Atualmente a sociedade brasileira vem sendo ameaçada por uma onda de
conservadorismo que rasga com suas garras falsamente púdicas, as vozes
daqueles que concebem a cultura enquanto território da liberdade . Do
ponto de vista histórico trata-se de uma ofensiva de grupos políticos
e religiosos impregnados de práticas repressivas e cuja a influência
sobre as massas cresce diariamente. São comuns no cotidiano brasileiro
demonstrações de intolerância, de racismo, de homofobia e de
perseguições a militantes de esquerda. São portanto as conquistas
políticas dos artistas, intelectuais e dos grupos combativos situados
ao lado dos oprimidos, que estão em jogo: enquanto o Estado é
gerenciado por interesses capitalistas, notamos um clima de asfixia no
pensamento crítico, uma simbólica política de extermínio contra as
ações daqueles que não se curvam diante da exploração do trabalho, do
discurso criacionista/fundamentalista na religião e da manipulação das
massas pela mídia burguesa. Um conceito tragicamente invertido de
hegemonia vem fazendo da cultura o espaço que reprime a luta contra
todas as formas de opressão.
Nós do LANTERNA expressamos aqui não apenas a nossa preocupação
diante destas formas de dominação cultural, mas a necessidade dos
militantes da cultura responderem incansavelmente contra esta situação
que procura tolir nossas convicções mais preciosas para a edificação
do socialismo. Se todos nós sabemos que a cultura é um campo de
batalha, é preciso que a esquerda responda a estas ameaças
ideológicas. O momento exige daqueles que se ocupam da arte a urgência
de criar imagens da liberdade: as cores, os sons, as palavras, os
gestos e os mais diferentes suportes precisam ocupar
revolucionariamente os espaços da cultura. Afirmamos mais uma vez(e
quantas vezes for preciso) que as tarefas históricas da arte
revolucionária em sua diversidade colocam-se de imediato para os
espiritos livres. Devemos demonstrar aos trabalhadores e as minorias
que a História não é feita de verdades imutáveis: a História pode ser
construida com tintas, palavras, melodias, câmeras e cenários aonde o
homem é o autor do seu próprio destino.
CONSELHO EDITORIAL LANTERNA
quinta-feira, 28 de março de 2013
Teatro antigo e o moderno
O teatro de ontem reproduzia a vida do homem com uma certa
precisão, repetia a noite as sensações vividas, e aquelas que encontravam no
palco uma vida desconhecida achavam graça porque não tinham vivido ainda
aquelas sensações, os outros bocejavam.
O homem mudou, uma
parte do seu pensamento procura a análise cientifica das coisas, a outra parte
anseia por alguma coisa que ele não sabe bem o que é, um desejo inconsciente
transformado em angustia, pela indecisão, uma projeção de sensações recalcadas
no passado, uma revolta. É como se essas sensações aparecessem todas ao mesmo
tempo buscando eroticamente, procurando uma sublimação.
Esta ânsia se
manifesta com pouca freqüência no passado dominado pelo pensamento de renuncia
a um Deus inconveniente, concentrou na repetição das coisas. O homem copiava o
seu vizinho e respeitava os seus avós. Um outro revoltoso heróico apareceu
romanticamente transformando a ciência, o modo de pensar, a arte.
O século encontra a
idéia religiosa de repetir dogmas um tanto confusa. Aparece essa angustia
indecisa, armazenada durante milhares de anos, o homem busca porque a pesquisa
insólita acalma os seus nervos. Esse desejo não métrico é o fator gerador de
toda arte, é o entusiasmo biológico que produz, maravilhoso, livre de religião,
casta, de família.
A idéia de cenário
para mim forma um único conjunto com a idéia de teatro. Separar um do outro é
um ato de cretinismo dificilmente crível. O teatrólogo também deve saber fazer
cenários ou vice versa. O problema é um só: movimentar coisas iluminadas e
sonoras para provocar uma reação sensacional na assistência.
Não importa se os
atores são fixos e sonoros e os cenários em movimento e vice versa, ou uma
combinação desses. A arte consiste em apresentar uma série de sensações visuais
e sonoras e provocar a assistência uma emoção profunda que forçosamente varia
com a capacidade de perceber do assistente.
O cenário não
precisa ter nenhuma significação objetiva, não precisa representar os objetos
que encontramos na vida. O cenário, os
atores, o som, a iluminação devem formar um aglomerado de coisas em movimento,
um conjunto emotivo sensacional , provocando no homem uma reação sublimativa ,
exitando o seu erotismo possivelmente contido pela civilização, jubilosamente
fecundando a sua alma com novos desejos.
O continuo teatro
assistência não é um dogma místico, criação de um decreto como a virgindade de
Maria ou a brancura do Espírito santo, ele é um campo de expansão da imaginação
do homem, ele simboliza o entusiasmo, ele é um meio sonoro e visual
psiquicamente tátil de mostrar ao mundo quanto o homem pode raciocinar.
Na associação livre
de idéias na psicanálise o paciente se manifesta por meio da palavra e portanto
é quase forçado a se referir a objetos que existem na realidade, deixando de
lado, muitos que lhe vem a mente e que a palavra não exprime. O teatro nesse
sentido é mais completo porque pode apresentar uma associação muito mais livre
que aquela que a psicanálise tira do inconsciente do homem.
O cenógrafo que
pinta formas na tela e constrói formas sólidas não necessita que essas formas
representem a realidade. O meio de expressão é mais livre que o da psicanálise
que não é nada livre e está mal classificada. O som inarticulado é também de
grande importância como elemento de composição expressiva, assim é a música sem
estrutura(ao que parece a psicanálise é tão limitada que não leva em conta essa
manifestação inconsciente).
Todas essas
manifestações existem no teatro de hoje de uma maneira separada e elaborada ,
vê-se que uma não faz parte da outra , a idéia do conjunto desaparece,
desaparece portanto uma das idéias da arte.
O teatro como o amor
deve ser livre, sem restrição; a causa da desunião dos elementos do palco
é a restrição, ela desgruda os
elementos.
Nenhuma exigência
orgânica decreta um limite ao pensamento do homem, como querem os nocivos
passadistas.
Vi uma vez um ditado
curioso e certamente interessante: “ um povo sem visão perece”. Os nossos
teatrólogos são verdadeiras maquinas de repetir, nós somos neste momento um
povo sem visão.
Flávio de Carvalho, 1931.
terça-feira, 19 de março de 2013
EXIBIÇÃO DO FILME LA COMMUNE
O Boletim de Arte Revolucionária Lanterna promove em parceria com o
Museu da Imagem e do Som de Campinas a exibição de filmes.
