domingo, 18 de agosto de 2013

ARTE, SINDICALISMO E A LIÇÃO PUNK

 A grande rebelião iniciada com as jornadas de junho está longe de chegar ao fim. Este estouro libertário abriu uma fenda na realidade brasileira, revelando as fraturas expostas da cultura oficial engendrada pelo Estado capitalista.Quanta encrenca para os ricos e engravatados! Parece que cada sorriso fajuto dos anúncios publicitários está ameaçado por um cocktail molotov. O curioso nisso tudo é que toda esta revolta não surgiu das contradições entre capital e trabalho mas da energia batuta de setores da juventude que dizem não, não, não e não a uma esquerda burocratizada e a uma direita golpista. Enquanto a garotada faz uso de uma linguagem revolucionária, produzindo uma estética que assusta o playboy, o movimento dos trabalhadores vive apegado ás imagens que não querem romper com o capitalismo: os pelegos de hoje em dia incutem na cabeça do proletariado sonhos de consumo baseados em automóveis, bundas flutuantes, espetinhos de carne com farofa, produtos eletrônicos e músicas de chiclete cujo gosto desaparece dos ouvidos em poucas semanas. Diante da crise econômica que já faz a água bater na cabeça, será que os sindicatos não podem ir mais a fundo do ponto de vista político e cultural?
  Existe um grande descompasso entre as práticas culturais sindicais e a sensibilidade anárquica que fomenta as rebeliões dos nossos dias. O Black Bloc assusta os ricaços primeiramente pelo seu visual agressivo , que do ponto de vista histórico tem a ver com os movimentos anti globalização do começo do século e mais especificamente com o anarco-punk. Já o nosso sindicalismo rende um culto conformista que se manifesta desde os desenhos publicados na imprensa das categorias operárias (o traçado infantil muitas vezes é acompanhado da mensagem populista) chegando até as músicas que babam em eventos populares. Acredito que para não justificar a repressão policial, a violência tem que ser simbólica e mobilizadora do proletariado: o sindicalismo também deve ser um contexto para experimentações artísticas, para a educação visual que propicia a criação de imagens e símbolos anticapitalistas. Mas enquanto houver uma política conciliadora com as grandes empresas e consequentemente com as imagens e os valores que pretendem converter o trabalhador em consumidor e não em sujeito histórico, as manifestações culturais no mundo do trabalho tendem a ser reacionárias.
  Precisamos cortar este papo furado de que só a classe média está nas ruas: além da estudantada o movimento anarco punk, que marca presença, envolve pessoas originárias tanto da classe média quanto do meio operário(e como tem sido triste observar alguns jovens que se acham punks serem usados como massa de manobra por grupos de direita e de extrema direita nas manifestações de rua). Contradições a parte, as grandes lições estéticas para os lutadores de rua ainda é o punk. Apesar de todas as tentativas da mídia em cooptar o seu visual ou criminalizar as suas ideias, o punk vem apresentando uma grande capacidade de se perpetuar nas últimas décadas como a principal referência cultural na contestação ao chiqueiro burguês. Além das inúmeras influências artísticas nos protestos que vão dos cartazes com referências ao construtivismo russo e a arte pop, as formas punks em suas históricas derivações presentes na arte de rua, vem dando o tom anárquico das manifestações: rostos cobertos, jeans surrado, visual dark, skate em ocupações, gritos e ações que ainda se encaixam no rock sujo e agressivo de três acordes, etc. As ligações históricas do punk com o anarquismo e em menor escala com o comunismo são muitas, apesar das ambiguidades e das confusões ideológicas que em muitos momentos levaram a aproximação do movimento com a extrema direita. 
 Em seu internacionalismo o punk, que explodiu na segunda metade dos anos setenta , renovou o projeto político da anarquia e mostrou para a esquerda localizada no freezer(e que em parte encontra-se ainda congelada...) a necessidade de fazer uso de meios independentes para a criação de uma cultura que devolve na mesma moeda a violência capitalista. Eis um ponto central para não se cair no discurso midiático na hora de julgar as ações do Black Bloc: a violência parte primeiramente do Estado estruturado na propriedade privada e na exploração do trabalho. O grito anárquico que para a garotada de hoje tem sua origem na revolta punk, é uma resposta estética e política ao sistema; a agressividade no visual, na música e em toda extensão simbólica do punk são reações que não podem ser julgadas antes de se colocar em cheque a violência do próprio capitalismo(que o punk denuncia).
  Por que não poderia ocorrer no Brasil um diálogo profundo entre a cultura punk e as práticas culturais dos sindicatos? Qualquer resposta nacionalista é aniquilada pelo próprio punk que torna-se a ferramenta comum entre jovens trabalhadores de vários países ainda hoje. Punk e movimento operário pertencem ao mesmo caldo, é só lembrar por exemplo da banda de punk rock inglesa Crisis, cujos membros militavam nos anos oitenta em organizações como Socialist Works Party e Internacional Marxist Group(agrupamento de trotskistas ingleses). 
 Ou o sindicalismo incorpora a estética que vem das ruas ou morre congelado.


                                                        Marta Dinamite
   

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