Mais do que uma referência teórica, Oswald de Andrade é um companheiro de ideias indispensável nos caminhos do nosso blog. Ele foi um revolucionário na medida em que ao engendrar a subversão na forma e no conteúdo, acabou por conceber a literatura e a arte enquanto materiais inflamáveis. Seu humor corrosivo e sua violência estética são lições no combate ao lado sisudo, solene e careta de uma boa parte da esquerda, que precisa ser descolonizada(a destruição da cultura dominante depende disso). É com muito entusiasmo que publicamos aqui o trecho de um desconhecido manifesto de Oswald: " Á luz da dialética marxista, o papel do artista... ", vinculado á Associação dos Escritores e Artistas Revolucionários de São Paulo, durante a década de trinta. O texto que já foi apresentado pela historiadora Mirna Aragão em seu ensaio " Oswald de Andrade em dois tempos: a militância e o moderno através de O Rei da Vela "(este integra a interessantíssima obra " Livros Vermelhos: literatura, trabalhadores e militância no Brasil ", organizado pelo historiador Marcelo Badaró Mattos), pertence a um momento ainda pouco estudado da obra e da vida de Oswald: os anos trinta.
O motivo para este silêncio parcial(afinal já foram lançados estudos bacanas sobre a obra de Oswald nesta época) está na cara, já que a década de trinta envolveu a militância comunista do escritor( isso perturba boa parte dos acadêmicos que usam só a mão direita na hora de colocar os óculos). Oswald e a igualmente fundamental escritora Patrícia Galvão(que nos influencia tanto quanto o primeiro) arrebentaram a boca do balão através de uma ousada militância artística e política nos tensos anos 30. Logicamente não dá pra engolir tudo o que o Oswald Vermelho diz, mas mesmo quando ele tenta ser stalinista, seu temperamento anarquista e sua natureza antropofágica o levam, como é sabido, ao maravilhoso paradoxo do " marxismo libertário ".
A iniciativa de publicar este documento referência dentro da Arte Revolucionária, partiu especificamente da rapaziada do movimento antropofágico da Terceira Dentição, que atua bravamente na cidade de Campinas desde 2007 e colabora com o Lanterna desde a sua fundação, em 2011. Cabe destacar que a turma da Terceira Dentição(que debate entre si e inclusive discorda de várias passagens do presente manifesto) se ocupa, há quase um ano em suas pesquisas estéticas, do estudo da obra de Oswald de Andrade nos anos trinta. A seguir, o trecho do manifesto.
CONSELHO EDITORIAL LANTERNA
Á LUZ DA DIALÉTICA MARXISTA, O PAPEL DO ARTISTA...
Á luz da dialética marxista, o papel do artista, detentor do patrimônio artístico coletivo, adquire um poderoso sentido.
A lógica da luta de classes impõe-se ao artista em todas as suas consequências, ele lhe pergunta quem ele deve seguir, contra quem ele deve lutar.
O desenvolvimento acelerado dos acontecimentos, as perturbações percussoras de revolução, o socialismo triunfante na URSS, obrigam-no a tomar partido(...)
Em todos os países vindos de todos os horizontes, saídos de todas as classes sociais os intelectuais se levantam para a luta e protestam.
Não há pretexto com que o artista possa legitimar a sua neutralidade social.
O artista é sempre um ser social misturado ao meio social, cujo papel é transcrever pelos meios que lhe confere a vida econômica, a substância da sua época e nesse sentido a arte se parece com a vida.
As maiores épocas da arte corresponderam sempre a um período de desenvolvimento social, uma renovação econômica. No regime atual, com a desordem e a crise que caracterizam esse período da evolução capitalista, o artista, pelas possibilidades que lhe são permitidas, só tem valor na proporção de serviço que presta junto á burguesia. Ele é sobretudo um instrumento nas mãos de uma classe e destinado a manter os privilégios dessa classe. É impossível que ele preencha com espontaneidade e liberdade o importante papel que a multidão espera dele.
É preciso denunciar aqui esta pretendida independência do artista. É preciso arrancar o véu do individualismo sob o qual a burguesia quis camuflar a sua influência sobre as forças do espírito, literárias e artísticas.
Não há arte neutra. Não há literatura neutra. E a não posição política para a qual muitos apelam com o fim de ilustrar essa pretendida liberdade de espírito, não é senão a complacência mais ou menos consciente para com o " status quo " e para com o regime de exploração e lucro(...)
No momento em que todas as forças da arte se acham galvanizadas pelas necessidades repugnantes de uma classe decidida a manter custe o que custar suas prerrogativas.
No momento em que somos espectadores de uma literatura, de um cinema, de um teatro, de uma arquitetura a serviço do capitalismo para as suas necessidades imperialistas de repressão e dividendos.
No momento em que toda a manifestação artística toma um valor de especulação á custa da classe trabalhadora, em que toda atividade de espírito é logo utilizada, deformada, aviltada em vista da intoxicação, da corrupção do indivíduo, criador e das massas.
Temos que nos agrupar, que cerrar fileiras em torno do proletariado.
Temos que pôr a serviço as forças artísticas de que a burguesia tenta se apoderar para seus fins de exploração e regressão.
Devemos, diante das forças congregadas do capitalismo, levantar uma frente unida aos escritores e aos artistas ao lado do proletariado revolucionário.
Devemos participar das demonstrações das lutas de ação direta do proletariado.
Devemos reabilitar as forças decaídas da arte e da literatura e transforma-las em armas poderosas na luta para o advento da nova civilização, pelo advento do socialismo já vencedor de uma sexta parte do globo(...)
Fazemos um apelo a todos que queiram pôr um termo á estagnação da nossa época, ao reino nefasto do capitalismo sob todas as suas formas.
Oswald de Andrade, 193?
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