Nosso objetivo é colaborar com o MIS que há tantos anos cumpre o papel
de principal trincheira do cineclubismo na cidade de Campinas.
Trata-se de um espaço aonde a exibição das mais variadas obras
cinematográficas é seguida de um debate livre entre os espectadores
que analisam os filmes, construindo assim novas interpretações sobre
os mesmos. No nosso entender isto tudo é uma grande contribuição para
a educação estética e política da população: é o momento no qual o
cinema deixa de ser comércio e torna-se um rito de passagem para a
compreensão da vida social.
Nossa primeira curadoria envolve a exibição do filme LA COMMUNE:
Sábado, 23 de Março – 16h
LA COMMUNE (Paris, 1871) - A COMUNA DE PARIS – Parte I – 2h45 min
Direção de Peter Watkins.
Sábado, 23 de Março – 19h30min
LA COMMUNE (Paris, 1871) - A COMUNA DE PARIS – Parte I I - 3h
Direção de Peter Watkins.
Publicamos abaixo o excelente texto que o Professor Caio N. de Toledo
gentilmente nos cedeu:
LA COMMUNE (Paris, 1871). Filme de Peter Watkins, 1999, 345 mins.
Peter Watkins, de origem britânica, foi diretor de vários
documentários produzidos por TV´s européias e de alguns filmes
comerciais (entre eles, Punishment Park, 1970). O conjunto da obra
desse “diretor maldito” (alguns de seus filmes foram censurados pelas
TV´s e boicotados por poderosas distribuidoras de cinema) se distingue
por uma contundente crítica à violência da guerra e ao papel dos meios
de comunicação, em particular da TV no capitalismo contemporâneo. A
este respeito, suas palavras são definitivas: "(...) (a TV) está nas
mãos de uma elite de poderosos, de magnatas, de executivos, de
diretores de programas e de produtores que dispõem de um poder
colossal e que impõem, por toda parte, a sua ideologia globalizante e
comercial, cruel e cínica, recusando obviamente a dividir este poder”.
Em La Commune, Watkins, de forma criativa e inteligente, coloca em
cena duas (imaginárias) emissoras de TV – a TV Versalhes (oficial) e a
TV Comunal (democrática e popular) – fazendo a cobertura e a
interpretação dos fatos ocorridos na COMUNA DE PARIS. Homens e
mulheres da classe trabalhadora, pequena e grande burguesia,
dirigentes comunardos, soldados da guarda nacional, militares leais ao
governo, religiosos, jornalistas, porta-vozes da burguesia etc.
manifestam abertamente suas conflitivas opiniões e expectativas
políticas e sociais. Difícil será encontrar na filmografia mundial um
documento mais instigante e elucidativo sobre a luta ideológica na
sociedade de classes. Embora irrestritamente simpático à experiência
da COMUNA, o filme é uma criteriosa e rigorosa reconstrução histórica
desse evento. La Commune revela o júbilo e as generosas expectativas
vividas pelas classes populares e trabalhadoras com a conquista do
poder político em Paris; contudo, de forma alguma apologético ou
simplificador, o filme mostra as dificuldades, os conflitos e os
dilemas que enfrentam homens e mulheres – ainda inexperientes
politicamente e acossados duramente pela reação conservadora e
repressão militar – quando buscaram construir um governo radicalmente
democrático e socialmente emancipador. Ao propor estas questões, o
filme inova ao levar seus atores - a grande maioria não tinha nenhuma
experiência cinematográfica anterior – a refletir sobre o papel que
representaram no filme bem como discutir, coletivamente, os problemas
sociais e políticos enfrentados por todos eles ao final do século XX.
Por meio de um intenso, dilacerante e inteligente debate comprovam-se
que os ideais e as bandeiras da COMUNA DE PARIS continuam vivos e
ainda tremulam na ordem capitalista contemporânea.
Caio N. de Toledo(IFICH).
terça-feira, 12 de março de 2013
Arte e Marxismo
Haveria uma arte marxista, ou
melhor dizendo, uma Estética do marxismo? Esta é uma questão não resolvida,
pelo menos para quem reconhece a interdependência entre a arte e a sociedade.
Venho reparando que alguns jovens militantes (estudantes na sua maioria) andam
preocupados em estabelecer num repente só uma ligação muitas vezes apressada (porém,
válida enquanto tentativa) entre o Materialismo dialético e o universo das
artes. Esta garotada tá mesmo é muito certa nesta busca por respostas neste
campo tão maltratado por artistas alienados/vendidos e críticos comprometidos
com a Estética do cifrão; afinal de contas autores como Lukács tentaram definir
uma Estética marxista (espero que a garotada seja mais bem sucedida que o
filósofo húngaro).
Se existe algo que ainda me faz acreditar na
História enquanto processo de construção/transformação humana, é encontrar
estes jovens animados pela possibilidade de associar suas práticas artísticas
com as lições filosóficas de Marx e Engels. Realmente a moçada está criando,
fazendo arte (hoje por exemplo, ficou facinho, facinho fazer vídeos, gravar
canções, publicar textos em prosa e verso, tudo graças as novas tecnologias
digitais). A boa notícia é que entre estes jovens alguns querem conectar a arte
com o marxismo. Meus amores, meus amores... Este interesse político é coisa
rara! Não nos esqueçamos que hoje em dia existe toda uma produção ideológica
que funciona enquanto obstrução cultural para a juventude e os trabalhadores
compreenderem o verdadeiro funcionamento do sistema capitalista: faz parte
destes obstáculos ideológicos as limitações intelectuais impostas por
diferentes forças sociais que vão da cultura de massa á religião (não tenho
nada contra a religião em si ou qualquer instituição religiosa em particular,
mas não admito o uso ideológico da religião para justificar por exemplo a
miséria econômica, a hipocrisia sexual e o conformismo político). Bem, antes de
mais nada, estes jovens artistas e estudantes, ou simplesmente garotas e
garotos espertos que não curtem ser manipulados, precisam ter em mente que
compreender as relações entre arte e marxismo envolve um vespeiro danado. É
preciso investigar historicamente como esta relação vem sendo construída.
