Sabemos que o artista revolucionário pode ser muito mais do que um garoto de recados de ideologias políticas. Ao mesmo tempo, para escarrar categoricamente sobre a doutrina da arte pela arte, é preciso dinamitar de vez a torre de marfim aonde se esconde o artista pós-moderno e sua patética dificuldade em participar da luta política. Para se evitar o papagaio de cartilha e o literato apolítico, precisamos trabalhar com a tensão entre a poesia de maremoto e a posição revolucionária. Dentro da literatura hispano americana, pouca gente conseguiu a proeza, a iluminação de conjugar a revolta poética com a subversão política. Na busca por referências latino americanas, temos que erguer mais uma vez as taças para o grupo El Techo de La Ballena. Este grupo venezuelano incorporou as lições de liberdade do surrealismo para criar uma poética de contestação política.
Entre os anos cinquenta e sessenta o grupo agitou a cidade de Caracas com uma nova poesia surrealista. Está aí um exemplo notável que deixa sem defesa os estudiosos que sofrem de miopia intelectual: ao considerarem o surrealismo enquanto um movimento tão somente francês do entre guerras, eles negam seus desdobramentos históricos, geradores de novas aventuras poéticas que alimentam a arte-vida comprometida com a rebelião. A natureza explosiva dessa rapaziada venezuelana estimula hoje a criação de uma poesia livre porque revolucionária, revolucionária porque livre. Muito especialmente Juan Calzadilla, estabeleceu na sua escrita a poética surrealista sem subtrair os fundamentos teóricos que exigem a contestação social. Adentrar pelos corredores do inconsciente, era para o pessoal do El Techo de La Ballena, injetar valores de independência mental, era questionar a moral dos imperialistas e da burguesia nacional. Portanto a abertura para o campo onírico não exclui as preocupações sociais, o questionamento da ordem capitalista. Isto está mais do que documentado nos manifestos anarquistas do grupo.
O legado poético do grupo El Techo de La Ballena , registrado em revistas e cadernos de poesia, nos lança um desafio: entre a pesquisa interior própria ao surrealismo e a intenção de contestação política pelo poema, podemos insistir nesta preciosa fusão para uma nova literatura latino americana. Dispensável dizer que as formas de arte revolucionária, pelo menos no campo literário, podem se desenvolver a partir deste ponto obscuro e contraditório da revolta poética.
Os Independentes
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Graciliano Ramos ataca o Realismo Socialista:
Heráclito Salles: - Nenhum livro do Realismo Socialista lhe agradou?
Graciliano Ramos: - Até o último que li, nenhum. Eu acho aquele negócio de tal ordem ruim que não aceitei ler mais nada.
Heráclito Salles: - Qual é a principal objeção que o senhor faz?
Graciliano Ramos: - Esse troço não é literatura(...)
Heráclito Salles:- Não seria possível purificar o estilo do Realismo Socialista?
Graciliano Ramos: - Não tem sentido. A literatura é revolucionária em essência, e não pelo estilo do panfleto.
Nota: Diálogo entre Graciliano Ramos e Heráclito Salles
Graciliano Ramos: - Até o último que li, nenhum. Eu acho aquele negócio de tal ordem ruim que não aceitei ler mais nada.
Heráclito Salles: - Qual é a principal objeção que o senhor faz?
Graciliano Ramos: - Esse troço não é literatura(...)
Heráclito Salles:- Não seria possível purificar o estilo do Realismo Socialista?
Graciliano Ramos: - Não tem sentido. A literatura é revolucionária em essência, e não pelo estilo do panfleto.
Nota: Diálogo entre Graciliano Ramos e Heráclito Salles
terça-feira, 29 de outubro de 2013
A transgressão do Rock pode ser útil á luta:
A morte de Lou Reed, um dos artistas responsáveis pelo aprimoramento estético e pela radicalização comportamental do rock entre os anos sessenta e setenta, nos leva a refletir aqui sobre a relevância política deste gênero musical. Se um dos erros fundamentais do rock foi a ambiguidade com o mercado, Lou Reed será lembrado por ter sido indigesto e por ter vendido poucos discos. Acredito que o período mais interessante de sua obra esteja no fim dos anos sessenta, ou seja quando ele liderou a banda The Velvet Underground. O legado do Velvet ensina os rockeiros de hoje a fazerem arte sem se preocuparem com o mercado. Apadrinhada por Andy Warhol(que não tinha absolutamente nada de revolucionário) a banda se inseriu num cenário avesso ao otimismo colorido dos hippies: o Velvet Underground era áspero , sujo e cínico como o submundo de Nova York.
No imprevisível laboratório artístico da Factory de Warhol, a banda era a grande expressão do experimentalismo na música. Pois bem companheiros, o que essa gente toda tem a contribuir com o debate sobre as relações entre arte e política? Como este rock experimental pode ajudar na luta contra a cultura burguesa? Sendo a própria burguesia uma classe que preza pelo solar, pelo sorriso de plástico , pela estabilidade das relações amorosas e pelo faz de conta industrial que oculta as contradições do mundo urbano, então fica evidente o poder de transgressão do Rock do Velvet: além do som imprevisível e portanto difícil de ser controlado pelas exigências industriais, as letras de Lou Reed colocam no melhor estilo pulp os tipos sociais mais selvagens, livres e " desagradáveis "(aos olhos do burguês, é claro) do submundo de NY. A sinceridade brutal com que Reed exprimia os becos e os tabus da cidade, nos leva a uma reflexão sobre as contradições da sociedade burguesa. Cara, este rock tem um grande valor de antítese, de recusa e de liberdade formal. Basta pensarmos no primeiro álbum da banda The Velvet Underground and Nico, de 1967, em que clássicos como I`m Waiting for the man, Heroin e Venus in Furs, estão pau a pau com o melhor da vanguarda, não apenas musical mas artística em geral, dos anos sessenta. Penso que os companheiros devam estar atentos a este tipo de música.
Tupinik
No imprevisível laboratório artístico da Factory de Warhol, a banda era a grande expressão do experimentalismo na música. Pois bem companheiros, o que essa gente toda tem a contribuir com o debate sobre as relações entre arte e política? Como este rock experimental pode ajudar na luta contra a cultura burguesa? Sendo a própria burguesia uma classe que preza pelo solar, pelo sorriso de plástico , pela estabilidade das relações amorosas e pelo faz de conta industrial que oculta as contradições do mundo urbano, então fica evidente o poder de transgressão do Rock do Velvet: além do som imprevisível e portanto difícil de ser controlado pelas exigências industriais, as letras de Lou Reed colocam no melhor estilo pulp os tipos sociais mais selvagens, livres e " desagradáveis "(aos olhos do burguês, é claro) do submundo de NY. A sinceridade brutal com que Reed exprimia os becos e os tabus da cidade, nos leva a uma reflexão sobre as contradições da sociedade burguesa. Cara, este rock tem um grande valor de antítese, de recusa e de liberdade formal. Basta pensarmos no primeiro álbum da banda The Velvet Underground and Nico, de 1967, em que clássicos como I`m Waiting for the man, Heroin e Venus in Furs, estão pau a pau com o melhor da vanguarda, não apenas musical mas artística em geral, dos anos sessenta. Penso que os companheiros devam estar atentos a este tipo de música.
Tupinik
A arte libertária segundo Hélio Oiticica:
(...) A ausência de uma ideologia rígida longe de ser algo reacionário, ou uma forma de liberalismo, liga-se mais a um processo anárquico que visa desintegrar estruturas ou anular o que se convencionou chamar como sendo " belo ", " o bom gosto ", " a moral ", " a obra acabada " de artes, etc. O argumento de loucura é sim reacionário, porque na verdade para quem cria, ele não existe: como já disse uma vez, loucura é o conformismo de não experimentar, a vivência morta, porque não levada a cabo, castrada " a priori " porque motivo repressor for: ideológico, moral, sexual, etc. A quebra dos condicionamentos e a tentativa de " não formular " conceitos rígidos, direções ou programas, visa ás transformações contínuas no processo sob o perigo de criar um novo condicionamento, como sempre acontece.
Hélio Oiticica, 1968.
Hélio Oiticica, 1968.
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Estudando a Cena, o Teatro Político Mostra a sua Luta!
Ás 15:55 da tarde do último sábado, os passantes em frente a Catedral da cidade de Campinas, começavam a perceber uma interrupção na paisagem cotidiana. O Barroco da Catedral parecia ceder espaço a uma outra estética, despojada e moderna, cênica-livre e não arquitetônica-fixa, objetiva e não ilusionista. Num quadrado margeado por correntes brancas, os atores do grupo teatral Estudo de Cena, faziam os últimos preparativos para a peça A Farsa da Justiça. A participação do grupo paulista na Mostra Luta! no MIS, trouxe a raríssima oportunidade para os trabalhadores de Campinas presenciarem/participarem de uma genuína manifestação de teatro político.
Escrita pelo autor Sérgio de Carvalho por ocasião da Marcha do MST em 2006, a peça foi realizada em conjunto com o Coletivo de Cultura do MST,cabendo destacar ainda o pessoal do grupo Filhos da Mãe...Terra. A montagem é uma violenta crítica ás autoridades comprometidas com a manutenção da ordem capitalista. Modelando o texto de acordo com cada contexto de apresentação, o grupo faz uma síntese formidável entre o popular e o experimental. Fica evidente o alto volume expressivo que o espetáculo adquire com as revoltas sociais que tomaram de assalto o país a partir de junho de 2013: a opressão nas ruas é respondida com a força política do teatro.
