segunda-feira, 4 de março de 2013

ARTE POPULAR REVOLUCIONÁRIA:



As posições assumidas pelo Centro Popular de Cultura diante das
questões fundamentais da arte popular e da arte em geral não são
posições que derivam diretamente de uma reflexão exclusiva sobre os
problemas estéticos. Nós, artistas e intelectuais que compomos o
Centro Popular de Cultura, temos também nossas concepções estéticas,
mas a elas chegamos partindo de outras regiões da realidade. Assim
pensamos e assim agimos porque consideramos que a arte, bem como as
demais manifestações superiores da cultura, não pode ser entendida
como uma ilha incomunicável e independente dos processos materiais que
configuram a existência da sociedade. Nem tampouco acreditamos que ao
homem , por sua condição de artista, seja dado o privilégio de viver
em um universo á parte, liberto dos laços que o prendem á comunidade e
o acorrentam ás contradições, ás lutas e ás superações por meio das
quais a História nacional segue o seu curso. Antes de ser um artista,
o artista é um homem existindo em meio aos seus semelhantes e
participando, como um a mais, das limitações e dos ideais comuns, das
responsabilidades e dos esforços comuns, das derrotas e das conquistas
comuns. Ninguém pergunta ao artista se prefere viver dentro ou fora da
sociedade: o que se lhe pergunta é como pretende orientar sua vida e
produzir sua obra dentro da sociedade a que pertence inelutavelmente.
Ignorar esta questão ou desqualificar sua validez não é uma forma nem
de resolve-la, nem de elimina-la do conjunto das indagações que estão
na origem de toda atividade artística autêntica.
O artista que não se manifesta conscientemente sobre a posição que
assume diante da vida social só consegue esquivar-se a este dever de
um modo indireto e ilusório pois que em seu próprio trabalho, em sua
própria atividade produtora está contida sua definição como membro
integrante do todo social. O que não é declarado explicitamente pelo
artista alienado é dito implicitamente pela obra alienada. Querendo ou
não, sabendo ou não, o artista sempre se encontra diante de uma opção
radical: ou atuar decididamente e conscientemente interfirindo na
conformação e no destino do processo social ou transformar-se na
matéria passiva e amorfa sobre a qual se apoia este mesmo processo
para avançar; ou declarar-se um sujeito, um centro ativo de
deliberação e execução, ou não passar de um objeto, de um ponto morto
que padece sem conhecer, decide sem escolher e é determinado sem
determinar.
O artista que pratica sua arte situando seu pensamento e sua
atividade criadora exclusivamente em função da própria arte é apenas a
pobre vítima de um logro tanto histórico quanto existencial. O
aparecimento em cada época de uma pluralidade de escolas artísticas ,
de correntes, de direções estilísticas que mantem entre si lutas e
tensões continuadas leva o artista ideologicamente despreparado á
ilusão de que os fenômenos artísticos formam um todo único e autônomo
e parece-lhe assim que o surgimento e o desaparecimento de concepções
e correntes são fatos decididos na própria esfera da arte, são
ocorrências que se produzem pela ação de fatores artísticos imanentes,
sem qualquer referência as condições sociais e históricas. Para o
artista despolitizado a História da arte não constitui mais do que a
História das formas e dos problemas artísticos e a sucessão de estilos
é entendida como não sendo mais do que um simples jogo de pergunta e
resposta , de formulação e execução. Segundo este modo de ver, cada
artista, corrente ou geração só representa um esforço positivo na
medida em que tenha realizado cometimentos técnicos, inovado formas ou
resolvido problemas artísticos que até então desafiavam seus
predecessores. O artista deixa de ser visto como essencialmente e
acima de tudo um homem posto diante do mundo e tendo que dar respostas
não aos problemas intrínsecos á arte mas ás questões básicas
pertinentes ao saber, ao agir, ao crer e todas as demais questões
relativas á visão de mundo que lhes são formuladas diretamente pela
própria existência , daí descorrendo que a História da arte deixa de
ser vista como fato integrante da História do homem em seu esforço
para apropriar-se do mundo e faze-lo seu.
Este romântico alheamento do artista em relação á vida concreta dos
homens explica-se , entre outras razões, pela concepção idealista por
meio da qual o artista pensa e valoriza a posição e o papel da arte
dentro da sociedade. Perdido em seu transviamento ideológico , não se
dá conta que a arte quando vista do conjunto global dos fatos humanos
não é mais do que um dos elementos constitutivos da superestrutura
social, juntamente com as instituições e concepções políticas,
jurídicas, cientificas, religiosas e filosóficas existentes na
sociedade. Não vê a seguir que esta superestrutura longe de ter vida
autônoma e uma direção própria independente de qualquer influxo
exterior está, ao contrário, em estreita conexão com o conjunto das
relações de produção, que formam a estrutura econômica da sociedade. O
que distingue os artistas e intelectuais do CPC dos demais grupos e
movimentos existentes no país é a clara compreensão de que toda e
qualquer manifestação cultural só pode ser adequadamente compreendida
quando colocada sob a luz de suas relações com a base material sobre a
qual erigem os processos culturais de superestrutura. Precisamente por
meio dessa consciência dos condicionamentos a que está submetida a
nossa atividade artística e cultural é que adquirimos a possibilidade
de realizar um trabalho criador verdadeiramente livre. A liberdade de
que não desfruta a maioria dos artistas brasileiros, nós a
conquistamos ao compreender que nosso pensamento e nossa ação se
inserem num contexto social dominado por leis objetivas. É pelo
conhecimento das relações reais que se articulam os fenômenos uns aos
outros que se afasta o perigo da falsa consciência da liberdade
artística, porque somente tal conhecimento é capaz de possibilitar a
ação conforme as leis cientificas , ou seja, a ação que é
essencialmente livre porque é eficaz no mundo da objetividade e nunca
é esmagada e anulada pelas leis , visto que nunca se insurge contra
elas. Não ignorando as forças propulsoras que, partindo da base
econômica, determinam em larga medida nossas ideias e nossa prática,
não podemos ser vítimas das ilusões infundadas que convertem as obras
dos artistas brasileiros em dóceis instrumentos de dominação, em lugar
de serem, como deveriam ser, as armas espirituais da libertação
material e cultural do nosso povo.
O criador consciente dos suportes materiais que condicionam a
esfera da realidade em que atua está igualmente em condições de
compreender a exata medida em que cada setor da superestrutura pode
reagir dialeticamente sobre a base econômica e manter em relação a
esta base uma certa independência de movimentos. A importância desta
relativa autonomia da arte está em que é por aí capaz de se converter
numa força ativa e eficiente, apta aproduzir efeitos substanciais
sobre a estrutura material da sociedade. Tal fato constitui
precisamente, a própria condição e possibilidade de toda e qualquer
Arte Revolucionária e é dele que o CPC extrai a razão de ser o
fundamento primeiro de sua existência como entidade artística e
cultural de caráter popular e revolucionário. Se não fosse possível á
consciência o adiantar-se em relação ao ser social e converter-se,
dentro de certa medida, em uma força modificadora do ser social,
também não seriam exequíveis nem a Arte Revolucionária nem o CPC.


Trecho do Anteprojeto do Manifesto do CPC, 1962.

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