quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DO ROMANCE SOCIAL " O QUINZE ", DE RAQUEL DE QUEIROZ

Encostado ao mourão da porteira de paus corridos, o vaqueiro das Aroeiras aboiava dolorosamente, vendo o gado sair(...)Algumas reses, sem ir mais longe, começavam a babujar a poeira do panasco que ainda palhetava o chão nas clareiras da caatinga. Outras, mais tenazes, seguiam cabisbaixas, na mesma marcha pensativa, a cauda abanando lentamente as ancas descarnadas. Chico Bento parou. Alongou os olhos pelo horizonte cinzento. O pasto, as várzeas, a caatinga, o marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho. O próprio leito das lagoas vidrara-se em torrões de lama ressequida, cortada aqui e além por alguma pacavira defunta que retorcia as folhas empapeladas. Depois olhou um garotinho magro, que, bem pertinho, mastigava sem ânimo uma vergôtea estorricada. E ao dar as costas, rumo á casa, de cabeça curvada como sob o peso do chapéu de couro, sentindo nos olhos secos pela poeira e pelo sol uma frescura desacostumada e um penoso arquejar no peito largo, murmurou desoladamente: " Ó sorte, meu Deus! Comer cinza até cair morto de fome !" .

                                             Raquel de Queiroz, 1930.

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