Não sendo esta exposição destinada ao público burguês ou pequeno-burguês, nos parece adequado substituirmos a solene expressão " senhoras e senhores " por companheiras e companheiros. A carga ideológica que estes termos possuem é de extrema importância para situarmos com precisão a quais fins as palavras que vem a seguir servem.Se nos encontramos aqui reunidos para contribuirmos com o debate cultural dentro da perspectiva do socialismo, é com muita alegria que gostaríamos de tratar da discussão e da produção daquilo que julgamos ser arte revolucionária.Este tema é abordado aqui a partir do ponto de vista militante. Tal atitude se fundamenta no fato de que para nós arte é trabalho, produção, luta, construção, ideologia e não entretenimento ou passa tempo dramático para " gênios " comprometidos com o capital. Antes de examinarmos o que significa e o que pode significar arte revolucionária, enfatizando especialmente a importância estratégica do audiovisual hoje, vejamos o que a atual conjuntura exige de todos nós.
Sabemos como são grandes os esforços dos artistas e dos intelectuais, atrelados ao capitalismo, para desmoralizar aqueles que defendem as necessárias relações entre arte e política, no sentido de traduzir a luta política pela transformação social. Um exemplo recente disso foi quando durante a última edição da Feira Internacional de Paraty(a FLIP) o escritor irlandês John Banville disse(sob aplausos entusiasmados do público...) que " não dá para misturar arte e política ". Este acontecimento representa apenas uma pequena parte do que assistimos diariamente em muitas universidades, escolas e veículos de imprensa. Porém, é diante desta situação(compreensível já que o capitalismo possui os seus paladinos, mesmo quando estes são artistas ou teóricos das artes), que temos a certeza de estarmos aqui diante do público certo: São vocês, ou seja militantes revolucionários, que possuem as condições históricas para produzir arte revolucionária. Estejam certos que não serão os patéticos " artistas profissionais " que infectam os meios de comunicação de massa bem como as escolas e instituições artísticas, que irão avançar neste terreno. As condições econômicas do proletariado somadas aos esforços de militantes e estudantes, devem se resolver simbolicamente na elaboração de uma arte rebelada. Companheiros! Esta arte, enquanto possibilidade, já existe: com as jornadas de junho uma grande quantidade de cartazes, vídeos e outras expressões artísticas vem ganhando corpo(e tudo indica que elas devem se desenvolver durante os próximos tempos).
No atual contexto técnico, a facilidade para se publicar textos literários e imagens, assim como editar vídeos e canções, comprovam que os meios de produção artísticos tendem cada vez mais a se socializarem, deixando de ser tão somente meios controlados pela burguesia. Entretanto, como e o que criar? Se julgamos que a arte possui um papel revolucionário, então devemos compreender como arte e revolução podem se fundir na palavra de ordem arte revolucionária. Alguém poderia perguntar: " Mas como a arte pode ser revolucionária quando não existe nenhuma Revolução política acontecendo? ". Nós respondemos que a Revolução não é um processo homogêneo e sem nos preocuparmos em data-la, defendemos que a arte participa ativamente da construção da realidade revolucionária: a experiência estética atinge uma dimensão que a política institucional não consegue faze-lo, ou seja, o dado sensível, a percepção, que deve ser revolucionada para que o homem que fala em socialismo não seja espiritualmente condicionado pela educação e pela cultura burguesas.
