Durante o auge do Império romano, as regiões dominadas eram submetidas á uma ordenação estética cujo efeito psicológico reforçava a opressão: colunas, bustos de imperadores e uma série de outras manifestações artísticas que legitimavam uma pretensa " superioridade " cultural romana e infestavam assim o cotidiano das comunidades. Na dinâmica da era imperialista iniciada no século XIX, com particularidades históricas que diferem os impérios contemporâneos dos impérios da Antiguidade clássica, a imagem ainda é um poderoso elemento ideológico. Tratando-se dos EUA, Tio Sam e sua águia moderna desfilam suas asas e garras através da cultura de massa, em especial do cinema.
O cinema de Hollywood é um dos tentáculos fundamentais que exportaram o Mito da Fronteira, anunciando uma nação belicosa e extremamente hábil em utilizar a ideologia liberal na consolidação dos seus interesses políticos. Dos cowboys aos super-heróis, o cinema soube transpor para povos economicamente dominados, a mitologia do" homem branco eleito por Deus "; é o herói que, sozinho, atravessa os testes para provar que é parte de uma cultura " superior ", cujo sentido reside na existência de um inimigo, sejam estes os apaches, os marcianos, os russos, os dinossauros, os zumbis ou o terrorismo islâmico. Pois bem, mesmo para quem não é de esquerda, isto não representa nenhuma novidade. Mas ainda assim, o imperialismo norte americano se faz ver hoje em filmes que entre a linguagem dos quadrinhos e do vídeo game, continuam exportando a mitologia que justifica o domínio da burguesia norte americana sobre o globo. Quais seriam as condições históricas para um cinema de oposição ao imperialismo dos gringos?
Glauber Rocha inspirado nas resoluções políticas de Che Guevara, defendia nos anos sessenta um cinema tricontinental, no qual a América Latina ergueria a partir de um sistema de produção e distribuição independentes, uma cinematografia que evoca os mitos populares do terceiro mundo em confronto com a dominação política estrangeira. A estratégia de Glauber parece não interessar a quase nenhum cineasta brasileiro de hoje, deixando claro que atualmente a existência de um cineasta revolucionário pressupõe um homem com uma sólida formação política, disposto a fazer do cinema uma contra-ideologia. Creio que o projeto de Glauber ainda corresponda aos anseios de descolonização cultural para o enfrentamento político. Embora não estejamos mais na guerra fria, uma geopolítica do cinema exige por parte das organizações de esquerda, eventos e iniciativas internacionais cuja finalidade não está em alimentar a máquina capitalista, mas produzir um cinema de agitação e educação política para as massas.
Fazendo uma especulação estética, os poucos cineastas revolucionários(e não acredito que estes tenham que possuir necessariamente um diploma de cineasta, sendo mais importante seus conhecimentos de autodidatas em literatura, filosofia e ciências humanas), precisam com suas câmeras digitais(que cabem no bolso da calça), investigar os legados cinematográficos que passam longe do cinemão hollywoodiano. Os partidos e organizações de esquerda precisam estimular a formação intelectual de um militante interessado no aprofundamento do combate estético. Este militante precisa estudar, por exemplo, o cinema produzido em países socialistas durante o século passado. Ele precisa se desfazer dos erros estéticos e teóricos do realismo socialista e buscar o herói coletivo contra o indivíduo burguês. Para o cinema revolucionário deve-se substituir o happy end e o maniqueísmo pela experimentação e pela dialética. O cineasta militante precisa estar atento ás mediocridades da propaganda, pois ele sabe que quem faz propaganda é o cinema imperialista norte americano(o que é frequentemente " esquecido " pelos críticos do cinema socialista, mais preocupados em atacar a memória da esquerda do que virar o canhão para o alvo certo: o cinema imperialista).
Enquanto as organizações de esquerda não incentivarem este trabalho de finalidade prática, ou seja, o estabelecimento de focos audiovisuais que batam de frente com a linguagem hollywoodiana, assim como a linguagem das telenovelas(e sinto dizer, também com o atual cinema brasileiro feito de comédias, dramas e policiais calcados na estética americanizada), continuaremos vendo gerações que brincam de super-herói se repetirem sobre o mesmo enredo da dominação política.
Lenito
Nenhum comentário:
Postar um comentário