Em primeiro lugar os pais do Materialismo dialético Karl Marx e
Friedrich Engels não sistematizaram nenhum estudo aprofundado sobre a arte, não
desenvolveram uma Estética que representasse integralmente e oficialmente o seu
pensamento filosófico. Entretanto, Marx e Engels nos legaram escritos, anotações,
cartas e artigos que fornecem pistas para se compreender as relações entre as
artes e a sociedade ao longo da História. Cara, o que importa mesmo é que o
Materialismo dialético fornece um método de compreensão da totalidade social,
de investigação sobre o papel da cultura e da arte nos mais diferentes modos de
produção. Estando a arte localizada na esfera da superestrutura, Marx e Engels
sabiam exatamente a baita força política que a obra de arte possui enquanto
influência nos destinos da sociedade. Estes dois autores comunistas orientam
pelo seu método materialista o trabalho daqueles que querem dar um sentido político
combativo á arte: tendo no seu horizonte a luta de classes enquanto motor das
relações históricas, o artista revolucionário e o militante da cultura nos
mostram que a criação artística não pode estar indiferente a exploração
capitalista, sendo necessária uma posição da arte frente á propriedade privada,
o trabalho alienado e o Estado enquanto instrumento que no capitalismo serve á
burguesia. Por tabela, o artista comprometido com a causa dos trabalhadores
sabe do poder ideológico da arte para esclarecer e instruir, tornando a sua
obra o contraponto perante a ideologia dominante, fincada em todos os espaços
da cultura. Sendo assim meus jovens, o comunismo levanta a urgência da arte
falar em ideias políticas, pois a forma de comunicação da arte é única: ela mexe
com os nossos sentidos, chacoalha a gente pelo choque estético, mobiliza a
nossa sensibilidade ao mesmo tempo que nos faz pensar, que nos faz analisar objetivamente
a realidade. Razão e emoção, lógica e sensação são um todo para a arte que
prega a transformação da sociedade.
Do ponto de vista documental é de
extrema importância que se leia o livro SOBRE LITERATURA E ARTE, de Marx e Engels(saiu
pela Global Editora em 1979 e quem tiver sorte pode descolar algum exemplar nos
sebos da vida). Este livro reúne cartas, artigos e trechos de obras de Marx e
Engels referentes a temas ligados a literatura e a arte. Nestes textos
encontramos várias questões importantes como as relações entre os sentidos
humanos e a economia, a literatura e a indústria, o trabalho e o nascimento da
arte, a liberdade do escritor e a sua condição no capitalismo, o engajamento
político do artista e o Realismo enquanto forma de crítica social. É preciso
lembrar que o Realismo em literatura era a coisa mais quente do mundo durante a
segunda metade do século XIX, época em que Marx e Engels definiam as bases do seu
pensamento. A opção pelo Realismo é imprescindível para uma arte criada de
acordo com a orientação marxista , a ponto de afirmarmos que fora do Realismo
não existe arte revolucionária. O Realismo envolve a denúncia e a crítica
objetiva da realidade, revelando a totalidade histórica, expondo com crueza os
problemas humanos e os dramas sociais. O artista realista não fica floreando as
letras e as tintas, ele não se refugia no seu mundo interior e individualista:
ele olha para o mundo afim de transforma-lo. Logicamente que existem realistas
que podem ser politicamente conservadores, daí a importância do marxismo para
que a arte realista seja revolucionária. Entretanto a qualidade da obra literária/artística
não pode ser ofuscada pelo ativismo, pois a arte precisa ser bem feita. Caberia
assim destacar uma carta que Engels dirige á escritora Margaret Harkness, em
1888: Preocupado com o fato do engajamento político muitas vezes colocar em
segundo plano a qualidade literária do romance, Engels afirma que quanto mais
ocultas forem as opiniões políticas do escritor melhor é para a obra literária, pois deste modo a
literatura acabaria por revelar as contradições sociais que brotariam
naturalmente no plano da obra, mantendo assim a qualidade artística.
Ao longo do século XX as relações entre arte e Revolução política se intensificam
ao mesmo tempo em que a própria arte atravessa radicais transformações(tudo
isto rola primeiramente nos paises europeus, mas em breve atingiria diferentes
partes do planeta). A pintura passa por um processo de redefinição já que a
fotografia fez com que a mão humana comesse poeira diante do olho mecânico da
câmera. O filósofo alemão Walter Benjamin chama atenção para o fato das obras
de arte em meio a sua reprodutibilidade técnica fazerem com que as experiências
artísticas se distanciem dos problemas religiosos e se liguem a prática
política( para Benjamin o cinema seria a arte que melhor possui as condições
históricas para se falar revolucionariamente em política). Os primeiros anos do
novo século mostravam que enquanto o movimento operário lutava contra a
exploração capitalista, o cinema desbravava o imaginário, o teatro se
reinventava e a literatura junto á escultura e a pintura pulverizavam as
estruturas tradicionais, de origem clássica. Foi então em meio a este caldeirão
muito doido que se desenvolvem os movimentos de vanguarda e estoura a Revolução
russa de 1917.
Os primeiros movimentos de vanguarda tais como
o futurismo, o expressionismo e o cubismo , faziam uma arte que se propunha a
ser algo á frente do seu próprio tempo. O grande perigo das vanguardas é que na
maioria das vezes elas estão distantes da realidade das massas e dos problemas
nacionais da arte. Mas mesmo assim a arte de vanguarda é fundamental para
dinamizar a forma, para a criação de novas técnicas que ajudam na comunicação com
o povo(nem todo movimento de vanguarda é esteticista). Em meio as rupturas formais das vanguardas, o
acontecimento histórico que de fato assombrou a burguesia foi a Revolução russa
de 1917. Lênin, o cérebro dos bolcheviques e de fato o maior herdeiro do
pensamento de Marx, dizia já em 1905 que
a literatura e a arte deveriam estar a serviço do proletariado, a serviço do
Partido político que representava os interesses políticos da classe operária. Foi
lá na Rússia que as questões entre arte , vanguardas e marxismo tornam-se uma
verdadeira urgência cultural(afinal os trabalhadores já haviam tomado o poder).
Deste período cabe destacar a bravura do poeta Maiakóvski que junto a uma série
de outros artistas soviéticos procurava em meio as dificuldades e privações da
guerra civil(1918-21) criar uma arte de vanguarda que expressasse uma
transformação radical do modo de vida do povo russo: a arte gráfica dos
cartazes, as peças teatrais inspiradas no circo e cabarét, os filmes, a pintura
geométrica, a arquitetura comunitária, seriam exemplos da vanguarda soviética que
evoluiu do futurismo russo para o construtivismo russo(para maiores detalhes,
ler o ensaio COMPREENSÍVEL PARA AS MASSAS, escrito por Orestes Toledo e Afonso
Machado, publicado aqui no LANTERNA).
Pois bem, como o marxismo passa a responder as exigências culturais que
as novas realidades políticas do século XX impõem?. Leon Trotski, general do
Exército vermelho e intelectual marxista, respondeu com elegância e propriedade
a maneira como os comunistas devem proceder com os problemas de uma arte que se
liga á Revolução e que portanto torna-se
expressão cultural dos interesses históricos da classe operária. A obra
LITERATURA E REVOLUÇÃO(felizmente reeditada pela Zahar em 2007) ainda é uma
referência porreta para quem quiser entender as relações entre arte e
marxismo(devo assim discordar do meu amigo José Ferroso, embora já adiante para
ele que não me bandiei para a “ala trotskista “ do LANTERNA, rs rs). Talvez o
único problema do livro de Trotski é que em certo sentido ele não dá a devida
importância a necessidade cultural de se pensar/pesquisar no presente uma arte
socialista.
