É muita encheção de saco, mas vários companheiros ficam medindo o significado revolucionário de obras literárias de acordo com manuais de ideologia política. Ficam portanto limitados, fechados quanto a inserção de novos componentes estéticos e formas de comportamento, que podem somar com o combate anticapitalista de todos os dias. Toda esta limitação torna difícil refletir sobre fenômenos como a Beat Generation; se estamos falando de um tipo de militante político que só presta atenção nas derivações culturais mais óbvias dentro da obra de Marx, Engels, Lenin(e dependendo, Trotski), o horizonte estético será sempre quadrado(mesmo sendo um quadrado vermelho). Porém, se estamos falando de um militante de cuca aberta, que interpreta Marx, Engels, Lenin, Trotski e ao mesmo tempo incorpora ao seu universo intelectual as leituras que expressam a revolta contemporânea contra o status-quo, então estamos diante da possibilidade de fortalecermos a esfera da cultura na luta política. Para quem não confunde marxismo com conversão religiosa(ainda que " materialista ") é importante sacar gente como Ginsberg, Kerouac, Burroughs e outros que integram a Literatura Beat.
Esteticamente e tematicamente a produção literária beat não foi superada, sendo até hoje hostilizada por literatos que pensam a literatura na perspectiva formalista, como algo desconectado da vida cotidiana, da fala e dos ritmos do dia a dia. Entre os anos quarenta e cinquenta, no coração da América careta de Eisenhower , corajosos escritores absorviam o melhor da modernidade europeia(Artaud, dadaístas e por aí vai) na criação de uma literatura que se opunha claramente ao american way of life: boemia, culto aos marginais, caronas, sexo livre, drogas, meditação, bebedeira, vagões de trem, becos da madrugada, vagabundagem, tudo isto forma o caldo da Literatura Beat. Sendo o jazz a expressão sensual da cultura negra marginalizada pela burguesia branquela norte americana, ele torna-se o centro explosivo de uma arte que estala os dedos e movimenta o quadril pra lá e pra cá. Beat, batida, Beat, beatificar, a busca pelo sagrado profano dentro de uma vida que se movimenta sem normas fixas. Mas como um bando de escritores andarilhos podem com sua literatura, contribuir para a ruína da civilização burguesa? Obviamente que a revolta expressa nos livros dos beats não revela uma saída política objetiva para os impasses do capitalismo. O limite político desta literatura é o mesmo de todos os fenômenos contraculturais: pegar a estrada, " cair fora ", mesmo sendo rebeldia(e portanto anti-burguês) é extremamente cômodo(e dependendo, autodestrutivo), pois não altera o modo de produção capitalista. Entretanto, o que estamos colocando em pauta aqui não é adotar o modo de vida beat, mas reivindicar a sua contribuição para os debates culturais dentro da esquerda. Para alguns militantes da geração de 1968, o recado dos beats dos anos cinquenta foi seguido numa boa. Já hoje em dia, observamos alguns jovens poetas boêmios, devoradores de Literatura Beat, que mesmo tomando parte em passeatas pelo país ao longo deste ano, tem aversão(ou medo) do marxismo. A contrapartida não é menos problemática: alguns marxistas não aceitam as contribuições da beat.
Usando a dialética como um instrumento musical e não enquanto instrumento embalsamado, notamos que as técnicas literárias destes escritores norte americanos(e não apenas americanos: a beat começa nos EUA mas é antes um fenômeno internacionalista) são revolucionárias na medida que produzem uma concepção de arte intolerável para a burguesia: a obra-vida. Politicamente falando os escritores beats são inconformistas: mesmo não agindo dentro dos instrumentos políticos tradicionais como sindicatos, suas obras e atitudes retomam tradições inconformistas da cultura norte americana(pensemos no músico errante, perambulando pelas estradas de trem). Sem contar que esta literatura nasceu em ambientes políticos ligados á esquerda: este é o caso do Greenwich Village em Nova York, aonde imigrantes europeus socialistas, comunistas e anarquistas se instalaram no começo do século passado e produziram um ambiente cultural que permitiu o amor livre, a diversidade étnica e sexual e de quebra tradições artísticas de caráter anticapitalista. O mesmo podemos dizer de cidades da Costa Oeste como San Francisco, abertas a novas formas de comportamento e acolhedoras de anarquistas e outsiders.
Portanto, companheiros, a Literatura Beat é de esquerda, no sentido de que ela expressa a oposição á sociedade burguesa; ela não é de esquerda no sentido tradicional, marxista, mas pode contribuir com os debates culturais do marxismo, pois ela problematiza temáticas que quando expressas em forma de poesia ou prosa, representam um ganho político dentro da arte que se pretende revolucionária. É claro que nem todos os escritores beats foram revolucionários: o anti-comunismo de Kerouac, por exemplo, é de uma grande tristeza e de uma grande contradição. Mas ainda assim, a beat lega uma produção literária moderna e contestadora. Livros como uivo, de Ginsberg, o embora banalizado On The Road, de kerouac e Naked Lunch,de Burroughs, precisam fazer parte da biblioteca da esquerda. Se cabe a literatura denunciar os problemas econômicos, ela também precisa falar de experiências corpóreas numa estética da liberdade.
Os Independentes
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