Ancorado na estética de Brecht, o diretor Diogo Noventa vai além da " quebra da ação " promovida pelo teatrólogo alemão: o espectador é chamado a participar, a se engajar, não apenas mentalmente, mas em alguns momentos, fisicamente. Sob o prisma da luta de classes, o espetáculo faz uso da canção, de poucos recursos e do humor selvagem para ridicularizar a hierarquia social e denunciar a opressão contra os trabalhadores: uma História dos vencidos, para remetermo-nos a Walter Benjamin, é potencializada por este teatro útil, prático e de comunicação direta com o público. Seja ironizando os limites da democracia burguesa, seja utilizando a lente crítica para desafiar o nivelamento entre as classes(em que fazendeiros, juízes, policiais, empresários e trabalhadores tomam parte em uma análise dialética), o grupo Estudo de Cena nos brindou com uma tarde que coloca o teatro na sua dimensão exata: uma reflexão crítica sobre a realidade.
Após o espetáculo, atores e público seguiram para o MIS, a maior trincheira cultural da cidade, para um produtivo debate. Quando perguntado por nós sobre a eficácia política do teatro, Diogo afirmou que " O grupo não se pergunta sobre a eficácia, mas sobre a necessidade da criação de um material simbólico que faz frente á indústria cultural. Contra um imaginário simbólico encontrado na TV e no cinema comercial, o grupo encara o problema do número reduzido de pessoas atingidas pelo teatro hoje ". Mais adiante, o diretor explica que " não procuramos uma atuação diferenciada para cada público, seja ele da classe média ou da classe trabalhadora(e queremos que a classe média se entenda como classe trabalhadora). Somos artistas trabalhadores que procuram ler os diferentes assuntos sob um ponto de vista crítico ". A atriz Juliana Liegel ilustra a recepção das peças do grupo a partir das diferenças entre as classes sociais: " Quando nos apresentamos em avenidas movimentadas de São Paulo como a Faria Lima ou a Paulista, as pessoas de classe média sentadas nos cafés, saem de perto, ignoram a peça. Por outro lado, trabalhadores que passam apressadamente(devido aos seus empregos), olham com atenção, parecem ter grande interesse naquilo que fazemos ". Além de atuarem no espaço Engenho na cidade de São Paulo, o grupo procura a rua enquanto elemento que fortalece o teatro político: como afirma a atriz Marilza Batista " Encontramos uma grande potência política no espaço público ". O grupo Estudo de Cena faz uma opção de classe: seu compromisso com o proletariado o situa no campo político da esquerda. Entretanto, o grupo " não possui filiação a nenhuma organização política ", afirma Diogo.
O debate atinge o seu clímax quando é colocada a questão da autonomia ou não do artista revolucionário diante do poder público e das organizações de esquerda.Para o grupo, é preciso fazer uso das leis que oferecem a possibilidade de financiamento de dinheiro público para viabilizar espetáculos. Segundo Diogo: " Não existe independência para a arte, pois as condições materiais de produção capitalista não permitem falarmos em autonomia ". Devemos nos lembrar que esta posição não é unânime entre os militantes da cultura, deflagrando assim tanto aqueles que defendem o uso de recursos governamentais quanto aqueles que pregam a autonomia dos meios de produção culturais. Quando perguntado se o artista deve estar submetido ás diretrizes de um Partido revolucionário, o diretor é enfático: " Num contexto revolucionário, o artista deve sim seguir as determinações políticas ". Para o leitor familiarizado com os debates internos do nosso blog, é de se supor o quanto isso é reprovável dentro da " ala " que compreende trotskistas e anarquistas(dentro da qual o próprio autor destas linhas se insere...). No entanto, o mal entendido é esclarecido quando Juliana diz que " o grupo não segue nenhuma determinação na criação, no campo estético, não se tratando de Realismo Socialista ". E Diogo complementa: " Quando me referi a ausência de independência, é no sentido das condições concretas, materiais de produção. Acredito que o artista deva ter autonomia para as suas escolhas estéticas ". Mesmo defendendo leis que permitam o uso de verbas públicas, o grupo é extremamente simpático ás atividades de outros militantes da arte que buscam agir sem nenhum tipo de financiamento público ou privado.
Polêmicas a parte, o fato é que o grupo Estudo de Cena se insere na melhor tradição guerrilheira do teatro brasileiro. Seu compromisso de classe expresso nas suas escolhas estéticas, nos leva a constatar que este grupo coloca em cena a politização da arte.
Afonso Machado
Escrita pelo autor Sérgio de Carvalho por ocasião da Marcha do MST em 2006, a peça foi realizada em conjunto com o Coletivo de Cultura do MST,cabendo destacar ainda o pessoal do grupo Filhos da Mãe...Terra. A montagem é uma violenta crítica ás autoridades comprometidas com a manutenção da ordem capitalista. Modelando o texto de acordo com cada contexto de apresentação, o grupo faz uma síntese formidável entre o popular e o experimental. Fica evidente o alto volume expressivo que o espetáculo adquire com as revoltas sociais que tomaram de assalto o país a partir de junho de 2013: a opressão nas ruas é respondida com a força política do teatro.
Ancorado na estética de Brecht, o diretor Diogo Noventa vai além da " quebra da ação " promovida pelo teatrólogo alemão: o espectador é chamado a participar, a se engajar, não apenas mentalmente, mas em alguns momentos, fisicamente. Sob o prisma da luta de classes, o espetáculo faz uso da canção, de poucos recursos e do humor selvagem para ridicularizar a hierarquia social e denunciar a opressão contra os trabalhadores: uma História dos vencidos, para remetermo-nos a Walter Benjamin, é potencializada por este teatro útil, prático e de comunicação direta com o público. Seja ironizando os limites da democracia burguesa, seja utilizando a lente crítica para desafiar o nivelamento entre as classes(em que fazendeiros, juízes, policiais, empresários e trabalhadores tomam parte em uma análise dialética), o grupo Estudo de Cena nos brindou com uma tarde que coloca o teatro na sua dimensão exata: uma reflexão crítica sobre a realidade.
Após o espetáculo, atores e público seguiram para o MIS, a maior trincheira cultural da cidade, para um produtivo debate. Quando perguntado por nós sobre a eficácia política do teatro, Diogo afirmou que " O grupo não se pergunta sobre a eficácia, mas sobre a necessidade da criação de um material simbólico que faz frente á indústria cultural. Contra um imaginário simbólico encontrado na TV e no cinema comercial, o grupo encara o problema do número reduzido de pessoas atingidas pelo teatro hoje ". Mais adiante, o diretor explica que " não procuramos uma atuação diferenciada para cada público, seja ele da classe média ou da classe trabalhadora(e queremos que a classe média se entenda como classe trabalhadora). Somos artistas trabalhadores que procuram ler os diferentes assuntos sob um ponto de vista crítico ". A atriz Juliana Liegel ilustra a recepção das peças do grupo a partir das diferenças entre as classes sociais: " Quando nos apresentamos em avenidas movimentadas de São Paulo como a Faria Lima ou a Paulista, as pessoas de classe média sentadas nos cafés, saem de perto, ignoram a peça. Por outro lado, trabalhadores que passam apressadamente(devido aos seus empregos), olham com atenção, parecem ter grande interesse naquilo que fazemos ". Além de atuarem no espaço Engenho na cidade de São Paulo, o grupo procura a rua enquanto elemento que fortalece o teatro político: como afirma a atriz Marilza Batista " Encontramos uma grande potência política no espaço público ". O grupo Estudo de Cena faz uma opção de classe: seu compromisso com o proletariado o situa no campo político da esquerda. Entretanto, o grupo " não possui filiação a nenhuma organização política ", afirma Diogo.
O debate atinge o seu clímax quando é colocada a questão da autonomia ou não do artista revolucionário diante do poder público e das organizações de esquerda.Para o grupo, é preciso fazer uso das leis que oferecem a possibilidade de financiamento de dinheiro público para viabilizar espetáculos. Segundo Diogo: " Não existe independência para a arte, pois as condições materiais de produção capitalista não permitem falarmos em autonomia ". Devemos nos lembrar que esta posição não é unânime entre os militantes da cultura, deflagrando assim tanto aqueles que defendem o uso de recursos governamentais quanto aqueles que pregam a autonomia dos meios de produção culturais. Quando perguntado se o artista deve estar submetido ás diretrizes de um Partido revolucionário, o diretor é enfático: " Num contexto revolucionário, o artista deve sim seguir as determinações políticas ". Para o leitor familiarizado com os debates internos do nosso blog, é de se supor o quanto isso é reprovável dentro da " ala " que compreende trotskistas e anarquistas(dentro da qual o próprio autor destas linhas se insere...). No entanto, o mal entendido é esclarecido quando Juliana diz que " o grupo não segue nenhuma determinação na criação, no campo estético, não se tratando de Realismo Socialista ". E Diogo complementa: " Quando me referi a ausência de independência, é no sentido das condições concretas, materiais de produção. Acredito que o artista deva ter autonomia para as suas escolhas estéticas ". Mesmo defendendo leis que permitam o uso de verbas públicas, o grupo é extremamente simpático ás atividades de outros militantes da arte que buscam agir sem nenhum tipo de financiamento público ou privado.
Polêmicas a parte, o fato é que o grupo Estudo de Cena se insere na melhor tradição guerrilheira do teatro brasileiro. Seu compromisso de classe expresso nas suas escolhas estéticas, nos leva a constatar que este grupo coloca em cena a politização da arte.