O sentido tradicional da palavra arte sobrevive de maneira hipócrita e um tanto constrangedora nas mercadorias: As Belas Artes, a " alta " literatura, o teatro plantado no palco italiano, assim como as obras prestigiadas da música e do cinema, não passam de mercadorias luxuosas num momento em que a arte contemporânea destruiu os limites entre a representação e a coisa representada, e a cultura de massa já possui os seus " clássicos "( hoje em dia até comercial de sabão em pó pode ser celebrado enquanto obra de arte clássica!). Sem dúvida que o proletariado deve apropriar-se das tradições da " alta cultura ", afinal era o que Lênin e Trotski já defendiam no século passado. Entretanto, gostaríamos de chamar a atenção para uma tradição de ruptura, que no atual momento histórico pode ser relida pelos trabalhadores da cultura que encontram nela elementos estéticos a serem aproveitados: os movimentos de vanguarda(futurismo, cubismo, expressionismo, construtivismo, etc), a revolta dadaísta, a experiência libertária do surrealismo, a arte pop, a arte concreta brasileira, a contracultura, a estética punk, a moderna literatura engajada, o teatro político moderno, cinema de autor, etc. É preciso que toda esta herança que já anunciava o fato de não existir saída para a arte(e para a expressão humana) dentro do capitalismo, esteja hoje nas mãos da classe operária. Isto não significa que os trabalhadores não possam encontrar um fermento combativo dentro do seu próprio cotidiano: o folclore e as tradições regionalistas assim como as culturas do samba e do hip hop do mundo urbano, são trilhas vitais por onde passa a arte revolucionária.
Diante disso tudo, uma segunda pergunta pode ser feita: " Arte revolucionária seria tão somente aquela que tem por tema, por objeto, os dramas do proletariado ou aquela que pela sua linguagem anárquica e rebelde ataca a sociedade burguesa? ". Ou ainda: " Seria uma arte que apresenta novas relações com o espaço, com o corpo e revela a subversão dos signos da cultura dominante?". Afirmamos que a resposta passa por todas essas diferentes resoluções estéticas ,pois fundamental para se pensar arte revolucionária é primeiramente ter a clareza de que ela é necessariamente plural. Devemos no entanto, chamar a atenção para uma questão importante sobre as relações entre as formas artísticas e a temática política: cabe ao artista em sua liberdade tratar da política dentro da sua própria expressão e não submeter a segunda á primeira; afinal de contas o stalinismo já apresentou exemplos desastrosos ao submeter a arte aos ditames políticos. Quem seria o artista revolucionário, ideologicamente falando? Não tem o menor sentido aprisionar a produção e o significado político da arte revolucionária a uma determinada corrente ideológica. Acreditamos que dentro da ótica anticapitalista, socialistas, comunistas e anarquistas não devam se preocupar com qualquer tipo de barreira estética entre si.
Devemos voltar agora ás novas realidades produtivas da imagem. Numa sociedade aonde o audiovisual impulsionado pela mídia televisiva e amplamente pelo digital, torna-se uma forma de dominação e controle ideológico, não restam dúvidas de que as câmeras em punho revelam uma estratégia que não pode ser politicamente ignorada. Com o limite tradicional entre as linguagens artísticas finalmente superado, tanto o poeta quanto o pintor, e mais importante, o trabalhador, que produz arte, compreendem a câmera enquanto ferramenta de resistência. Se o olhar conservador paira sobre nós com discursos publicitários e religiosos, o olhar revolucionário nasce e se multiplica com a imagem em movimento.
Estratégico portanto é redimencionalizar o papel social do cinema que não está mais apenas nas salas escuras de exibição, mas em centenas de telas que funcionam ao mesmo tempo em vários suportes diferentes!Cabe a nós, companheiros, entendermos que a câmera é tão fundamental quanto o cartaz e o panfleto, com o acréscimo de que ela potencializa esteticamente a educação revolucionária das massas.
Por fim, enquanto militantes da cultura que concentram parte de seus esforços num blog denominado Lanterna, alegamos a necessidade da criação de outras publicações de arte revolucionária. Nós temos os meios, resta agora nos apropriarmos da tradição e dialeticamente criarmos manifestações que contribuam para a ruína da civilização capitalista. Este será o momento em que a arte não será oficio de especialistas e mercadoria luxuosa. Vamos com nossas ações construir esta evidência histórica.
Orestes Toledo/Afonso Machado
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