foram criados por comunistas mas por capitalistas. Porém, o debate estético na esquerda ainda demonstra-se, salvo alguns poucos exemplos, muito rarefeito.
 Não se pode confundir arte revolucionária com fórmulas que retiram o movimento dialético da narrativa(literária ou cinematográfica) e reprimem pesquisas estéticas(na música e na pintura, por exemplo). Defender a liberdade artística é o oposto do liberalismo porque uma arte livre é aquela que capta pela antena da sensibilidade as contradições da sociedade capitalista. Os interesses históricos da classe trabalhadora exigem do artista uma entrega total, um espírito de aventura que busca novas experiências. Mas petrificando a expressão, o Realismo Socialista impossibilita todos os voos poéticos. No século passado isto foi claro: o suicídio de Maiakóvski, o enfarto de Eisenstein, o ostracismo de Vertov, a morte de Meyerhold, as calúnias que os surrealistas sofreram, a repressão da qual escritores como Patrícia Galvão foram alvo, são exemplos históricos que revelam os danos que o jdanovismo trouxe para as forças progressistas da arte.
  Se estamos dispostos a debater os erros do jdanovismo não é para estimular pesquisas de escaninho. Nosso objetivo é realizar  uma crítica que visa contribuir com a qualidade do debate estético na esquerda. Isto serve para nos fortalecermos num momento em que a direita, cada vez mais, deita e rola no campo da cultura.