Afonso Machado
domingo, 27 de outubro de 2013
Os fundamentos da Arte de esquerda:
Várias organizações políticas e militantes revolucionários em geral, precisam neste atual momento de agitação social, refletir sobre as suas práticas artísticas. O debate cultural adquiriu nos últimos meses um novo destaque: já falamos o suficiente como a dimensão estética encontra-se modificada, revolvida perante os protestos sociais. Sendo assim, é necessário que ocorra nos dias de hoje a difusão de ideias/conceitos que fundamentem a práxis da arte.
Somos todos parte de um grande esforço no qual as artes caminham para uma síntese expressiva nas ruas: do gesto cênico, passando pela imagem do vídeo, do grafite, do canto improvisado e da palavra escrita(numa interessante tensão entre o poético e as palavras de ordem). O nosso tempo reafirma mais uma vez que a arte se fundamenta na luta política. Entretanto, é comum notarmos muitas câmeras e poucos livros, muito entusiasmo e pouca reflexão. Perante a interdependência entre a teoria e a prática, julgamos importante que tanto as organizações políticas quanto os coletivos de cultura, aprimorem a formação cultural revolucionária dos seus membros.
Para filmar, pintar, escrever, etc, é preciso buscar diferentes elementos teóricos: Eisenstein, Maiakóvski, Brecht, Lukács, Benjamin, Breton, Oswald, Pedrosa, Glauber, Godard e tantos outros possibilitam, em suas diferenças, o enriquecimento do pensamento estético voltado para a ação artística de natureza anticapitalista. Que se proliferem grupos de estudos autônomos sobre Arte Revolucionária. O artista trabalhador deve se fortalecer intelectualmente na luta contra a cultura dominante.
Conselho Editorial Lanterna
Somos todos parte de um grande esforço no qual as artes caminham para uma síntese expressiva nas ruas: do gesto cênico, passando pela imagem do vídeo, do grafite, do canto improvisado e da palavra escrita(numa interessante tensão entre o poético e as palavras de ordem). O nosso tempo reafirma mais uma vez que a arte se fundamenta na luta política. Entretanto, é comum notarmos muitas câmeras e poucos livros, muito entusiasmo e pouca reflexão. Perante a interdependência entre a teoria e a prática, julgamos importante que tanto as organizações políticas quanto os coletivos de cultura, aprimorem a formação cultural revolucionária dos seus membros.
Para filmar, pintar, escrever, etc, é preciso buscar diferentes elementos teóricos: Eisenstein, Maiakóvski, Brecht, Lukács, Benjamin, Breton, Oswald, Pedrosa, Glauber, Godard e tantos outros possibilitam, em suas diferenças, o enriquecimento do pensamento estético voltado para a ação artística de natureza anticapitalista. Que se proliferem grupos de estudos autônomos sobre Arte Revolucionária. O artista trabalhador deve se fortalecer intelectualmente na luta contra a cultura dominante.
Conselho Editorial Lanterna
sábado, 26 de outubro de 2013
Do texto " Estética e Materialismo histórico ", de Lukács:
(...) Os princípios gerais da Estética e da História marxista da literatura encontram-se, pois, na doutrina do Materialismo histórico. Só a partir do Materialismo histórico podem ser compreendidas a gênese da arte e da literatura, as leis do seu desenvolvimento, as suas transformações, as linhas de ascensão e queda no interior do processo do conjunto(...) É sabido que o Materialismo histórico discerne na base econômica o princípio diretor, a lei determinante do desenvolvimento histórico. Do ponto de vista da sua conexão com o processo evolutivo do conjunto, as ideologias - e entre elas a literatura e a arte - aparecem unicamente como superestruturas, que só o determinam por via secundária. Desta constatação fundamental, o Materialismo vulgar parte para a conclusão, mecânica e errônea, distorsiva e aberrante , de que entre a base e a superestrutura só existe um mero nexo causal, no qual o primeiro termo figura apenas como causa e o segundo aparece unicamente como efeito. Aos olhos do marxismo vulgar, a superestrutura é uma consequência mecânica, causal, do desenvolvimento das forças produtivas. O método dialético não admite semelhante relação. A dialética nega que possa existir em qualquer parte do mundo relações de causa e efeito puramente unívocas: ela reconhece mesmo nos dados elementares do real complexas interações de causas e efeitos(...). A atividade espiritual do homem dispõe, pois, de uma certa relativa autonomia para cada um dos seus campos; e isto diz respeito sobretudo á arte e á literatura. Cada campo, cada esfera de atividade se desenvolve espontaneamente- por trabalho do sujeito criador - vinculando-se de modo imediato ás criações precedentes e desenvolvendo-as depois, ainda quando por meio de críticas e polêmicas.
Georg Lukács
Georg Lukács
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Um brinde ao grupo Mandrágora!
Um efeito recorrente do nosso colonialismo mental, encontra-se no desconhecimento que a maioria dos escritores e artistas brasileiros possuem em relação a produção cultural latino americana. Afirmamos que um esforço maior de pesquisa deve ocorrer perante as iniciativas mais ousadas, mais transgressoras dentro do território latino americano. Sendo assim, nada mais natural do que buscarmos a presença do surrealismo na América Latina: este estado de revolta denominado surrealismo, ainda pode servir-se da arte para desafiar todos os interditos impostos pela ordem capitalista(especialmente nos países latino americanos, com sua literatura e sua arte ainda bastante jovens para ofenderem os velhos). Tratando-se dos desdobramentos originais do movimento que estourou primeiramente na França com a loucura-programática-poética-revolucionária em torno de André Breton, salta aos nossos olhos as atividades do grupo chileno Mandrágora.
Entre os anos de 1938 e 1952 o grupo Mandrágora mandou bala contra o conservadorismo religioso, artístico e político do Chile de então. Fazendo da transgressão pela linguagem uma ética profanamente sagrada, esses surrealistas chilenos procuraram decifrar pela poesia selvagem o sonho, o amor e a morte. A obra-vida de poetas como Enrique Gómez Correa, são testemunhos da consolidação dos valores surrealistas no novo mundo. Em contanto com coletivos parisienses como o Le Grand Jeu, o grupo acabaria por declarar sua adesão ao programa do grupo em torno de Breton.
Sugerimos que nesta sexta feira os poetas revolucionários internacionalistas identificados com a ética do surrealismo, façam um brinde ao grupo Mandrágora: estes pioneiros que estimulam todos os latino americanos a se livrarem da opressão colonial-mental e assumir a poesia como um modo de vida.
Os Independentes
Entre os anos de 1938 e 1952 o grupo Mandrágora mandou bala contra o conservadorismo religioso, artístico e político do Chile de então. Fazendo da transgressão pela linguagem uma ética profanamente sagrada, esses surrealistas chilenos procuraram decifrar pela poesia selvagem o sonho, o amor e a morte. A obra-vida de poetas como Enrique Gómez Correa, são testemunhos da consolidação dos valores surrealistas no novo mundo. Em contanto com coletivos parisienses como o Le Grand Jeu, o grupo acabaria por declarar sua adesão ao programa do grupo em torno de Breton.
Sugerimos que nesta sexta feira os poetas revolucionários internacionalistas identificados com a ética do surrealismo, façam um brinde ao grupo Mandrágora: estes pioneiros que estimulam todos os latino americanos a se livrarem da opressão colonial-mental e assumir a poesia como um modo de vida.
Os Independentes
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
A luta pela sala Glauber Rocha no MIS de Campinas:
Companheiras e companheiros:
Hoje, ás 19:30, todos aqueles que estão comprometidos com a militância cultural, devem comparecer ao Museu da Imagem e do Som de Campinas: a sexta edição da Mostra Luta!, promove uma ocupação simbólica da sala Glauber Rocha. Há anos inacabada, esta sala é um projeto que proporciona uma visão exata do que deve ser a práxis cinematográfica: a exibição de filmes, a realização de cursos e debates, tudo dentro de uma perspectiva pública, da construção de uma sala pública de cinema. Comparecer a este ato significa exercer o nosso desejo de uma vida cultural que exige o engajamento da população. É uma concepção que nega a ideia burguesa de público consumidor e defende o público ativo, que organiza e atua sobre o que realmente deve ser o cinema: uma experiência coletiva.
Conselho editorial Lanterna
Hoje, ás 19:30, todos aqueles que estão comprometidos com a militância cultural, devem comparecer ao Museu da Imagem e do Som de Campinas: a sexta edição da Mostra Luta!, promove uma ocupação simbólica da sala Glauber Rocha. Há anos inacabada, esta sala é um projeto que proporciona uma visão exata do que deve ser a práxis cinematográfica: a exibição de filmes, a realização de cursos e debates, tudo dentro de uma perspectiva pública, da construção de uma sala pública de cinema. Comparecer a este ato significa exercer o nosso desejo de uma vida cultural que exige o engajamento da população. É uma concepção que nega a ideia burguesa de público consumidor e defende o público ativo, que organiza e atua sobre o que realmente deve ser o cinema: uma experiência coletiva.
Conselho editorial Lanterna
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
O teatro político de Piscator:
(...) O expressionismo tratava por tu todos os homens sem conhece-los e se orientava pouco a pouco em direção ao fantástico, ao irreal. Tenho sido qualificado, muitas vezes, de expressionista, mas isto é um contra-senso absoluto, pois eu tomava o relevo do expressionismo no ponto a partir do qual ele deixava de atuar. As experiências da Primeira guerra mundial ensinaram-me com que realidade e que realidade devia contar: opressões políticas, econômicas, sociais; lutas políticas, econômicas, sociais. Via no teatro o lugar adequado onde estas realidades podiam ser iluminadas. Naquele tempo(1920-30) só havia um pequeno número de autores - Toller, Brecht, Mehring e alguns outros - que se esforçavam por descobrir estas novas realidades em suas obras. Seus esforços nem sempre tinham êxito. O que faltava ás obras eu tinha de acrescentar por mim mesmo.