Ainda na União Soviética irá se desenvolver a Estética do Realismo
socialista, enquanto uma espécie de doutrina oficial da arte e da literatura
segundo o marxismo-leninismo. Resta saber se a experiência do Realismo
socialista(que também iria vigorar na China socialista de Mao Tse Tung e em
outros países que atravessariam Revoluções) trouxe alguma contribuição para se
pensar uma Estética marxista: é quase unânime entre intelectuais de esquerda a
rejeição do caráter de propaganda política do Realismo socialista(embora, como
lembra José Ferroso, geralmente se esquece com muita freqüência que a burguesia
hoje também faz uma implacável propaganda do capitalismo com a arte dominante
nos meios de comunicação de massa). A crítica mais comum é endereçada por
trotskistas e anarquistas que denunciam o que eles intitulam de servilismo e
violação dos procedimentos de criação artística, expondo desta maneira a falta
de liberdade na produção artística e denunciando o controle burocrático da arte(
para se compreender com profundidade estas críticas, ler os textos de André
Breton, fundador do movimento surrealista, em especial POSIÇÃO
POLÍTICA DO SURREALISMO
e o famosíssimo MANIFESTO POR UMA ARTE REVOLUCIONÁRIA INDEPENDENTE,
co-escrito com Trotski e também publicado aqui no LANTERNA) . Breton e outros
surrealistas estão certos em criticar a falta de liberdade e as formas
apelativas de propaganda no Realismo socialista(Realismo tem que ter
qualidade!). Mas daí, concordar com o subjetivismo dos surrealistas, são outros
quinhentos...
Para além destas críticas surrealistas e trotskizantes (é muito
previsível este flá-flu entre stalinistas e trotskistas, coisa que nem mais tem
cabimento hoje em dia), vale a pena se interar das discussões presentes no
livro LUKÁCS, BRECHT E A SITUAÇÃO ATUAL DO REALISMO SOCIALISTA, de Francisco
Posada(pra variar fora de catálogo: saiu em 1970 pela Civilização Brasileira).
Nesta obra é discutido com profundidade o conceito de Realismo enquanto sendo a
base para uma arte que traduza os interesses culturais dos trabalhadores. Para
tal é colocado em questão o famoso debate sobre o Expressionismo, ocorrido na
década de trinta, no qual o filósofo húngaro Lukács e o teatrólogo alemão
Bertolt Brecht(mas não apenas estes) travam uma polêmica discussão sobre as
contribuições do movimento expressionista para uma arte revolucionária. Lukács
era partidário de um Realismo tradicional, ultra-convencional e considerava
todas as inovações da arte de vanguarda como sendo “ decadência burguesa”.
Aliás com base nas suas convicções sobre o Realismo é que Lukács procura criar
uma Estética marxista oficial. Ele se baseou nos escritos de Marx e Engels
sobre o Realismo(que já comentei no começo deste artigo comprido) para extrair
uma doutrina estética para o Materialismo dialético. A tentativa de Lukács é
muito bacana, mas na minha opinião ele peca por negligenciar o desenvolvimento
histórico das necessidades expressivas na arte(o que passa pelas transformações
técnicas como mostrou Benjamin), pois o Realismo pode e deve ser aprimorado.
Trata-se de forçar a barra ao tentar pegar os textos esparsos de Marx e Engels
para se criar uma Estética marxista. Como eu já disse, fora do Realismo não é
possível avançar nos debates estéticos do marxismo, mas é preciso mesmo assim
abrir os olhos e enxergar as contribuições estéticas que outros movimentos
artísticos podem dar ao Realismo (por isso é que no citado debate sobre o
expressionismo, foi Brecht quem ganhou a parada: ele sabia da importância do
Realismo para a arte revolucionária, mas não queria ficar copiando o Realismo
do século XIX, afinal a História anda...).
Qual deveria ser a posição do escritor e do artista diante da sociedade
capitalista? Como a arte pode contribuir para análise que o marxismo faz da
realidade? Como o artista pode colaborar com a Revolução proletária? Sartre,
figura maior do Existencialismo francês, defende que o escritor/artista deve
ser engajado ou seja, a sua arte deve apresentar uma visão comprometida com a
realidade e logo com a transformação desta. Sartre acertou em cheio, mas ainda
assim é preciso saber como a arte engajada se comunica com o povo. Grandes
artistas retiraram lições do Materialismo dialético para a criação de uma arte
que entre em contato direto com os trabalhadores. Dentre os maiores exemplos
disso encontramos o cinema de Eisenstein(aqui a montagem cinematográfica
envolve a tese, a antítese e a síntese), o teatro épico de Brecht(o
anti-ilusionismo cênico permite a reflexão através do distanciamento crítico),
a pintura de Siqueiros (o muralismo mexicano criou uma arte pública e popular
que abordou didaticamente a luta de classes na História do México), etc.
O marxista italiano Gramsci defende que a arte
deve expressar as tradições populares, deve ser a representação dos interesses
nacionais contra um cosmopolitismo desenraizado(típico das vanguardas). Gramsci
mostra a importância do nacional-popular em arte, para que o artista se
comunique objetivamente com os trabalhadores, de acordo com a realidade
cultural concreta destes mesmos trabalhadores. Gramsci está certíssimo, pois se
a arte não se comunica com o povo, se a arte não for realista e popular, se estiver
desvinculada da realidade nacional, ela deixa de ser revolucionária.
Esta
questão do nacional-popular foi muito forte na arte brasileira (não no sentido
gramsciano) como nos mostra a atuação dos artistas e intelectuais ligados ao
CPC(Centro Popular de Cultura), que até o golpe militar de 1964 contribuiu para
retirar nossos artistas da torre de marfim e de acordo com as lições do
marxismo-leninismo criar uma arte popular revolucionária brasileira(ler o
trecho do manifesto do CPC publicado recentemente no LANTERNA). Antes e depois
do CPC encontramos na História artística e literária brasileira outros grandes
exemplos de engajamento que contribuem para a criação de uma arte segundo a
filosofia política do marxismo: gente é o que não falta como os escritores
regionalistas da década de trinta, com sua literatura poderosa e documental na
denúncia dos problemas sociais(José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge
Amado, para citar os maiores ), a literatura proletária de Patrícia Galvão, a
pintura social de Di Cavalcanti e Portinari, a música popular de protesto em
grandes compositores como Chico Buarque e
Zé Kéti e na voz de cantoras como Nara Leão e Maria Bethânia, o cinema
político de Glauber Rocha, o teatro político de Augusto Boal, etc, etc e etc.
