Quais seriam as estratégias para que a literatura e a arte contribuam, em suas particularidades, com a emancipação política de homens e mulheres numa sociedade alienada? No Brasil, alguns insistem no nacionalismo de esquerda,compenetrados em alianças de classe e apregoando uma arte prudente, popular e didática. Outros se empenham na construção de organizações operárias independentes, cujo paralelo estético encontra-se nas experiências modernizadoras e internacionalistas. Outros ainda embasados na ação direta, promovem iniciativas agressivas, destrutivas, comuns á antiarte e á arte de rua. Estamos falando do passado?, do século XX? Não, todas estas posturas políticas/artísticas existem hoje enquanto desdobramentos históricos. Suas possíveis falhas e contradições merecem a nosso ver um debate mais amplo, mobilizando a juventude e a classe trabalhadora, hoje submetidas ás formas reificadoras da indústria cultural em suas fantasias reacionárias " da classe C ". Se os nacionalistas de esquerda muitas vezes confundem suas práticas artísticas com as formas e os valores da classe dominante, se os artistas internacionalistas não conseguem comunicar os seus objetivos políticos para o proletariado, e se os adeptos da arte de ação direta não apresentam ganhos políticos em suas iniciativas, um produtivo confronto de ideias se faz necessário para reassumir posições ou corrigi-las.
Dentre os erros fundamentais do chamado " socialismo real " durante o século passado(e nas suas reminiscências atuais), encontra-se a tentativa de elaborar a partir do Estado uma cultura oposta á da sociedade burguesa. Minar a cultura burguesa(aqui o termo refere-se tanto ao falso valor de universalidade contido nas artes, na religião, na educação e na estrutura jurídica pertencentes ao período áureo burguês , quanto nas contemporâneas manifestações estéticas da indústria cultural) é uma tarefa que se inicia já no modo de produção capitalista, contribuindo com um processo político de abolição da sociedade de classes. Graças as experiências vanguardistas e de arte proletária, é quase desnecessário limpar o conceito de arte da " genialidade individualista " do artista burguês. Mas falta ainda superar as vaidades e o egocentrismo para que o artista entenda a si mesmo enquanto um trabalhador engajado na construção de uma cultura livre e igualitária. Garantir a individualidade do artista trabalhador, é assegurar suas pesquisas estilísticas voltadas para o coletivo, despertando entre o proletariado uma individualidade renovada que em nada tem a ver com o individualismo; o artista revolucionário não lida com entidades abstratas como " povo " ou " massa ", pois diferentemente dos fascistas e dos liberais, os artistas revolucionários/libertários travam junto com os trabalhadores uma necessária luta contra a ideologia dominante.
Uma cultura socialista não " nasce " a partir de uma estrutura centralizada de poder, mas através das necessidades expressivas da coletividade empenhada na criação de contextos/situações em que a percepção do proletariado aponte para uma consciência revolucionária. Isto por si só demanda autonomia e espontaneidade para a produção literária e artística, que tendo á frente militantes da cultura(sem qualquer tipo de hierarquia entre eles) enriquece/educa as comunidades. Assim sendo, a passividade que é inerente ás sociedades de massa, é revertida pelo trabalhador que cria sua própria arte: esta é uma meta historicamente almejada por comunistas e anarquistas, ou seja, expor a evidência progressista de que todos os homens podem e devem produzir arte(o galho aonde " os gênios " se sentam seria então quebrado pela História).
Tomar consciência da totalidade do funcionamento do sistema, superar as relações sociais alienadas no capitalismo por meio da arte, significa instruir os trabalhadores para transformações políticas, cuja dinâmica depende essencialmente do ritmo da luta de classes, mediante é claro, á estratégia em questão(estas variam de acordo com a forma de ação, de acordo com a natureza das táticas segundo diferentes referências teóricas como Rosa Luxemburgo, Proudhon, Lenin, Gramsci, Marcuse, etc). Ao mesmo tempo, a arte não apenas prepara para o exercício da política mas toca com propriedade em esferas que a esquerda tem dado pouca ou quase nenhuma atenção: o comportamento libertário, as questões do amor, o estímulo criativo gerador de situações reordenadoras da sensibilidade(sem a qual não se chega á uma compreensão plena do que envolve o socialismo),etc.
Independentemente de estarmos distantes ou não de uma significativa mudança política, artistas trabalhadores e militantes da cultura precisam no cotidiano(e distantes de qualquer empecilho político, como o sectarismo, ou de personalidade, como a vaidade pequeno-burguesa) estimular o debate cultural.
Conselho Editorial Lanterna
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