Erwin Piscator
Erwin Piscator
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Os caminhos da música de protesto:
Quais são as músicas que os trabalhadores brasileiros ouvem hoje? Sertanejo, pagode, funk, rap, gospel, rock, estão entre os gêneros que invadem diariamente os ouvidos do povo. Certamente que esta diversidade musical é sintoma de uma sociedade plural; no entanto esta diversidade coexiste com as desigualdades resultantes do trabalho explorado. Se é fato que não cabe a música apenas tratar de problemas sociais, não podemos deixar de detectar que pela língua da indústria a música muitas vezes produz uma linguagem alienada, reprodutora da ideologia dominante. Eis que surgem os comentaristas pós-modernos que se fundamentam na velha questão do " gosto " para justificar toda e qualquer forma de música. Não sou a favor de patrulhar a música, mas acontece que a análise pelo critério do " gosto " acaba fragmentando e portanto bloqueando, boicotando uma dimensão fundamental dentro da música popular: o protesto político.
As relações entre política e música são do tempo " da onça ", remetendo-nos pelo menos aos tempos da Revolução francesa de 1789: uma trilha sonora danada de boa acompanhou a derrubada da nobreza, é só pensar na Carmagnole dos San culottes. Mas será que a música pode mesmo ajudar na luta política? Quando Bob Dylan se afastou do engajamento folk, chegou a declarar ainda nos anos sessenta que a música não mantém um movimento social, não mantém uma greve. Penso que Dylan estava pessimista, mas por outro lado, a ingenuidade é um sério perigo. Para a música de protesto surtir efeito ela precisa estar integrada á realidade de uma comunidade: o rap é a prova viva de como o protesto musical faz efeito, pois ele está inserido na vida de homens concretos.
Diante da realidade industrial(e acrescentaria, como já o fiz em outros textos, que estamos na época digital presenciando uma mudança significativa na produção e circulação de músicas), devemos pensar o engajamento musical dentro da realidade concreta dos trabalhadores. Além dos ritmos regionais, a indústria cultural ameaça destruir os vínculos entre música e política; O protesto musical precisa fazer parte da luta política, pois mesmo as composições mais avançadas quando estão apartadas do povo, não surtem o efeito político desejado. Basta olharmos para a música popular brasileira durante o regime militar: canções maravilhosas, de qualidade estética e política como Carcará, do saudoso João do Vale(esse cara faz falta...), apesar de serem manifestações de resistência diante da ditadura militar, eram compreendidas e cultuadas pelos intelectuais de esquerda da classe média, e não pelo proletariado. Longe de mim menosprezar esta e outras canções: elas são documentos vivos da luta contra o regime militar, são ouro melódico que precisa chegar hoje aos ouvidos da juventude trabalhadora, para assim ajudar a arar o solo para a música do futuro.
Num momento em que muitos compositores deste período(décadas de sessenta e setenta) andam em entrevistas e em documentários desmentindo ou relativizando o papel político de enfrentamento de suas canções na época, precisamos informar os trabalhadores sobre a necessidade de criação de canções de protesto que não se domesticam com o tempo.Para enfrentarmos a alienação musical precisamos cultivar a música de protesto dentro das comunidades.
Tupinik
As relações entre política e música são do tempo " da onça ", remetendo-nos pelo menos aos tempos da Revolução francesa de 1789: uma trilha sonora danada de boa acompanhou a derrubada da nobreza, é só pensar na Carmagnole dos San culottes. Mas será que a música pode mesmo ajudar na luta política? Quando Bob Dylan se afastou do engajamento folk, chegou a declarar ainda nos anos sessenta que a música não mantém um movimento social, não mantém uma greve. Penso que Dylan estava pessimista, mas por outro lado, a ingenuidade é um sério perigo. Para a música de protesto surtir efeito ela precisa estar integrada á realidade de uma comunidade: o rap é a prova viva de como o protesto musical faz efeito, pois ele está inserido na vida de homens concretos.
Diante da realidade industrial(e acrescentaria, como já o fiz em outros textos, que estamos na época digital presenciando uma mudança significativa na produção e circulação de músicas), devemos pensar o engajamento musical dentro da realidade concreta dos trabalhadores. Além dos ritmos regionais, a indústria cultural ameaça destruir os vínculos entre música e política; O protesto musical precisa fazer parte da luta política, pois mesmo as composições mais avançadas quando estão apartadas do povo, não surtem o efeito político desejado. Basta olharmos para a música popular brasileira durante o regime militar: canções maravilhosas, de qualidade estética e política como Carcará, do saudoso João do Vale(esse cara faz falta...), apesar de serem manifestações de resistência diante da ditadura militar, eram compreendidas e cultuadas pelos intelectuais de esquerda da classe média, e não pelo proletariado. Longe de mim menosprezar esta e outras canções: elas são documentos vivos da luta contra o regime militar, são ouro melódico que precisa chegar hoje aos ouvidos da juventude trabalhadora, para assim ajudar a arar o solo para a música do futuro.
Num momento em que muitos compositores deste período(décadas de sessenta e setenta) andam em entrevistas e em documentários desmentindo ou relativizando o papel político de enfrentamento de suas canções na época, precisamos informar os trabalhadores sobre a necessidade de criação de canções de protesto que não se domesticam com o tempo.Para enfrentarmos a alienação musical precisamos cultivar a música de protesto dentro das comunidades.
Tupinik
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Banksy ou o saudável terrorismo da arte:
Diante de Banksy, artistas e críticos que pregam a despolitização da arte, estão mais uma vez se dando mal. Após fazer a coroa tremer na cabeça da Rainha da Inglaterra, Banksy faz com que o Big Bang ainda tenha dificuldade em acertar os ponteiros com uma arte violentamente pública, altamente politizada e tremendamente perigosa para o status-quo.Quem é (ou quem são) Banksy, é uma questão aberta: trata-se do pseudônimo de um artista(e na opinião de muitos um coletivo de artistas) que fazendo uso apenas do estêncil, criou imagens provocadoras nos muros das cidades inglesas de Bristol e Londres. Suas imagens mancham com humor e violência a paisagem burguesa.
Grafiteiro, cineasta e militante político, o fato é que Banksy enquanto artista anônimo(e portanto vacinado contra as vaidades pequeno-burguesas) levanta uma polêmica que divide opiniões: haveria um limite entre arte e vandalismo? É exatamente isso que está sendo discutido no momento na cidade de Nova York: Banksy está fazendo intervenções em paredes da cidade norte americana; acusado de vandalismo o artista inglês tem que enfrentar agora os tiras americanos na sua cola. Na verdade, Banksy, formado na melhor tradição de ruptura do anarco-punk, coloca em prática o caráter transgressor da arte. Diferentemente da função decorativa que os capitalistas impõem para a arte, Banksy não dissocia criação e protesto: críticas ás autoridades são uma constância nas suas obras. Destinado ao espaço público, o grafite torna-se nas mãos de Banksy uma verdadeira arma que procura comunicar á população os problemas do mundo atual.
No caso brasileiro, fica evidente a contribuição ímpar de Banksy na estética dos protestos deste ano de 2013. Quando os termos " arte " e " vândalo " encontram-se banalizados e distorcidos, o trabalho deste artista(s) inglês nos leva a uma reflexão sobre as condições concretas de expressão na sociedade capitalista. Muitos até tentam(naturalmente...) comercializar a obra de Banksy, na tentativa de leiloar muros, por exemplo. Mas na realidade, as intenções subversivas de Banksy ultrapassam o vandalismo do mercado: a arte deve estar nas ruas, testemunhando a luta política e estimulando o debate cultural. Longa vida a Banksy!
Marta Dinamite
Grafiteiro, cineasta e militante político, o fato é que Banksy enquanto artista anônimo(e portanto vacinado contra as vaidades pequeno-burguesas) levanta uma polêmica que divide opiniões: haveria um limite entre arte e vandalismo? É exatamente isso que está sendo discutido no momento na cidade de Nova York: Banksy está fazendo intervenções em paredes da cidade norte americana; acusado de vandalismo o artista inglês tem que enfrentar agora os tiras americanos na sua cola. Na verdade, Banksy, formado na melhor tradição de ruptura do anarco-punk, coloca em prática o caráter transgressor da arte. Diferentemente da função decorativa que os capitalistas impõem para a arte, Banksy não dissocia criação e protesto: críticas ás autoridades são uma constância nas suas obras. Destinado ao espaço público, o grafite torna-se nas mãos de Banksy uma verdadeira arma que procura comunicar á população os problemas do mundo atual.
No caso brasileiro, fica evidente a contribuição ímpar de Banksy na estética dos protestos deste ano de 2013. Quando os termos " arte " e " vândalo " encontram-se banalizados e distorcidos, o trabalho deste artista(s) inglês nos leva a uma reflexão sobre as condições concretas de expressão na sociedade capitalista. Muitos até tentam(naturalmente...) comercializar a obra de Banksy, na tentativa de leiloar muros, por exemplo. Mas na realidade, as intenções subversivas de Banksy ultrapassam o vandalismo do mercado: a arte deve estar nas ruas, testemunhando a luta política e estimulando o debate cultural. Longa vida a Banksy!