Lembrando que tudo isso traz uma contribuição original para aqueles que desejam
pensar uma arte de acordo com os pressupostos do marxismo.
Como avançar na criação de uma arte que se propõe a ser expressão do
pensamento marxista? O único jeito é estudar a História revolucionária da arte,
não retirar o Realismo do horizonte estético e criar coisas novas.
Lúcia Gravas
sexta-feira, 8 de março de 2013
AS MÃOS DE JEANNE-MARIE:
*Jeanne-Marie, militante operária combatente na Comuna de Paris. Enquanto
todos os jornais reacionários da época (1871) apregoavam as mulheres da
Comuna como "animais", Rimbaud escreve este poema, um líbelo à liberdade
das mãos de uma operária parisiense em estado de fúria. A estas mulheres, e
às tantas outras que hoje ainda lutam pela retomada da poesia, uma grande
vida (e não apenas um grande dia)!
AS MÃOS DE JEANNE-MARIE:
Jeanne-Marie possui mãos fortes,
Sombrias, que o verão marca.
Mãos pálidas como mãos mortas
- São as mãos de Joana D’Arc?
Conhecem cremes morenos
Sobre sua pele nua?
Teriam afogado luas
Em fundos lagos serenos?
Sorveram o ar de céus bárbaros,
Outrora em calmos instantes?
Ou enrolaram cigarros?
Traficaram diamantes?
Em ardentes pés de Madonas
Fizeram secar as flores?
É o sangue das beladonas
Que as suas palmas colore?
Essas mãos caçam pequenos
Dípteros, de asas azuis,
Que bebem néctar e luz?
Mãos que decantam venenos?
Ah, que sonho as arrebata
Nessa pandiculação?
Um sonho raro da Ásia,
Dos Khenghavars, do Sião?
- Jamais venderam laranjas;
Nem cultuam deuses gregos:
Nem nunca levaram fraldas
De gordos meninos cegos.
Mãos que não são de mimos;
De operária em fundição,
Que acende, ao calor da usina,
Um sol ébrio de alcatrão.
São mãos que se amoldam fáceis
E a ninguém fazem mal.
São mãos fatais como máquinas,
Mais fortes que um animal!
Como fornalhas acesas,
Fazem arder corações.
Sempre entoam Marselhesas,
E nunca rezam orações!
Vosso pescoço, madames,
Apertarão até o fim!
Senhoras de mãos infames
Lambuzadas de carmin.
Mas essas mãos amorosas
São muitas vezes cruéis.
E nas falanges formosas
O sol coloca rubis!
A mancha que o povo deixa
Em seu dorso imaculado
Faz que o homem revoltado
Fervorosamente a beije.
Comovem-se encantadoras
Ao sol de amor carregado;
Ao som de metralhadoras
Através Paris sublevada!
Muita vez, em vossos pulsos
- Mãos sacras que, de ilusões
Os meus lábios embriagam -
Grita o metal dos grilhões!
E é um Sobressalto estranho,
Que nos sacode e dá medo,
Quando ao clarear-vos, mãos de anjo,
Fazem-vos sangrar os dedos!
Arthur Rimbaud, 1871.
todos os jornais reacionários da época (1871) apregoavam as mulheres da
Comuna como "animais", Rimbaud escreve este poema, um líbelo à liberdade
das mãos de uma operária parisiense em estado de fúria. A estas mulheres, e
às tantas outras que hoje ainda lutam pela retomada da poesia, uma grande
vida (e não apenas um grande dia)!
AS MÃOS DE JEANNE-MARIE:
Jeanne-Marie possui mãos fortes,
Sombrias, que o verão marca.
Mãos pálidas como mãos mortas
- São as mãos de Joana D’Arc?
Conhecem cremes morenos
Sobre sua pele nua?
Teriam afogado luas
Em fundos lagos serenos?
Sorveram o ar de céus bárbaros,
Outrora em calmos instantes?
Ou enrolaram cigarros?
Traficaram diamantes?
Em ardentes pés de Madonas
Fizeram secar as flores?
É o sangue das beladonas
Que as suas palmas colore?
Essas mãos caçam pequenos
Dípteros, de asas azuis,
Que bebem néctar e luz?
Mãos que decantam venenos?
Ah, que sonho as arrebata
Nessa pandiculação?
Um sonho raro da Ásia,
Dos Khenghavars, do Sião?
- Jamais venderam laranjas;
Nem cultuam deuses gregos:
Nem nunca levaram fraldas
De gordos meninos cegos.
Mãos que não são de mimos;
De operária em fundição,
Que acende, ao calor da usina,
Um sol ébrio de alcatrão.
São mãos que se amoldam fáceis
E a ninguém fazem mal.
São mãos fatais como máquinas,
Mais fortes que um animal!
Como fornalhas acesas,
Fazem arder corações.
Sempre entoam Marselhesas,
E nunca rezam orações!
Vosso pescoço, madames,
Apertarão até o fim!
Senhoras de mãos infames
Lambuzadas de carmin.
Mas essas mãos amorosas
São muitas vezes cruéis.
E nas falanges formosas
O sol coloca rubis!
A mancha que o povo deixa
Em seu dorso imaculado
Faz que o homem revoltado
Fervorosamente a beije.
Comovem-se encantadoras
Ao sol de amor carregado;
Ao som de metralhadoras
Através Paris sublevada!
Muita vez, em vossos pulsos
- Mãos sacras que, de ilusões
Os meus lábios embriagam -
Grita o metal dos grilhões!
E é um Sobressalto estranho,
Que nos sacode e dá medo,
Quando ao clarear-vos, mãos de anjo,
Fazem-vos sangrar os dedos!
