Hoje somos bandidos finalmente atacados pela sagrada SS-CC, pela eficiência suíça da censura federal - hoje estamos nós sem família, sem tradição e sem propriedade , talvez muito mais próximos da verdade do Gigante Explorado, também sem tradição, sem família e sem propriedade.
Enquanto nós artistas ciscarmos o lixo cultural europeu ou americano, para restaurá-lo, reconstrui-lo e remenda-lo ou industrializa-lo, não haverá problemas. Mas, no meio da carniça, a qualquer ousadia de criação de algo novo, fatalmente os exércitos todos acorrerão. O establishment que para um efeito de unidade de linguagem podemos chamar indevidamente de lei - não vai permitir que se consuma nada de realmente criativo. Num país explorado como o nosso, o novo é inevitavelmente revolucionário, em qualquer campo, e por isto esta lei não pode permitir que seja consumido. Há uma ideia importada que aqui chega como um lixo cultural , de que somos uma pura sociedade de consumo(???) e que portanto todo protesto é consumido pelo sistema - alienação mais pura. Aí estão as ameaças, os ataques, as proibições, as podações para impedir isso. Uma sociedade que caminha para o fascismo não pode se dar ao luxo de um prazer antropofágico e total como o da arte criadora. Ela só pode se permitir ás sopinhas ralas e amenas que o imperialismo enlata e distribui para seus impérios. E, depois, não se esquecer de que livros e fuzis foram feitos para serem consumidos.
Os que fazem arte no Brasil sabem que a situação é clara e que nela nós vamos conseguir fazer aparecer somente 10% do que nós artistas podemos dar dos nossos 20 %. Todos sabemos que seremos os cineastas de, no máximo, dez filmes pela vida toda, diretores de uma peça de teatro cada ano, que faremos nada vezes nada na TV, e que nossa melhor produção musical ficará para nossos amigos. Eu confesso que faço teatro porque encontro no teatro uma satisfação, um prazer que só o bandido encontra no banditismo. Entretanto eu sei que fracassarei como homem de teatro. Na realidade minhas obras completas ficarão reduzidas a três ou quatro volumes e o resto eu vou ter que engolir juntamente com a minha raiva de tudo. E talvez esse resto seja o mais importante de minha vida. No Brasil não há condições de criar com nenhuma liberdade. Vamos engolir nossa obra. Vamos Guarda-Covarde. O que vamos fazer com isso que não foi feito, mas que é a nossa real contribuição criadora? Para onde irá esta energia que surge eufórica quando descobre o caminho, para depois ter que se recalcar reprimida pelo mundo policial aterrorizado com o poder da arte?
É preciso mostrar ao homem brasileiro um teatro que perturbe o repouso dos sentidos, liberte o inconsciente recalcado, estimule a revolta virtual, imponha á coletividade reunida na sala uma atitude simultaneamente difícil e heroica - isto é Artaud. Um teatro que mate o indivíduo como intelectual, como artista e cultura numa sociedade que não permite que ele exista e o faça renascer como revolucionário.
José Celso Martinez Corrêa, 1968(?)
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