Marta Dinamite
domingo, 20 de outubro de 2013
Poema " GRITOS PARA ROMA ", de Federico Garcia Lorca
Maçãs levemente feridas
por finas espátulas de prata,
nuvens rasgadas por mãos de coral
que leva uma amêndoa de fogo,
peixes de arsênio como tubarões,
tubarões como gotas de pranto para cegar uma multidão,
rosas que ferem,
e agulhas instaladas nos canais do sangue,
mundos inimigos e amores cobertos de vermes
cairão sobre ti. Cairão sobre a grande cúpula
que unta de azeite as línguas militares
onde um homem urina sobre uma pomba deslumbrante
e cospe carvão mascado
rodeado de milhares de campainhas
Porque já não há quem reparta o pão e o vinho,
nem quem cultive as ervas na boca do morto,
nem quem abra os lençóis de respouso,
nem quem chore pelas comidas dos elefantes.
Não há mais do que um milhão de ferreiros
forjando cadeias para os meninos que hão de vir.
Não há mais do que um milhão de carpinteiros
que fazem ataúdes sem cruz.
Não mais do que lamentos
de gente que abre as roupas para esperar as balas.
O homem que despreza a pomba devia falar,
devia gritar despido entre as colunas,
e dar-se a uma injeção para adquirir a lepra,
e chorar um pranto tão terrível
que dissolvesse seus anéis e seus telefones de diamantes.
Mas o homem vestido de branco
ignora o mistério da espiga,
ignora o gemido da parturiente,
ignora que Cristo, todavia, pode dar água,
ignora que a moeda queima o beijo do prodígio
e leva o sangue do cordeiro ao bico idiota do faisão
Os mestres ensinam aos meninos
uma luz maravilhosa que vem do monte.
Mas o que chega é uma reunião de cloacas
onde gritam as obscuras ninfas da cólera.
Os mestres assinalam com devoção as enormes cúpulas polidas.
Mas debaixo das estátuas não há o amor,
não há o amor ante os olhos do cristal definitivo.
O amor está na carne dilacerada pela sede
e na choça diminuta que luta contra a inundação.
O amor está nos porões onde luta a serpe da fome,
no triste mar que embala os cadáveres das gaivotas
e no beijo obscuro e pungente sob as almofadas.
Mas o velho das mãos translúcidas
dirá: amor, amor, amor
aclamado por milhões de moribundos;
dirá: amor, amor, amor
sobre as telas estremecidas de ternura;
dirá: paz, paz, paz
entre o rangir do cutelo e o explodir da dinamite;
dirá: amor, amor, amor
até que se lhe ponham uma mordaça de prata.
Entretanto, entretanto, ah! entretanto,
os negros que carregam as cuspideiras,
os moços que tremem ante o pálido terror dos diretores,
as mulheres afogadas em azeites minerais,
enfim, a multidão de martelo, de violino ou de nuvem
há de gritar ainda que estrele os miolos no muro,
há de gritar em frente ás cúpulas,
há de gritar louca de fogo,
há de gritar louca de sede,
há de gritar com a cabeça cheia de excremento,
há de gritar com todas as noites juntas,
há de gritar com voz tão dilacerada
até que as cidades tremam como meninas
e quebrem as prisões de azeite e de música,
porque queremos o pão nosso de cada dia,
flor de polimento e de perene ternura,
porque queremos que se cumpra a verdade da terra
que dá os seus frutos para todos.
Federico Garcia Lorca
por finas espátulas de prata,
nuvens rasgadas por mãos de coral
que leva uma amêndoa de fogo,
peixes de arsênio como tubarões,
tubarões como gotas de pranto para cegar uma multidão,
rosas que ferem,
e agulhas instaladas nos canais do sangue,
mundos inimigos e amores cobertos de vermes
cairão sobre ti. Cairão sobre a grande cúpula
que unta de azeite as línguas militares
onde um homem urina sobre uma pomba deslumbrante
e cospe carvão mascado
rodeado de milhares de campainhas
Porque já não há quem reparta o pão e o vinho,
nem quem cultive as ervas na boca do morto,
nem quem abra os lençóis de respouso,
nem quem chore pelas comidas dos elefantes.
Não há mais do que um milhão de ferreiros
forjando cadeias para os meninos que hão de vir.
Não há mais do que um milhão de carpinteiros
que fazem ataúdes sem cruz.
Não mais do que lamentos
de gente que abre as roupas para esperar as balas.
O homem que despreza a pomba devia falar,
devia gritar despido entre as colunas,
e dar-se a uma injeção para adquirir a lepra,
e chorar um pranto tão terrível
que dissolvesse seus anéis e seus telefones de diamantes.
Mas o homem vestido de branco
ignora o mistério da espiga,
ignora o gemido da parturiente,
ignora que Cristo, todavia, pode dar água,
ignora que a moeda queima o beijo do prodígio
e leva o sangue do cordeiro ao bico idiota do faisão
Os mestres ensinam aos meninos
uma luz maravilhosa que vem do monte.
Mas o que chega é uma reunião de cloacas
onde gritam as obscuras ninfas da cólera.
Os mestres assinalam com devoção as enormes cúpulas polidas.
Mas debaixo das estátuas não há o amor,
não há o amor ante os olhos do cristal definitivo.
O amor está na carne dilacerada pela sede
e na choça diminuta que luta contra a inundação.
O amor está nos porões onde luta a serpe da fome,
no triste mar que embala os cadáveres das gaivotas
e no beijo obscuro e pungente sob as almofadas.
Mas o velho das mãos translúcidas
dirá: amor, amor, amor
aclamado por milhões de moribundos;
dirá: amor, amor, amor
sobre as telas estremecidas de ternura;
dirá: paz, paz, paz
entre o rangir do cutelo e o explodir da dinamite;
dirá: amor, amor, amor
até que se lhe ponham uma mordaça de prata.
Entretanto, entretanto, ah! entretanto,
os negros que carregam as cuspideiras,
os moços que tremem ante o pálido terror dos diretores,
as mulheres afogadas em azeites minerais,
enfim, a multidão de martelo, de violino ou de nuvem
há de gritar ainda que estrele os miolos no muro,
há de gritar em frente ás cúpulas,
há de gritar louca de fogo,
há de gritar louca de sede,
há de gritar com a cabeça cheia de excremento,
há de gritar com todas as noites juntas,
há de gritar com voz tão dilacerada
até que as cidades tremam como meninas
e quebrem as prisões de azeite e de música,
porque queremos o pão nosso de cada dia,
flor de polimento e de perene ternura,
porque queremos que se cumpra a verdade da terra
que dá os seus frutos para todos.
Federico Garcia Lorca
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
Sexta edição da " Mostra Luta! " :
Pelos caminhos da contramão do cinema, é sempre muito bom nos depararmos com a Mostra Luta!. Trata-se de um exemplo genuíno de militância cultural revolucionária: a cada edição, os filmes exibidos promovem a reflexão crítica, a irresistível apologia do combate político pelo audiovisual. Graças aos companheiros que organizam esta mostra no MIS de Campinas, perpetua-se a certeza revolucionária de que a imagem pode e deve interferir na guerra ideológica contra a sociedade capitalista. Em sua sexta edição, a Mostra Luta! apresenta entre os dias 18 e 27 de outubro, uma programação instigante e precisa : atenta ás lutas sociais de 2013, a mostra estabelece uma retrospectiva das mobilizações políticas dos últimos meses. São exibidas também verdadeiras lições de História contidas em filmes que abordam as lutas da classe trabalhadora. Cabe destacar ainda a merecida homenagem ao fotógrafo-militante João Zinclar, falecido em janeiro deste ano.
A Mostra Luta! é um resultado concreto da guerrilha cineclubista impulsionada pelo Museu da Imagem e do Som de Campinas. É o MIS de Campinas um palco obrigatório para a reflexão política e estética através do cinema. Um espaço que diz respeito a todos os militantes da cultura. Compareçam!
Conselho Editorial Lanterna
A Mostra Luta! é um resultado concreto da guerrilha cineclubista impulsionada pelo Museu da Imagem e do Som de Campinas. É o MIS de Campinas um palco obrigatório para a reflexão política e estética através do cinema. Um espaço que diz respeito a todos os militantes da cultura. Compareçam!
Conselho Editorial Lanterna
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
Mensagem do Front Cultural
Se a frase " vem pra rua " resume a agitação política deste ano, fica inevitável que busquemos também nas ruas, os esforços artísticos que traduzem o nosso tempo. Na gama de estilos e tendências que formam aquilo que denomina-se arte de rua, será inevitável para todas estas tendências se politizarem; afinal de contas, elas competem com uma cultura que faz da Estética um dado inerente á alienação.De fato vivemos um período em que a arte, no seu sentido tradicional, é esmagada por um abismo estético no qual milhares de informações, estímulos e sinais atacam a nossa percepção. Para que a arte possa ser algo fora de si mesma e portando interferir nos destinos políticos da sociedade, ela deve exprimir nos muros, no espaço público como um todo, uma vontade geral de transformação. Coisas bacanas já rolam a um bom tempo: o nosso grafite, por exemplo, capta uma positiva miscigenação com referências que passam pelo mangá, pelo surrealismo, pela fotomontagem e outras transas. Somente conhecendo doutrinas políticas socialistas, estes artistas podem aprimorar as forças de comunicação e com seu trabalho fazer frente ao consumismo, e enfim chamar a atenção do proletariado.
A arte conceitual, embora já tenha fornecido experiências transgressoras e importantes, acaba sendo em vários momentos uma desculpa para não se encarar o isolamento e a irrelevância da arte para a maioria da população: situações banais, com uma ironia desgastada, parecem expressar na realidade um sentimento de humilhação, de um suposto acréscimo sensível á poluição visual das cidades, não gerando nem estranhamento e muito menos um questionamento político.O artista de classe média, com sua formação calcada na irresponsabilidade política de pensadores pós-modernos, agrava a insignificância da experiência artística do dia a dia.
