quarta-feira, 11 de setembro de 2013

SOY CUBA e a arte latino americana

Num momento em que o governo brasileiro importa médicos cubanos, seria muito útil que o Brasil importasse também a arte revolucionária cubana.Se a saúde pública sofre com os efeitos do subdesenvolvimento(" economia emergente " sem saúde, educação e com pratos vazios? ), a arte que educa ideologicamente o povo, precisa se fortalecer e sair da cama de hospital. Quando a palavra vanguarda perdeu completamente o seu pé e práticas como performances se desgastaram por completo(até a Lady Gaga faz performance!, que constrangedor!), é preciso que os artistas engajados e consequentes lutem pelo socialismo dentro da sua própria atividade criadora. Cuba ainda não desceu pela guela dos norte-americanos e sua produção artística nas mais diversas áreas, pode nos fazer lembrar que se pretendemos ser revolucionários é porque somos antes de tudo revolucionários latino-americanos. Parece que isto não está claro para muitos militantes que preferem o V de Vingança ao charuto raçudo e as formas artísticas provenientes da fusão entre as culturas ibéricas e as culturas afro e indígenas. Esta questão não é colocada nem mesmo para muita gente deste blog, mais preocupada com poetas franceses, rock ' n ' roll, punk, etc.
 Tentativas artísticas honestas são frequentes entre militantes. No entanto existem peculiaridades culturais que permeiam toda a América latina, e que quando se resolvem no campo da expressão artística, precisam gerar autenticidade: os problemas sociais revelados junto ás particularidades das culturas populares latino americanas. Acontece que mesmo quando ocorrem tentativas revolucionárias na literatura, no cinema , no teatro, nas artes visuais, etc, muitas vezes o artista ideologicamente bem intencionado corre o perigo de agir como os franceses, os russos, os alemães e por ai vai. Não que o artista latino americano não possa estar influenciado pela arte e pela literatura europeia ou norte americana, mas ele precisa antes estar enraizado nas culturas do seu próprio solo.  No caso cubano que enfatizo aqui, o filme Soy Cuba de 1964, é um registro desta contradição entre a vontade de tratar de um assunto politicamente revolucionário mas com uma forma que não corresponde ao caldo cultural do povo cubano situado concretamente.
 O longa Soy Cuba dirigido pelo cineasta soviético Mikai Kalatosov foi uma coprodução entre Cuba e a extinta União Soviética. Durante 14 meses Kalatosov esteve na ilha de Cuba filmando este belo registro dos tempos da guerra fria. Era um momento em que o imperialismo norte americano aumentava o tom de voz perante o governo revolucionário de Fidel Castro e Che Guevara, que se filiava politicamente ao bloco soviético(destino certo já que após arrebentar com a ditadura hedionda de Fulgêncio Batista, tentava-se aplicar o socialismo na ilha). Enquanto que no plano econômico e militar Cuba vendia açúcar para a URSS e esta fornecia armas e outras coisas, no plano cultural a realização de um filme em conjunto parecia ser uma boa ideia. Técnicos e o próprio povo cubano participam das filmagens, conseguindo por exemplo um feito de mobilizar 5 mil soldados para as gravações(isto nos faz lembrar Eisenstein que aprontava com suas obras primas na década de vinte).
 É preciso dizer que se trata de um filme muito bom, sobretudo pela fotografia magistral de Serguei Urushevski. É um belo filme de propaganda, pois propaga claramente a ideia socialista. Alguém poderia dizer em tom de protesto: " Mas Soy Cuba é puro Realismo Socialista! Este filme é uma porcaria !". Bem, de fato existem características estéticas que remetem ao Realismo Socialista: um discurso excessivamente demonstrativo junto ás tomadas grandiosas, além de um certo maniqueísmo.Qual seria o problema disso sob o ponto de vista revolucionário? Definitivamente o problema não está na ausência de recursos vanguardistas: o objetivo maior do artista revolucionário é se comunicar com o povo, o que não permite experimentalismo cujo único resultado só pode ser o subjetivismo pequeno-burguês. O problema em importar o Realismo Socialista para o contexto latino americano encontra-se em todo ato de importação artística que não passa pelas necessidades expressivas da localidade. A lente soviética de Soy Cuba não registra o discurso do povo cubano sobre a Revolução de 1959, mas o olhar de artistas russos sobre este acontecimento histórico. Ainda que o filme denuncie o quadro social anterior á Revolução, ou seja toda a miséria econômica das favelas, a prostituição no cabarét, a máfia norte americana se divertindo, o vendedor de laranjas, a repressão política aos estudantes e mesmo a paisagem tropical, o filme embora tecnicamente competente não entrou na pele dos cubanos. O fracasso do filme tanto em Havana quanto em Moscou, se explica dentre várias razões pelo filme não ser uma narrativa sobre a Revolução cubana enraizada na própria cultura latino americana. É compreensível que muitos técnicos e artistas cubanos estivessem menos interessados no resultado estético de Soy Cuba e muito mais interessados no movimento brasileiro do Cinema Novo, já que nos filmes brasileiros está presente uma arte revolucionária de fato latino americana, porque registra do lado de dentro as realidades do subdesenvolvimento no continente.
  É pura bobagem dizer que tudo o que se faz em Cuba seja Realismo Socialista; inclusive a literatura cubana revolucionária, por exemplo, tem neste modelo estético apenas uma referência dentre muitas outras. Toda esta produção precisa ser discutida pelos brasileiros(inclusive Soy Cuba, pelos erros formais/culturais mas também pelo que ele pode contribuir enquanto modelo de propaganda revolucionária para os filmes de hoje). Enquanto o Brasil não resolver seus problemas econômicos, estruturais, continuaremos importando médicos e filmes de Hollywood.


                                          José Ferroso       
   

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