As palavras arte e povo estão atravessando no Brasil, pelo menos durante as duas últimas décadas, uma reviravolta sem paralelos da História contemporânea. As periferias brasileiras estão acumulando uma produção artística que rejeita a ideia de cultura enquanto monopólio da classe dominante. Hoje somente na cidade de São Paulo, ocorrem mais de cinquenta saraus nas periferias, ao mesmo tempo em que o hip hop define novas dimensões para a arte pública e a música de protesto. Iniciativas educativas, shows de Rap e Funk realizados pelas e para as comunidades, além das chamadas literatura periférica e prisional, consolidam um processo de luta cultural no qual o proletariado se desfaz cada vez mais da condição de objeto das obras de arte para ser autor de sua própria arte.
Companheiros, isto não é pouca coisa! Mesmo não sendo a primeira vez que chamamos a atenção para esta mudança histórica, nunca é pouco insistir na superação do populismo e da demagogia quando o assunto é a arte das periferias: os trabalhadores não necessitam mais da mediação do intelectual de classe média. No entanto, quando este último torna-se um traidor de sua classe e consequentemente um revolucionário ao lado do proletariado, ele pode dar uma grande contribuição teórica e prática, já que séculos de História da arte e da literatura foram negados pela divisão social do trabalho. Algum literato pequeno burguês poderia afirmar que " o trabalhador não lê ". Esta afirmação é um erro de quem não faz a menor ideia do que se passa nas periferias: se a alienação é um fato obstrutor da consciência política em todos os segmentos sociais, hoje em muitas periferias existe um público leitor da literatura produzida pelas próprias comunidades. Talvez quem encha a boca para falar da " ignorância das massas " talvez não queira que elas nunca estejam esclarecidas quanto a sua própria condição social.
Pergunta decisiva: podemos afirmar que toda esta agitação artística das periferias refere-se a arte revolucionária? Sob muitos aspectos falta clareza, discernimento ideológico entre muitos rappers, grafiteiros e escritores quando o assunto é não apenas a luta de classes mas sua superação histórica. Mas acontece que este não é um obstáculo intransponível já que dentro da cultura " oficial " o marxismo tornou-se uma heresia. Não tenham dúvidas de que é dentro da produção cultural das periferias que o marxismo pode hoje florescer(este é o espaço social que justifica a sua existência enquanto filosofia revolucionária). Mas como a reflexão marxista pode chegar aos trabalhadores da cultura periférica? O intelectual revolucionário precisa contribuir para a formação de outros intelectuais originários da classe trabalhadora(é o tal do intelectual orgânico de quem Gramsci fala). Seria esta uma tarefa tão difícil assim? Chega de demagogia: o grafite no muro é um insulto fantástico ás galerias de arte, o Rap se consolida (apesar da cooptação) enquanto linguagem musical internacionalista dos oprimidos e os poetas e romancistas das periferias sabem muito bem quem é João Cabral de Melo Neto e Graciliano Ramos. Alguma dúvida de que o marxismo possa dar uma contribuição a toda esta inquietude estética? Nenhuma dúvida, afinal as condições concretas desta produção artística requer o marxismo! Entretanto, cabe aos companheiros organizados estabelecerem estratégias para distribuírem cada vez mais toda a produção artística e literária revolucionária acumulada para estas comunidades(seja por meio de escolas, de centros culturais ou pela própria internet).No caso dos professores por exemplo, sabemos que sua ação política não se resume ao sindicalismo, mas a necessidade de uma pedagogia revolucionária que desperte na juventude a produção cultural anticapitalista.
Resoluções previsíveis? A cultura das periferias expressa uma grande revolta contra o Estado capitalista: a cultura dominante será engolida e definitivamente superada somente quando o pensamento revolucionário temperar a arte da periferia. Se a violência capitalista é sentida de forma intensa nas periferias, então a violência estética que ela resulta é uma força educativa que ajuda a minar a cultura dominante.
Geraldo Vermelhão
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