No cotidiano mesquinho da arte quase tudo vira discussão de especialistas e investidores, enquanto que para a percepção das massas o que bate fundo mesmo são os produtos simplificados da indústria cultural.Como reagir artisticamente? Cuidado com saídas anacrônicas...Nem venham com o Dadá: ele funcionou na época da Primeira guerra mundial(1914-1918), quando um pathos niilista procurava responder ao absurdo da cultura burguesa através da destruição da arte(hoje a atitude Dadá se confunde ás vezes com marketing, puro business). Portanto não dá para destruir o que já foi incinerado: a escolha dos materiais e a pesquisa das expressões, precisam ir em direção aos trabalhadores.
Alguém poderia me acusar de insistir numa " dimensão desastrosa ", ou seja o caráter político da arte. Mas acontece que os possíveis acertos nesta situação, dependem da articulação entre forças políticas de esquerda e artistas(esteja as primeiras no poder ou não). Foi assim com o Proletkult, a Bauhaus e o CPC(Centro Popular de Cultura). Se até aqui as vanguardas fracassaram, devemos procurar entender e debater as razões sociais/políticas deste fracasso. Em nossos dias a rua deve ser o contexto não para experiências artísticas banais, mas o espaço para exercitar a consciência crítica: a arte precisa se afinar ao ritmo das passeatas, dos protestos, na rua, aonde o povo está. Hoje a arte de rua, assim como os vídeos e a nova literatura proletária das periferias, é o que permite um novo trânsito cultural com movimentos políticos de esquerda.
Lenito
A arte conceitual, embora já tenha fornecido experiências transgressoras e importantes, acaba sendo em vários momentos uma desculpa para não se encarar o isolamento e a irrelevância da arte para a maioria da população: situações banais, com uma ironia desgastada, parecem expressar na realidade um sentimento de humilhação, de um suposto acréscimo sensível á poluição visual das cidades, não gerando nem estranhamento e muito menos um questionamento político.O artista de classe média, com sua formação calcada na irresponsabilidade política de pensadores pós-modernos, agrava a insignificância da experiência artística do dia a dia.
No cotidiano mesquinho da arte quase tudo vira discussão de especialistas e investidores, enquanto que para a percepção das massas o que bate fundo mesmo são os produtos simplificados da indústria cultural.Como reagir artisticamente? Cuidado com saídas anacrônicas...Nem venham com o Dadá: ele funcionou na época da Primeira guerra mundial(1914-1918), quando um pathos niilista procurava responder ao absurdo da cultura burguesa através da destruição da arte(hoje a atitude Dadá se confunde ás vezes com marketing, puro business). Portanto não dá para destruir o que já foi incinerado: a escolha dos materiais e a pesquisa das expressões, precisam ir em direção aos trabalhadores.
Alguém poderia me acusar de insistir numa " dimensão desastrosa ", ou seja o caráter político da arte. Mas acontece que os possíveis acertos nesta situação, dependem da articulação entre forças políticas de esquerda e artistas(esteja as primeiras no poder ou não). Foi assim com o Proletkult, a Bauhaus e o CPC(Centro Popular de Cultura). Se até aqui as vanguardas fracassaram, devemos procurar entender e debater as razões sociais/políticas deste fracasso. Em nossos dias a rua deve ser o contexto não para experiências artísticas banais, mas o espaço para exercitar a consciência crítica: a arte precisa se afinar ao ritmo das passeatas, dos protestos, na rua, aonde o povo está. Hoje a arte de rua, assim como os vídeos e a nova literatura proletária das periferias, é o que permite um novo trânsito cultural com movimentos políticos de esquerda.
Lenito
terça-feira, 15 de outubro de 2013
A esquerda brasileira necessita de arte, humor e desbunde:
Muita gente já percebeu que uma das teclas que o nosso blog mais bate, diz respeito a uma desvalorização da ação artística por boa parte da esquerda. Bem, continuaremos enchendo o saco, insistindo no fato de que não existe Revolução política fora da Revolução estética. O legal nisso tudo é que não somos os únicos a apelarem para a dimensão estética da luta política; basta observarmos os novos resultados expressivos de vídeos, desenhos e cartazes legados pela sensibilidade rebelada de 2013. Esta necessidade de uma inserção maior da arte na prática política da esquerda, atinge o próprio material de imprensa: além das publicações e das seções " culturais " de muitos veículos de esquerda(e o próprio Lanterna está situado neste campo), acreditamos que as publicações de cunho político também necessitam de propostas estéticas. Sendo assim, que se aproveite a contribuição anárquica do jornal O Homem do Povo, editado por Oswald de Andrade e Patrícia Galvão em 1931. Um periódico batuta, mal comportado e selvagem demais para muitos marxistas que não sacaram Marx e possuem a psique de um burguês.
Todos nós temos muito a aprender com este periódico: ele é um herdeiro direto do movimento antropofágico de 1928-30, do qual Oswald e Pagu foram os mais famintos por inovação. O humor destrutivo, a conduta sexualmente emancipada e o escândalo que não poupa nenhuma instituição da classe dominante, foram a contribuição antropofágica que fez do Homem do Povo um diferencial na História da esquerda brasileira. Antes de ser empastelado por estudantes de Direito emputecidos com Oswald, o jornal revelou uma grande liberdade de luta, na qual o componente estético era fundamental. Em os nossos dias, o periódico de Oswald e Pagu envolve uma grande lição para a militância cultural e política: os quadrinhos provocadores de Pagu, as maluquices literárias da série No paiz da gente nua, artigos porretas como os da coluna Palco, Tela e Picadeiro, além de enquetes e textos contendo denúncias, análises econômicas e belíssimos desaforos contra a burguesia.
Olhando/gargalhando diante dos quadrinhos de Malakabeça, fanika e Kabelluda , fica o nosso recado para grevistas e contestadores de rua do nosso tempo: para avançarmos na luta política, devemos pela irreverência da arte bagunçar a cultura.
Os Independentes
Das " Notas sobre Mahagonny ", de Bertolt Brecht:
A FORMA DRAMÁTICA DO TEATRO:
É ação,
Faz participar o espectador na ação,
Consome-lhe a atividade,
Desperta-lhe sentimentos.
Vivência.
O espectador é jogado dentro de alguma coisa.
Sugestão.
Os sentimentos são conservados tais como são.
O espectador está no interior da ação, participa.
Supõe-se que o homem é algo conhecido.
O homem imutável.
Interesse apaixonado pelo desenlace.
Uma cena em função da outra.
Progressão.
Desenvolvimento lienar.
Evolução contínua.
O homem como um dado fixo.
O pensamento determina o ser.
Sentimento.
A FORMA ÉPICA DO TEATRO:
É narração,
Faz do espectador um observador - mas
desperta-lhe a consciência crítica,
Exige-lhe decisões.
Visão do mundo.
O espectador é colocado diante de alguma coisa.
Argumento.
Os sentimentos são elevados a uma tomada de consciência.
O espectador está de frente, analisa.
O homem é objeto de uma análise.
O homem se transforma e pode transformar.
Interesse apaixonado pelo desenvolvimento da ação.
Cada cena para si.
Construção articulada.
Desenvolvimento retilíneo.
Saltos.
O homem como uma realidade em processo.
O ser social determina o pensamento.
Razão.
Este esquema não apresenta oposição absoluta, mas simplesmente variações de matiz. Assim, dentro de uma representação destinada a informar o público, podemos fazer apelo á sugestão efetiva quanto á persuasão puramente racional.
Bertolt Brecht, 1930.
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Arte brasileira:
A arte brasileira depende da realidade brasileira e é ao mesmo tempo reveladora de nossa realidade. Por isso a nossa expressão é ainda em grande parte lírica. Como pode o Brasil ter uma arte trágica e grandiosa sem que se faça a Revolução social?
Di Cavalcanti.
Di Cavalcanti.
Disco: comércio ou obra de arte?
Esquisito, mas a facilidade com que a música é reproduzida hoje através da tecnologia digital, tem levado paradoxalmente a uma espécie de nostalgia do disco. Isto atinge parte do público jovem em várias regiões do mundo , fascinado pelo vinil, sobretudo pelo formato do LP. Tá, mas o que esta história de disco tem a acrescentar ao papel revolucionário que a música pode exercer? Até o ouvinte mais desatento ás questões sociais, sabe que o disco é antes de tudo comércio, uma mina que no século passado movia negócios milionários entre gravadoras. Mas ainda assim, será que é só isso? Quando a garotada se sente atraída pelo velho bolachão, é porque trata-se de um objeto definido, concreto e não um espectro musical que encarna e desencarna nos meios digitais. Esta " concretude " que define uma " obra de arte " em mãos, demonstra a necessidade de se estabelecer uma relação mais ritualística com a música, possibilitando inclusive que as faixas do disco sejam possíveis produtos de crítica social e expressões de rebeldia.
