segunda-feira, 4 de março de 2013

NOVA BOFETADA NO GOSTO PÚBLICO (Parte 1): MONTAGEM, REICH E COSMOLOGIA




Superar o abismo que separa hoje Arte e Revolução é tarefa para
aqueles que desejam limpar a poeira e os mal-entendidos que envolvem
estes dois conceitos. Missão aparentemente suicida de pessoas
loucamente devotadas à liberdade em sua profundidade feita de luz,
ódio, amor e fervor. Hoje no LANTERNA nos sentimos mais fortes graças
ao reforço que nossa trincheira cultural recebe: na campanha militar
das artes, Thyago Villela integra o pelotão de frente com tamanha
bravura intelectual que vale por uma vanguarda inteira. Este jovem
militante trotskista é o mais novo colaborador do nosso blog. Além de
teórico das artes é também poeta e artista plástico. Ele e Afonso
Machado inauguram no LANTERNA  um bate papo experimental que deseja
prolongar o efeito da bofetada que, já na Rússia de 1912, Maiakóvski,
Burliuk, Kreuchenik e Khilebnikov desferiam no rosto da cultura
dominante.  A seguir, a primeira bofetada:



Thyago lembra de sua recente viagem ao Rio de Janeiro e num clima
chuvoso que liga pelas nuvens condutoras de energia elétrica o vinho
de Rimbaud com a nudez das madrugadas na praia, decide pegar um taxi
amarelo-ovo-português com Afonso e chegar num bar que Nelson Rodrigues
frequentava(com muita sardinha frita e cerveja preta na mesa).



Afonso: Mas afinal de contas, Nelson era reacionário ou revolucionário?


   Thyago:- Revolucionário!

    Afonso:- É tão revolucionário quanto Vianinha!. Escuta Thyago,
soube que você está interessado em cinema...

    Thyago:- É que nossas cabeças são cinematográficas, Afonso. A potência
desse suporte pode ser emancipador, do ponto de vista poético.Você pega um
Eisenstein, por exemplo, e a capacidade dele em produzir conceitos a partir
do encadeamento e montagem das imagens, é impressionante! Ou então os
filmes mais recentes do Godard, com longas digressões imagéticas sobre a
guerra, sobre a vida, etc. É a forma de poesia mais recente,
historicamente. (ou não, não é.)

    Afonso:- Hoje no Brasil um poeta interessante pode ser cineasta
mas dificilmente um cineasta que está na praça do comércio pode ser
poeta...

   Thyago:- Um cineasta que está na praça do comércio é um cineasta que
está na praça do comércio (risos)... Mas viu, estou lançando um livro de
poemas e fotomontagens!

   Afonso:- Qual é o titulo?

   Thyago:- Chama-se “O corpo-concreto”.

   Afonso:- E qual é que é do seu livro?

   Thyago:- Nasceu de uma concepção comum entre coisas que não
racionalizei ainda. Hoje em mim fotografia, cinema e poesia participam
de um mesmo tema: como o corpo é barrado pelo concreto? A experiência
corpórea sempre foi muito dificil pra mim. Falo especificamente da
possibilidade de experimentação.

   Afonso:-  Mas eu creio que seja assim com todo mundo (pelo menos no
ocidente). Eu não sei direito quais são as possibilidades expressivas
do meu corpo...

  Thyago:- A Barbara Kruger diz em uma de suas
fotomontagens que "o corpo é um campo de batalha "

  Afonso:- Você tá com Reich ou Foucault?

  Thyago: - Reich! Mas Foucault tem uma grande contribuição que deve
ser incorporada ao debate da esquerda atual.

   Afonso:- Aliás, a maioria da esquerda ainda não entende nada de
temas ligados ao corpo, ao inconsciente, à arte moderna e
contemporânea...

   Thyago: - As preocupações estéticas da modernidade não se
restringiam ao estilo, era uma concepção maior, para inovar e
modificar a sociedade. A montagem, por exemplo, é revolucionária, é o
núcleo fundador da arte moderna. Tem o título de um livro dum arquiteto
trotskista francês que sintetiza isso tudo muito bem: “Quando o moderno era
uma causa e não um estilo”.

   Afonso:- Mário Pedrosa dizia que "a arte é um exercício experimental
de liberdade”. Não é aí que está a possibilidade histórica para
desbloquear o corpo?

   Thyago:- Isto é a libertação do corpo e de parte da vida.

    Afonso:- Lógico, afinal, é preciso modificar paralelamente o modo
de produção.

    Thyago:- Estes temas (experiência corpórea, normas sociais) não
podem ser propriedade de filósofos pós-estruturalistas, de artistas
pós-modernos. Porra: performace, é só isso?! A critica
marxista (militante, é claro) tem que abrir espaço para estes
temas (Reich está aí e não foi devidamente estudado pela esquerda!).
Esta é uma das maneiras de se escapar da militância boba, de só se enxergar
como militante quando entrega panfleto...


(Reich passa furtivamente e apanha uma sardinha frita.)

    Afonso:- Sem contar toda aquela limitação eleitoreira...

    Thyago:- Sim. Os surrealistas, por exemplo,
já discutiam a Revolução também enquanto ato poético.

    Afonso:- Que está no corpo!

    Thyago:- É o engajamento corporal! É o poético participando da
construção de um outro modo de vida.

   Afonso:- O grilo é que, por incrivel que pareça, o stalinismo ainda
está introjetado nas discussões culturais da esquerda.

  Thyago:- O stalinismo ainda é a grande sombra quando a esquerda fala
de arte. Todas as conquistas teóricas que Trotski e Alexandra Kollontai,
por exemplo, trazem no âmbito
das relações poéticas, o stalinismo procura destruir até hoje.

  Afonso:- Inclusive sabemos que existem trotskistas que, na prática,
não passam de stalinistas de uma figa!

  Thyago:-Na esfera cultural é certo. O que existe é
uma cobrança de transparência discursiva em arte, de imediatismo
político, de instrumentalização (em sua acepção miserável), que refletem de
modo geral o atraso destas discussões na
esquerda.

 (Reich volta, desta vez com uma lata transparente de orgon)


   Afonso:- A esquerda, de um modo geral, se atém ao atalho do conteúdo
político em arte. Você acha que existe arte revolucionária sendo feita
na esquerda de hoje?

   Thyago: Existem pessoas na esquerda que ainda se inquietam com
isso, estão afim de pensar e produzir arte.O que existe, decerto, são
muitos artistas extremamente interessantes produzindo coisa séria,
experimentando os seus meios. Daria pra citar vários, como um Hans Haacke,
por exemplo. Mas tem bastante, muito menos do que gostaríamos, é claro!
(risos)

  Afonso:- A verdade é que não existe saida fora da arte
revolucionária, seja na dimensão estética, seja na dimensão política.

  Thyago:- Mas sem essa de panfletão “amem o papai Stálin”!

   Afonso:- Arte para ser revolucionária tem que ser livre.



 (Fecham-se as cortinas do primeiro papo)

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