Arthur Rimbaud, 1871.
segunda-feira, 4 de março de 2013
NOVA BOFETADA NO GOSTO PÚBLICO (Parte 1): MONTAGEM, REICH E COSMOLOGIA
Superar o abismo que separa hoje Arte e Revolução é tarefa para
aqueles que desejam limpar a poeira e os mal-entendidos que envolvem
estes dois conceitos. Missão aparentemente suicida de pessoas
loucamente devotadas à liberdade em sua profundidade feita de luz,
ódio, amor e fervor. Hoje no LANTERNA nos sentimos mais fortes graças
ao reforço que nossa trincheira cultural recebe: na campanha militar
das artes, Thyago Villela integra o pelotão de frente com tamanha
bravura intelectual que vale por uma vanguarda inteira. Este jovem
militante trotskista é o mais novo colaborador do nosso blog. Além de
teórico das artes é também poeta e artista plástico. Ele e Afonso
Machado inauguram no LANTERNA um bate papo experimental que deseja
prolongar o efeito da bofetada que, já na Rússia de 1912, Maiakóvski,
Burliuk, Kreuchenik e Khilebnikov desferiam no rosto da cultura
dominante. A seguir, a primeira bofetada:
Thyago lembra de sua recente viagem ao Rio de Janeiro e num clima
chuvoso que liga pelas nuvens condutoras de energia elétrica o vinho
de Rimbaud com a nudez das madrugadas na praia, decide pegar um taxi
amarelo-ovo-português com Afonso e chegar num bar que Nelson Rodrigues
frequentava(com muita sardinha frita e cerveja preta na mesa).
Afonso: Mas afinal de contas, Nelson era reacionário ou revolucionário?
Thyago:- Revolucionário!
Afonso:- É tão revolucionário quanto Vianinha!. Escuta Thyago,
soube que você está interessado em cinema...
Thyago:- É que nossas cabeças são cinematográficas, Afonso. A potência
desse suporte pode ser emancipador, do ponto de vista poético.Você pega um
Eisenstein, por exemplo, e a capacidade dele em produzir conceitos a partir
do encadeamento e montagem das imagens, é impressionante! Ou então os
filmes mais recentes do Godard, com longas digressões imagéticas sobre a
guerra, sobre a vida, etc. É a forma de poesia mais recente,
historicamente. (ou não, não é.)
Afonso:- Hoje no Brasil um poeta interessante pode ser cineasta
mas dificilmente um cineasta que está na praça do comércio pode ser
poeta...
Thyago:- Um cineasta que está na praça do comércio é um cineasta que
está na praça do comércio (risos)... Mas viu, estou lançando um livro de
poemas e fotomontagens!
Afonso:- Qual é o titulo?
Thyago:- Chama-se “O corpo-concreto”.
Afonso:- E qual é que é do seu livro?
Thyago:- Nasceu de uma concepção comum entre coisas que não
racionalizei ainda. Hoje em mim fotografia, cinema e poesia participam
de um mesmo tema: como o corpo é barrado pelo concreto? A experiência
corpórea sempre foi muito dificil pra mim. Falo especificamente da
possibilidade de experimentação.
Afonso:- Mas eu creio que seja assim com todo mundo (pelo menos no
ocidente). Eu não sei direito quais são as possibilidades expressivas
do meu corpo...
Thyago:- A Barbara Kruger diz em uma de suas
fotomontagens que "o corpo é um campo de batalha "
Afonso:- Você tá com Reich ou Foucault?
Thyago: - Reich! Mas Foucault tem uma grande contribuição que deve
ser incorporada ao debate da esquerda atual.
Afonso:- Aliás, a maioria da esquerda ainda não entende nada de
temas ligados ao corpo, ao inconsciente, à arte moderna e
contemporânea...
Thyago: - As preocupações estéticas da modernidade não se
restringiam ao estilo, era uma concepção maior, para inovar e
modificar a sociedade. A montagem, por exemplo, é revolucionária, é o
núcleo fundador da arte moderna. Tem o título de um livro dum arquiteto
trotskista francês que sintetiza isso tudo muito bem: “Quando o moderno era
uma causa e não um estilo”.
Afonso:- Mário Pedrosa dizia que "a arte é um exercício experimental
de liberdade”. Não é aí que está a possibilidade histórica para
desbloquear o corpo?
Thyago:- Isto é a libertação do corpo e de parte da vida.
Afonso:- Lógico, afinal, é preciso modificar paralelamente o modo
de produção.
Thyago:- Estes temas (experiência corpórea, normas sociais) não
podem ser propriedade de filósofos pós-estruturalistas, de artistas
pós-modernos. Porra: performace, é só isso?! A critica
marxista (militante, é claro) tem que abrir espaço para estes
temas (Reich está aí e não foi devidamente estudado pela esquerda!).
Esta é uma das maneiras de se escapar da militância boba, de só se enxergar
como militante quando entrega panfleto...
(Reich passa furtivamente e apanha uma sardinha frita.)
Afonso:- Sem contar toda aquela limitação eleitoreira...
Thyago:- Sim. Os surrealistas, por exemplo,
já discutiam a Revolução também enquanto ato poético.
Afonso:- Que está no corpo!
Thyago:- É o engajamento corporal! É o poético participando da
construção de um outro modo de vida.
Afonso:- O grilo é que, por incrivel que pareça, o stalinismo ainda
está introjetado nas discussões culturais da esquerda.
Thyago:- O stalinismo ainda é a grande sombra quando a esquerda fala
de arte. Todas as conquistas teóricas que Trotski e Alexandra Kollontai,
por exemplo, trazem no âmbito
das relações poéticas, o stalinismo procura destruir até hoje.
Afonso:- Inclusive sabemos que existem trotskistas que, na prática,
não passam de stalinistas de uma figa!
Thyago:-Na esfera cultural é certo. O que existe é
uma cobrança de transparência discursiva em arte, de imediatismo
político, de instrumentalização (em sua acepção miserável), que refletem de
modo geral o atraso destas discussões na
esquerda.
(Reich volta, desta vez com uma lata transparente de orgon)
Afonso:- A esquerda, de um modo geral, se atém ao atalho do conteúdo
político em arte. Você acha que existe arte revolucionária sendo feita
na esquerda de hoje?
Thyago: Existem pessoas na esquerda que ainda se inquietam com
isso, estão afim de pensar e produzir arte.O que existe, decerto, são
muitos artistas extremamente interessantes produzindo coisa séria,
experimentando os seus meios. Daria pra citar vários, como um Hans Haacke,
por exemplo. Mas tem bastante, muito menos do que gostaríamos, é claro!
(risos)
Afonso:- A verdade é que não existe saida fora da arte
revolucionária, seja na dimensão estética, seja na dimensão política.
Thyago:- Mas sem essa de panfletão “amem o papai Stálin”!
Afonso:- Arte para ser revolucionária tem que ser livre.
