O teatro de ontem reproduzia a vida do homem com uma certa
precisão, repetia a noite as sensações vividas, e aquelas que encontravam no
palco uma vida desconhecida achavam graça porque não tinham vivido ainda
aquelas sensações, os outros bocejavam.
O homem mudou, uma
parte do seu pensamento procura a análise cientifica das coisas, a outra parte
anseia por alguma coisa que ele não sabe bem o que é, um desejo inconsciente
transformado em angustia, pela indecisão, uma projeção de sensações recalcadas
no passado, uma revolta. É como se essas sensações aparecessem todas ao mesmo
tempo buscando eroticamente, procurando uma sublimação.
Esta ânsia se
manifesta com pouca freqüência no passado dominado pelo pensamento de renuncia
a um Deus inconveniente, concentrou na repetição das coisas. O homem copiava o
seu vizinho e respeitava os seus avós. Um outro revoltoso heróico apareceu
romanticamente transformando a ciência, o modo de pensar, a arte.
O século encontra a
idéia religiosa de repetir dogmas um tanto confusa. Aparece essa angustia
indecisa, armazenada durante milhares de anos, o homem busca porque a pesquisa
insólita acalma os seus nervos. Esse desejo não métrico é o fator gerador de
toda arte, é o entusiasmo biológico que produz, maravilhoso, livre de religião,
casta, de família.
A idéia de cenário
para mim forma um único conjunto com a idéia de teatro. Separar um do outro é
um ato de cretinismo dificilmente crível. O teatrólogo também deve saber fazer
cenários ou vice versa. O problema é um só: movimentar coisas iluminadas e
sonoras para provocar uma reação sensacional na assistência.
Não importa se os
atores são fixos e sonoros e os cenários em movimento e vice versa, ou uma
combinação desses. A arte consiste em apresentar uma série de sensações visuais
e sonoras e provocar a assistência uma emoção profunda que forçosamente varia
com a capacidade de perceber do assistente.
O cenário não
precisa ter nenhuma significação objetiva, não precisa representar os objetos
que encontramos na vida. O cenário, os
atores, o som, a iluminação devem formar um aglomerado de coisas em movimento,
um conjunto emotivo sensacional , provocando no homem uma reação sublimativa ,
exitando o seu erotismo possivelmente contido pela civilização, jubilosamente
fecundando a sua alma com novos desejos.
O continuo teatro
assistência não é um dogma místico, criação de um decreto como a virgindade de
Maria ou a brancura do Espírito santo, ele é um campo de expansão da imaginação
do homem, ele simboliza o entusiasmo, ele é um meio sonoro e visual
psiquicamente tátil de mostrar ao mundo quanto o homem pode raciocinar.
Na associação livre
de idéias na psicanálise o paciente se manifesta por meio da palavra e portanto
é quase forçado a se referir a objetos que existem na realidade, deixando de
lado, muitos que lhe vem a mente e que a palavra não exprime. O teatro nesse
sentido é mais completo porque pode apresentar uma associação muito mais livre
que aquela que a psicanálise tira do inconsciente do homem.
O cenógrafo que
pinta formas na tela e constrói formas sólidas não necessita que essas formas
representem a realidade. O meio de expressão é mais livre que o da psicanálise
que não é nada livre e está mal classificada. O som inarticulado é também de
grande importância como elemento de composição expressiva, assim é a música sem
estrutura(ao que parece a psicanálise é tão limitada que não leva em conta essa
manifestação inconsciente).
Todas essas
manifestações existem no teatro de hoje de uma maneira separada e elaborada ,
vê-se que uma não faz parte da outra , a idéia do conjunto desaparece,
desaparece portanto uma das idéias da arte.
O teatro como o amor
deve ser livre, sem restrição; a causa da desunião dos elementos do palco
é a restrição, ela desgruda os
elementos.
Nenhuma exigência
orgânica decreta um limite ao pensamento do homem, como querem os nocivos
passadistas.
Vi uma vez um ditado
curioso e certamente interessante: “ um povo sem visão perece”. Os nossos
teatrólogos são verdadeiras maquinas de repetir, nós somos neste momento um
povo sem visão.
Flávio de Carvalho, 1931.
Nenhum comentário:
Postar um comentário