quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A eficácia do teatro

EFICÁCIA DO TEATRO:
...Vamos falar agora do melhor público até agora. O público que procura pelo menos uma ideologia na cultura e não simplesmente uma badalação. Entretanto, hoje, com o fim dos mitos das burguesias progressistas e das alianças mágicas e invisiveis entre operários e classe dominante, esse público mais avançado não está muito á frente do outro. Eles fazem um bloco único, sempre na mesma expectativa de uma mistificação(em niveis diferentes, não importa). E, tomado no conjunto, a única possibilidade de eficácia política que pode sofrer será da desmistificação, a da destruição de suas defesas, de suas justificativas maniqueístas e historicistas(mesmo apoiadas nos Gramscis e Lukács). É a sua reposição no seu devido lugar ": No seu marco zero. Essa platéia representa a ala mais ou menos privilegiada deste país, ala que vem beneficiando-se ainda que mediocrimente, de falta da História e da estagnação do gigante adormecido.
O teatro tem hoje a necessidade de desmistificar, colocar esse público em seu estado original cara a cara com a sua miséria, a miséria do seu pequeno privilégio ganho ás custas de tantas concessões, de tantos oportunismos, de tanta castração e recalque e de toda a miséria de um povo. O importante é colocar esse público em termos de nudez absoluta, sem defesas, incita-lo á iniciativa, á criação de um caminho novo, inédito, fora de todos os oportunismos até agora estabelecidos batizados ou não como marxistas.
...O teatro como único lugar fora da comunicação de massa, sem os entraves dos produtores e sem a necessidade de encarar o espectador como simples cifra de consumo, tem que se encaminhar no sentido de despertar essa iniciativa individual. Isso pode parecer escoteiro, mas é a única solução para um país onde tudo tem que ser inventado, criado; onde o fator de castração pessoal em função de ortodoxias políticas importadas e atitudes que somente revelam o super-comodismo e uma absoluta falta de criatividade tem sido a nota mais importante.
O teatro não pode ser instrumento de Educação popular, de transformação de mentalidade na base do bom meninismo. A única possibilidade é exatamente pela deseducação, provocar o espectador, provocar a sua inteligência recalcada , no sentido de beleza atrofiado, seu sentido de ação protegido por mil e um esquemas teóricos abstratos e que somente levam a ineficácia.
...A eficácia do teatro político hoje está no que Godard colocou a respeito do cinema : A abertura de uma série de Vietnãs no campo da cultura. Uma guerra contra a cultura oficial, a cultura do consumo fácil. Pois com o consumo não só se vende o produto mas também se compra a consciência do consumidor.
... Cada vez mais essa classe média que devora sabonetes e novelas ficará mais petrificada; no teatro, pelo menos, ela tem que degelar na base da porrada... Nada com mais eficácia do que a arte pela arte, porque ela em si é um fenômeno de criação, de descompromisso com fórmulas feitas, é o sentido de reivindicação e portanto de subversão.
...A agressividade, a violência da arte é mais forte do que mil manifestos redigidos dentro de toda prudência que a política exigiria. A arte não tem compromissos e neste país parado, onde você passa matando o tempo e o tempo passa matando você, a arte solta e livre poderá ser a coisa mais produtiva possível. Não é atoa que as grandes Revoluções são precedidas e impulsionadas por uma correspondente fase de criatividade no campo da arte.
... Como artista, com O REI DA VELA, descobri o poder de subversão da forma, que é subversão do conteúdo também. Num país de tradição oportunista e de ditadura de classe média isto é escândalo. Num país-colônia, deslumbrado com os valores estabelecidos, que poder não possui o artista?... E como ele traz recalcada a sua criatividade neste Brasil! Como tudo contribui para que cada geração aborte seus artistas e seus revolucionários!
Uma arte violenta vem ai, com certeza. E Oswald de Andrade é inevitavelmente um dos seus precursores.
... A eficácia política é devorar toda a mitologia deste país e jogar o seu violão para o alto. E quem joga o seu violão pode acertar outras coisas também. E pode acertar. Por que não?
José Celso Martinez Corrêa, 1968.

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