Já se escreveu muito neste blog que a arte para ser revolucionária, precisa nascer e circular em meios de produção culturais independentes. Correto, mas para que isso se manifeste na produção e nos hábitos musicais, é preciso levar em conta a importância do álbum neste processo. Até a primeira metade dos anos sessenta, o LP(Long Play) em grande parte, trazia a canção de um single ou as canções de um compacto, que por sua vez eram articulados com as rádios comerciais(os hits radiofônicos). Esta era uma realidade específica da música pop, do rock; antes porém os discos de música clássica e de jazz já potencializavam o instrumento do disco, organizando cada faixa como parte de uma coerência estética interna, como um produto que possuí uma distinção quanto a sua natureza musical. Enquanto a produção clássica enfrentava uma redução de compositores e de público, nos anos quarenta e cinquenta o jazz em suas derivações estilísticas(bebop e posteriormente o cool jazz) já fazia do disco um terreno de aprimoramento para suas propostas artísticas. É só olhar Miles Davis, que em 1959, por exemplo, fez de seu álbum Kind of Blue um gesto duradouro de vanguarda.
Com a música de protesto e as experiências de contracultura, os anos sessenta fermentaram o espaço do disco: apesar de tudo ser grana para as gravadoras capitalistas, jovens músicos converteram o vinil em plataforma para projetar o protesto político e expressar as fundamentais mudanças de comportamento. Seja no Brasil ou nos Estados Unidos, fazia-se ainda que por razões distintas, o protesto acústico: os sambas de Chico Buarque tratavam da miséria social e da repressão política. A folk song de Bob Dylan denunciava a guerra e o racismo; e tudo era gravado em disco, colocando todo mundo para pensar, seja num quarto, seja numa reunião de amigos que compartilhavam das mesmas posições políticas. Não que a música de protesto não existisse e não fosse gravada antes: é que agora o disco também poderia ser entendido como um manifesto musical.
A entrada do rock aumentando o volume do descontentamento social, fez com que este de fato revolucionasse a estrutura do disco. Até a banda mais comercial da terra, os Beatles, começam a partir de 1966 catalisar no plano do álbum as grandes transformações mentais da juventude. Quando o quarteto de Liverpool sacou que o seu desenvolvimento artístico só poderia se dar no estúdio, e portanto distante da beatlemania dos shows, novas estruturas musicais envoltas em experiências sonoras sofisticadíssimas, nascem em discos como Revolver(1966) e Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band(1967). Entre os anos sessenta e setenta o disco passa a ser compreendido como um livro, um filme, uma coleção de pinturas. "Arghh...", seria só comércio disfarçado de arte? Dialeticamente o processo comercial capitalista em sua distribuição internacional, fez com que o material fonográfico dos discos rodasse o mundo, internacionalizando assim a rebeldia de gente como Jimi Hendrix. Quem poderia negar que as revoltas de 1968 tinham no disco sua projeção simbólica? E como tinha gente que buscava nas capas dos LP´s ou rodando o disco ao contrário na vitrola, mensagens políticas e transgressoras. Além do rock uma ampla gama de estilos musicais passam a dar voz, pelo disco, á diversas minorias étnicas, sexuais e de classe. Nem mesmo o mais cético crítico da indústria cultural poderia negar que nas últimas décadas do século XX, o disco apesar do comércio exprimiu a crítica social.
O que poderia ser o disco hoje? Apenas nostalgia ou um contexto musical que se apropriado corretamente pelas esquerdas, pode ser um espaço de rica exposição musical? O disco não acabou, os lançamentos de CD também não. Mas, enquanto desafio, muitos artistas devem na democratização direta da música do meio digital, refletir sobre formatos que germinem trabalhos em formas de discos(numa circulação nova e de fato independente, como muitos já o fazem). Estamos diante da possibilidade histórica do disco se aproximar mais da arte e menos do comércio, mais da resistência política e menos da indústria fonográfica.
Tupinik
Já se escreveu muito neste blog que a arte para ser revolucionária, precisa nascer e circular em meios de produção culturais independentes. Correto, mas para que isso se manifeste na produção e nos hábitos musicais, é preciso levar em conta a importância do álbum neste processo. Até a primeira metade dos anos sessenta, o LP(Long Play) em grande parte, trazia a canção de um single ou as canções de um compacto, que por sua vez eram articulados com as rádios comerciais(os hits radiofônicos). Esta era uma realidade específica da música pop, do rock; antes porém os discos de música clássica e de jazz já potencializavam o instrumento do disco, organizando cada faixa como parte de uma coerência estética interna, como um produto que possuí uma distinção quanto a sua natureza musical. Enquanto a produção clássica enfrentava uma redução de compositores e de público, nos anos quarenta e cinquenta o jazz em suas derivações estilísticas(bebop e posteriormente o cool jazz) já fazia do disco um terreno de aprimoramento para suas propostas artísticas. É só olhar Miles Davis, que em 1959, por exemplo, fez de seu álbum Kind of Blue um gesto duradouro de vanguarda.
Com a música de protesto e as experiências de contracultura, os anos sessenta fermentaram o espaço do disco: apesar de tudo ser grana para as gravadoras capitalistas, jovens músicos converteram o vinil em plataforma para projetar o protesto político e expressar as fundamentais mudanças de comportamento. Seja no Brasil ou nos Estados Unidos, fazia-se ainda que por razões distintas, o protesto acústico: os sambas de Chico Buarque tratavam da miséria social e da repressão política. A folk song de Bob Dylan denunciava a guerra e o racismo; e tudo era gravado em disco, colocando todo mundo para pensar, seja num quarto, seja numa reunião de amigos que compartilhavam das mesmas posições políticas. Não que a música de protesto não existisse e não fosse gravada antes: é que agora o disco também poderia ser entendido como um manifesto musical.
A entrada do rock aumentando o volume do descontentamento social, fez com que este de fato revolucionasse a estrutura do disco. Até a banda mais comercial da terra, os Beatles, começam a partir de 1966 catalisar no plano do álbum as grandes transformações mentais da juventude. Quando o quarteto de Liverpool sacou que o seu desenvolvimento artístico só poderia se dar no estúdio, e portanto distante da beatlemania dos shows, novas estruturas musicais envoltas em experiências sonoras sofisticadíssimas, nascem em discos como Revolver(1966) e Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band(1967). Entre os anos sessenta e setenta o disco passa a ser compreendido como um livro, um filme, uma coleção de pinturas. "Arghh...", seria só comércio disfarçado de arte? Dialeticamente o processo comercial capitalista em sua distribuição internacional, fez com que o material fonográfico dos discos rodasse o mundo, internacionalizando assim a rebeldia de gente como Jimi Hendrix. Quem poderia negar que as revoltas de 1968 tinham no disco sua projeção simbólica? E como tinha gente que buscava nas capas dos LP´s ou rodando o disco ao contrário na vitrola, mensagens políticas e transgressoras. Além do rock uma ampla gama de estilos musicais passam a dar voz, pelo disco, á diversas minorias étnicas, sexuais e de classe. Nem mesmo o mais cético crítico da indústria cultural poderia negar que nas últimas décadas do século XX, o disco apesar do comércio exprimiu a crítica social.
O que poderia ser o disco hoje? Apenas nostalgia ou um contexto musical que se apropriado corretamente pelas esquerdas, pode ser um espaço de rica exposição musical? O disco não acabou, os lançamentos de CD também não. Mas, enquanto desafio, muitos artistas devem na democratização direta da música do meio digital, refletir sobre formatos que germinem trabalhos em formas de discos(numa circulação nova e de fato independente, como muitos já o fazem). Estamos diante da possibilidade histórica do disco se aproximar mais da arte e menos do comércio, mais da resistência política e menos da indústria fonográfica.
Tupinik
sábado, 12 de outubro de 2013
A politização da estética no audiovisual:
Se em nossa época o cinema atravessa um processo de transição mediante as novas tecnologias digitais, cabe aos militantes revolucionários interpretarem as potencialidades expressivas deste novo contexto. Sabemos que as correspondências entre a produção ideológica capitalista as novas tecnologias, visam a despolitização da imagem e o empobrecimento da experiência coletiva : as pequenas telas do celular, do tablet e do laptop são produtos do individualismo , fazendo com que para a existência de dois espectadores, um deles tenha que virar o rosto para as imagens serem vistas pelo outro.Mas ainda assim, seria imprudente não reconhecermos que através destas tecnologias as imagens são produzidas e circuladas numa proporção nunca antes vista na História(já insistimos o suficiente nisto em outras ocasiões).
Gostaríamos de assinalar que se a exibição de um filme não se encerra mais apenas nas salas escuras ou em frente á TV, precisamos com as novas tecnologias elevar á consciência política dos trabalhadores; realizando uma produção audiovisual revolucionária e ao mesmo tempo enriquecedora da vida coletiva. Entre a produção, a filmagem e a edição, uma ação direta sobre o meio de produção audiovisual se impõe: é na miséria, na carência de recursos, que nascem as condições sociais objetivas para os focos de resistência audiovisuais. Entretanto, os resultados obtidos implicam num tipo de circulação necessariamente revolucionária, sendo a recepção privada do produto audiovisual, uma clara limitação imposta pela cultura dominante. A pequena tela deve levar aos espaços aonde existam telas maiores, que recepcionem a coletividade. O ato de " baixar " filmes e vídeos, deve levar a criação de contextos coletivos de exibição. Apelamos assim para que os companheiros circulem a nova produção audiovisual revolucionária(junto ao fundamental da História do cinema revolucionário) em suas escolas, em seus sindicatos, nas sedes dos seus partidos políticos, nas salas públicas de exibição de suas cidades, nas universidades, etc.
Sendo impossível falar da experiência audiovisual fora da gramática legada pela História do cinema, não interessa mais nos apegarmos aos mitos da sétima arte: apoiados na ideia do autor cinematográfico, nos livramos num único safanão de todo peso industrial e tecnicista do cinema convencional. Para nós, a cinefilia interessa somente enquanto estudo sistemático dos verdadeiros autores cinematográficos, que participaram da subversão por meio da imagem(Glauber Rocha, Luis Buñuel, Sergei Eisenstein, para citar os mais óbvios). No plano das influências estéticas para a produção audiovisual, tão fundamental quanto o cinema é a pintura, a literatura, o teatro, a filosofia, etc. Um trecho de uma obra de Karl Marx, ainda que tenha nascido sob o signo da Economia Política e não da Estética, pode ter um valor expressivo muito maior do que toda a História de Hollywood.