(Fecham-se as cortinas do primeiro papo)
aqueles que desejam limpar a poeira e os mal-entendidos que envolvem
estes dois conceitos. Missão aparentemente suicida de pessoas
loucamente devotadas à liberdade em sua profundidade feita de luz,
ódio, amor e fervor. Hoje no LANTERNA nos sentimos mais fortes graças
ao reforço que nossa trincheira cultural recebe: na campanha militar
das artes, Thyago Villela integra o pelotão de frente com tamanha
bravura intelectual que vale por uma vanguarda inteira. Este jovem
militante trotskista é o mais novo colaborador do nosso blog. Além de
teórico das artes é também poeta e artista plástico. Ele e Afonso
Machado inauguram no LANTERNA um bate papo experimental que deseja
prolongar o efeito da bofetada que, já na Rússia de 1912, Maiakóvski,
Burliuk, Kreuchenik e Khilebnikov desferiam no rosto da cultura
dominante. A seguir, a primeira bofetada:
Thyago lembra de sua recente viagem ao Rio de Janeiro e num clima
chuvoso que liga pelas nuvens condutoras de energia elétrica o vinho
de Rimbaud com a nudez das madrugadas na praia, decide pegar um taxi
amarelo-ovo-português com Afonso e chegar num bar que Nelson Rodrigues
frequentava(com muita sardinha frita e cerveja preta na mesa).
Afonso: Mas afinal de contas, Nelson era reacionário ou revolucionário?
Thyago:- Revolucionário!
Afonso:- É tão revolucionário quanto Vianinha!. Escuta Thyago,
soube que você está interessado em cinema...
Thyago:- É que nossas cabeças são cinematográficas, Afonso. A potência
desse suporte pode ser emancipador, do ponto de vista poético.Você pega um
Eisenstein, por exemplo, e a capacidade dele em produzir conceitos a partir
do encadeamento e montagem das imagens, é impressionante! Ou então os
filmes mais recentes do Godard, com longas digressões imagéticas sobre a
guerra, sobre a vida, etc. É a forma de poesia mais recente,
historicamente. (ou não, não é.)
Afonso:- Hoje no Brasil um poeta interessante pode ser cineasta
mas dificilmente um cineasta que está na praça do comércio pode ser
poeta...
Thyago:- Um cineasta que está na praça do comércio é um cineasta que
está na praça do comércio (risos)... Mas viu, estou lançando um livro de
poemas e fotomontagens!
Afonso:- Qual é o titulo?
Thyago:- Chama-se “O corpo-concreto”.
Afonso:- E qual é que é do seu livro?
Thyago:- Nasceu de uma concepção comum entre coisas que não
racionalizei ainda. Hoje em mim fotografia, cinema e poesia participam
de um mesmo tema: como o corpo é barrado pelo concreto? A experiência
corpórea sempre foi muito dificil pra mim. Falo especificamente da
possibilidade de experimentação.
Afonso:- Mas eu creio que seja assim com todo mundo (pelo menos no
ocidente). Eu não sei direito quais são as possibilidades expressivas
do meu corpo...
Thyago:- A Barbara Kruger diz em uma de suas
fotomontagens que "o corpo é um campo de batalha "
Afonso:- Você tá com Reich ou Foucault?
Thyago: - Reich! Mas Foucault tem uma grande contribuição que deve
ser incorporada ao debate da esquerda atual.
Afonso:- Aliás, a maioria da esquerda ainda não entende nada de
temas ligados ao corpo, ao inconsciente, à arte moderna e
contemporânea...
Thyago: - As preocupações estéticas da modernidade não se
restringiam ao estilo, era uma concepção maior, para inovar e
modificar a sociedade. A montagem, por exemplo, é revolucionária, é o
núcleo fundador da arte moderna. Tem o título de um livro dum arquiteto
trotskista francês que sintetiza isso tudo muito bem: “Quando o moderno era
uma causa e não um estilo”.
Afonso:- Mário Pedrosa dizia que "a arte é um exercício experimental
de liberdade”. Não é aí que está a possibilidade histórica para
desbloquear o corpo?
Thyago:- Isto é a libertação do corpo e de parte da vida.
Afonso:- Lógico, afinal, é preciso modificar paralelamente o modo
de produção.
Thyago:- Estes temas (experiência corpórea, normas sociais) não
podem ser propriedade de filósofos pós-estruturalistas, de artistas
pós-modernos. Porra: performace, é só isso?! A critica
marxista (militante, é claro) tem que abrir espaço para estes
temas (Reich está aí e não foi devidamente estudado pela esquerda!).
Esta é uma das maneiras de se escapar da militância boba, de só se enxergar
como militante quando entrega panfleto...
(Reich passa furtivamente e apanha uma sardinha frita.)
Afonso:- Sem contar toda aquela limitação eleitoreira...
Thyago:- Sim. Os surrealistas, por exemplo,
já discutiam a Revolução também enquanto ato poético.
Afonso:- Que está no corpo!
Thyago:- É o engajamento corporal! É o poético participando da
construção de um outro modo de vida.
Afonso:- O grilo é que, por incrivel que pareça, o stalinismo ainda
está introjetado nas discussões culturais da esquerda.
Thyago:- O stalinismo ainda é a grande sombra quando a esquerda fala
de arte. Todas as conquistas teóricas que Trotski e Alexandra Kollontai,
por exemplo, trazem no âmbito
das relações poéticas, o stalinismo procura destruir até hoje.
Afonso:- Inclusive sabemos que existem trotskistas que, na prática,
não passam de stalinistas de uma figa!
Thyago:-Na esfera cultural é certo. O que existe é
uma cobrança de transparência discursiva em arte, de imediatismo
político, de instrumentalização (em sua acepção miserável), que refletem de
modo geral o atraso destas discussões na
esquerda.
(Reich volta, desta vez com uma lata transparente de orgon)
Afonso:- A esquerda, de um modo geral, se atém ao atalho do conteúdo
político em arte. Você acha que existe arte revolucionária sendo feita
na esquerda de hoje?
Thyago: Existem pessoas na esquerda que ainda se inquietam com
isso, estão afim de pensar e produzir arte.O que existe, decerto, são
muitos artistas extremamente interessantes produzindo coisa séria,
experimentando os seus meios. Daria pra citar vários, como um Hans Haacke,
por exemplo. Mas tem bastante, muito menos do que gostaríamos, é claro!
(risos)
Afonso:- A verdade é que não existe saida fora da arte
revolucionária, seja na dimensão estética, seja na dimensão política.
Thyago:- Mas sem essa de panfletão “amem o papai Stálin”!
Afonso:- Arte para ser revolucionária tem que ser livre.
(Fecham-se as cortinas do primeiro papo)
ARTE POPULAR REVOLUCIONÁRIA:
As posições assumidas pelo Centro Popular de Cultura diante das
questões fundamentais da arte popular e da arte em geral não são
posições que derivam diretamente de uma reflexão exclusiva sobre os
problemas estéticos. Nós, artistas e intelectuais que compomos o
Centro Popular de Cultura, temos também nossas concepções estéticas,
mas a elas chegamos partindo de outras regiões da realidade. Assim
pensamos e assim agimos porque consideramos que a arte, bem como as
demais manifestações superiores da cultura, não pode ser entendida
como uma ilha incomunicável e independente dos processos materiais que
configuram a existência da sociedade. Nem tampouco acreditamos que ao
homem , por sua condição de artista, seja dado o privilégio de viver
em um universo á parte, liberto dos laços que o prendem á comunidade e
o acorrentam ás contradições, ás lutas e ás superações por meio das
quais a História nacional segue o seu curso. Antes de ser um artista,
o artista é um homem existindo em meio aos seus semelhantes e
participando, como um a mais, das limitações e dos ideais comuns, das
responsabilidades e dos esforços comuns, das derrotas e das conquistas
comuns. Ninguém pergunta ao artista se prefere viver dentro ou fora da
sociedade: o que se lhe pergunta é como pretende orientar sua vida e
produzir sua obra dentro da sociedade a que pertence inelutavelmente.
Ignorar esta questão ou desqualificar sua validez não é uma forma nem
de resolve-la, nem de elimina-la do conjunto das indagações que estão
na origem de toda atividade artística autêntica.
O artista que não se manifesta conscientemente sobre a posição que
assume diante da vida social só consegue esquivar-se a este dever de
um modo indireto e ilusório pois que em seu próprio trabalho, em sua
própria atividade produtora está contida sua definição como membro
integrante do todo social. O que não é declarado explicitamente pelo
artista alienado é dito implicitamente pela obra alienada. Querendo ou
não, sabendo ou não, o artista sempre se encontra diante de uma opção
radical: ou atuar decididamente e conscientemente interfirindo na
conformação e no destino do processo social ou transformar-se na
matéria passiva e amorfa sobre a qual se apoia este mesmo processo
para avançar; ou declarar-se um sujeito, um centro ativo de
deliberação e execução, ou não passar de um objeto, de um ponto morto
que padece sem conhecer, decide sem escolher e é determinado sem
determinar.
O artista que pratica sua arte situando seu pensamento e sua
atividade criadora exclusivamente em função da própria arte é apenas a
pobre vítima de um logro tanto histórico quanto existencial. O
aparecimento em cada época de uma pluralidade de escolas artísticas ,
de correntes, de direções estilísticas que mantem entre si lutas e
tensões continuadas leva o artista ideologicamente despreparado á
ilusão de que os fenômenos artísticos formam um todo único e autônomo
e parece-lhe assim que o surgimento e o desaparecimento de concepções
e correntes são fatos decididos na própria esfera da arte, são
ocorrências que se produzem pela ação de fatores artísticos imanentes,
sem qualquer referência as condições sociais e históricas. Para o
artista despolitizado a História da arte não constitui mais do que a
História das formas e dos problemas artísticos e a sucessão de estilos
é entendida como não sendo mais do que um simples jogo de pergunta e
resposta , de formulação e execução. Segundo este modo de ver, cada
artista, corrente ou geração só representa um esforço positivo na
medida em que tenha realizado cometimentos técnicos, inovado formas ou
resolvido problemas artísticos que até então desafiavam seus
predecessores. O artista deixa de ser visto como essencialmente e
acima de tudo um homem posto diante do mundo e tendo que dar respostas
não aos problemas intrínsecos á arte mas ás questões básicas
pertinentes ao saber, ao agir, ao crer e todas as demais questões
relativas á visão de mundo que lhes são formuladas diretamente pela
própria existência , daí descorrendo que a História da arte deixa de
ser vista como fato integrante da História do homem em seu esforço
para apropriar-se do mundo e faze-lo seu.
Este romântico alheamento do artista em relação á vida concreta dos
homens explica-se , entre outras razões, pela concepção idealista por
meio da qual o artista pensa e valoriza a posição e o papel da arte
dentro da sociedade. Perdido em seu transviamento ideológico , não se
dá conta que a arte quando vista do conjunto global dos fatos humanos
não é mais do que um dos elementos constitutivos da superestrutura
social, juntamente com as instituições e concepções políticas,
jurídicas, cientificas, religiosas e filosóficas existentes na
sociedade. Não vê a seguir que esta superestrutura longe de ter vida
autônoma e uma direção própria independente de qualquer influxo
exterior está, ao contrário, em estreita conexão com o conjunto das
relações de produção, que formam a estrutura econômica da sociedade. O
que distingue os artistas e intelectuais do CPC dos demais grupos e
movimentos existentes no país é a clara compreensão de que toda e
qualquer manifestação cultural só pode ser adequadamente compreendida
quando colocada sob a luz de suas relações com a base material sobre a
qual erigem os processos culturais de superestrutura. Precisamente por
meio dessa consciência dos condicionamentos a que está submetida a
nossa atividade artística e cultural é que adquirimos a possibilidade
de realizar um trabalho criador verdadeiramente livre. A liberdade de
que não desfruta a maioria dos artistas brasileiros, nós a
conquistamos ao compreender que nosso pensamento e nossa ação se
inserem num contexto social dominado por leis objetivas. É pelo
conhecimento das relações reais que se articulam os fenômenos uns aos
outros que se afasta o perigo da falsa consciência da liberdade
artística, porque somente tal conhecimento é capaz de possibilitar a
ação conforme as leis cientificas , ou seja, a ação que é
essencialmente livre porque é eficaz no mundo da objetividade e nunca
é esmagada e anulada pelas leis , visto que nunca se insurge contra
elas. Não ignorando as forças propulsoras que, partindo da base
econômica, determinam em larga medida nossas ideias e nossa prática,
não podemos ser vítimas das ilusões infundadas que convertem as obras
dos artistas brasileiros em dóceis instrumentos de dominação, em lugar
de serem, como deveriam ser, as armas espirituais da libertação
material e cultural do nosso povo.
O criador consciente dos suportes materiais que condicionam a
esfera da realidade em que atua está igualmente em condições de
compreender a exata medida em que cada setor da superestrutura pode
reagir dialeticamente sobre a base econômica e manter em relação a
esta base uma certa independência de movimentos. A importância desta
relativa autonomia da arte está em que é por aí capaz de se converter
numa força ativa e eficiente, apta aproduzir efeitos substanciais
sobre a estrutura material da sociedade. Tal fato constitui
precisamente, a própria condição e possibilidade de toda e qualquer
Arte Revolucionária e é dele que o CPC extrai a razão de ser o
fundamento primeiro de sua existência como entidade artística e
cultural de caráter popular e revolucionário. Se não fosse possível á
consciência o adiantar-se em relação ao ser social e converter-se,
dentro de certa medida, em uma força modificadora do ser social,
também não seriam exequíveis nem a Arte Revolucionária nem o CPC.
Trecho do Anteprojeto do Manifesto do CPC, 1962.
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