Permitam agora compartilharmos os resultados práticos da nossa experiência audiovisual no Lanterna, que até o momento conta com aproximadamente 15 vídeos publicados neste blog. Se optamos em expor aqui algumas conclusões práticas do nosso trabalho na Frente de batalha do audiovisual, é porque sem nos importarmos nem um pouco com conceitos como " genialidade artística " ou " sucesso ", queremos contribuir com a construção de uma reflexão coletiva junto aos companheiros. Em nossa práxis a pesquisa imagética que resulta no produto audiovisual, isto é o vídeo, está desvinculada tanto da condição mercadológica(imposta a tudo que existe na cultura), quanto de preocupações técnicas aplicadas exclusivamente aos padrões visuais atrelados á indústria. Em acordo com Brecht, nossas iniciativas procuram não abastecer o aparelho de produção capitalista. Estendendo a nossa sintonia em direção a Artaud, desejamos colocar a técnica não a serviço do tecnicismo mas a técnica a serviço da poesia. Para quem acompanha nosso trabalho não apenas no campo do texto escrito, mas dos vídeos realizados, já deve ter observado que alguns vídeos possuem um caráter ensaístico, visando a reflexão sobre as relações entre estética e política num sentido anticapitalista. Em outros momentos, mais abertos á invenção, a câmera é um instrumento capaz de revelar as energias ocultas da realidade, convertendo em massa poética a representação daquilo que a ideologia dominante toma por " real ". Neste movimento dialético entre o discurso objetivo e a invenção, fazemos questão de não sermos sérios, sisudos, pois grande parte da esquerda carece de irreverência, do humor que destrói a solenidade burguesa.
As novas condições técnicas de produção do audiovisual, não permitem mais elucubrações esteticistas mas a aplicação transgressora da estética livremente engajada. Portanto, mais eficaz do que concentrar esforços em projetos faraônicos, em grandes orçamentos, é pegar a câmera como se pega um cartaz de protesto. Eis uma lição fundamental do Junho de 2013! Não se trata de reduzir o audiovisual em palavras de ordem, mas de expor que a imagem em movimento é uma arma na guerra ideológica. Antes de se deslumbrar com a pornografia, o sadismo e as mentiras do grande vídeo game folhetinesco que é o grosso do atual cinema(inclusive brasileiro), a classe trabalhadora deve pegar em câmeras e assumir o controle da produção cultural. Partindo de uma sólida formação estética e política, os trabalhadores não devem fazer vídeos enquanto curiosidade antropológica para o burguês ver. Os trabalhadores devem criar obras que em sua autonomia estética desafiam a ordem capitalista. A politização da estética na era digital, garante o alcance da nova Arte Revolucionária.
Orestes Toledo/Afonso Machado
Gostaríamos de assinalar que se a exibição de um filme não se encerra mais apenas nas salas escuras ou em frente á TV, precisamos com as novas tecnologias elevar á consciência política dos trabalhadores; realizando uma produção audiovisual revolucionária e ao mesmo tempo enriquecedora da vida coletiva. Entre a produção, a filmagem e a edição, uma ação direta sobre o meio de produção audiovisual se impõe: é na miséria, na carência de recursos, que nascem as condições sociais objetivas para os focos de resistência audiovisuais. Entretanto, os resultados obtidos implicam num tipo de circulação necessariamente revolucionária, sendo a recepção privada do produto audiovisual, uma clara limitação imposta pela cultura dominante. A pequena tela deve levar aos espaços aonde existam telas maiores, que recepcionem a coletividade. O ato de " baixar " filmes e vídeos, deve levar a criação de contextos coletivos de exibição. Apelamos assim para que os companheiros circulem a nova produção audiovisual revolucionária(junto ao fundamental da História do cinema revolucionário) em suas escolas, em seus sindicatos, nas sedes dos seus partidos políticos, nas salas públicas de exibição de suas cidades, nas universidades, etc.
Sendo impossível falar da experiência audiovisual fora da gramática legada pela História do cinema, não interessa mais nos apegarmos aos mitos da sétima arte: apoiados na ideia do autor cinematográfico, nos livramos num único safanão de todo peso industrial e tecnicista do cinema convencional. Para nós, a cinefilia interessa somente enquanto estudo sistemático dos verdadeiros autores cinematográficos, que participaram da subversão por meio da imagem(Glauber Rocha, Luis Buñuel, Sergei Eisenstein, para citar os mais óbvios). No plano das influências estéticas para a produção audiovisual, tão fundamental quanto o cinema é a pintura, a literatura, o teatro, a filosofia, etc. Um trecho de uma obra de Karl Marx, ainda que tenha nascido sob o signo da Economia Política e não da Estética, pode ter um valor expressivo muito maior do que toda a História de Hollywood.
Permitam agora compartilharmos os resultados práticos da nossa experiência audiovisual no Lanterna, que até o momento conta com aproximadamente 15 vídeos publicados neste blog. Se optamos em expor aqui algumas conclusões práticas do nosso trabalho na Frente de batalha do audiovisual, é porque sem nos importarmos nem um pouco com conceitos como " genialidade artística " ou " sucesso ", queremos contribuir com a construção de uma reflexão coletiva junto aos companheiros. Em nossa práxis a pesquisa imagética que resulta no produto audiovisual, isto é o vídeo, está desvinculada tanto da condição mercadológica(imposta a tudo que existe na cultura), quanto de preocupações técnicas aplicadas exclusivamente aos padrões visuais atrelados á indústria. Em acordo com Brecht, nossas iniciativas procuram não abastecer o aparelho de produção capitalista. Estendendo a nossa sintonia em direção a Artaud, desejamos colocar a técnica não a serviço do tecnicismo mas a técnica a serviço da poesia. Para quem acompanha nosso trabalho não apenas no campo do texto escrito, mas dos vídeos realizados, já deve ter observado que alguns vídeos possuem um caráter ensaístico, visando a reflexão sobre as relações entre estética e política num sentido anticapitalista. Em outros momentos, mais abertos á invenção, a câmera é um instrumento capaz de revelar as energias ocultas da realidade, convertendo em massa poética a representação daquilo que a ideologia dominante toma por " real ". Neste movimento dialético entre o discurso objetivo e a invenção, fazemos questão de não sermos sérios, sisudos, pois grande parte da esquerda carece de irreverência, do humor que destrói a solenidade burguesa.
As novas condições técnicas de produção do audiovisual, não permitem mais elucubrações esteticistas mas a aplicação transgressora da estética livremente engajada. Portanto, mais eficaz do que concentrar esforços em projetos faraônicos, em grandes orçamentos, é pegar a câmera como se pega um cartaz de protesto. Eis uma lição fundamental do Junho de 2013! Não se trata de reduzir o audiovisual em palavras de ordem, mas de expor que a imagem em movimento é uma arma na guerra ideológica. Antes de se deslumbrar com a pornografia, o sadismo e as mentiras do grande vídeo game folhetinesco que é o grosso do atual cinema(inclusive brasileiro), a classe trabalhadora deve pegar em câmeras e assumir o controle da produção cultural. Partindo de uma sólida formação estética e política, os trabalhadores não devem fazer vídeos enquanto curiosidade antropológica para o burguês ver. Os trabalhadores devem criar obras que em sua autonomia estética desafiam a ordem capitalista. A politização da estética na era digital, garante o alcance da nova Arte Revolucionária.
Orestes Toledo/Afonso Machado
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
Prólogo da peça teatral " Mistério-Bufo ", de Maiakóvski:
UM IMPURO:
Dentro de um minuto
Vocês vão ver...
Mistério-bufo
Duas palavras devo dizer:
é algo novo.
Para dar um pulo mais alto que a cabeça
é necessária a ajuda de alguém.
Diante de uma nova peça
um prólogo sempre vai bem.
Primeiro,
por que o teatro está todo revirado?
Isto vai deixar
os bons cidadãos muito indignados.
Ora, para que se vai ao teatro?
Para ter algum prazer, não é fato?
Mas esse prazer é suficiente
se ele está no palco somente?
O palco é apenas um terço do todo.
Quer dizer,]num espetáculo interessante,
se tudo se faz bem,
três vezes prazer você tem,
mas agora,
se não é interessante o que se vê em cena
então nem um terço
vale a pena.
Para os outros teatros
representar não é importante:
para eles o palco é
o buraco da fechadura.
Sentado, calado, passivo,
de frente ou de banda,
você espia a vidinha alheia.
Espia e vê
cochichar no sofá
tias Manchas e tios Vânias.
A nós não interessam
nem tios nem tias,
tia e tio você tem casa.
Nós também vamos mostrar a vida real,
mas transformada
num extraordinário espetáculo teatral.
No primeiro ato é o seguinte o essencial:
a terra está pingando.
Depois há um estrondo.
Todos fogem do dilúvio revolucionário.
Sete pares de impuros
e de puros sete pares.
Isto é,
quatorze proletários-indigentes
e quatorze senhores burgueses,
e, no meio deles,
um menchevique com um par de bochechinhas chorosas.
O polo inunda.
Desmorona o último refúgio.
E todos começam a construir
não uma arca,
mas um arquerefúgio.
No segundo ato
O público todo viaja na arca:
lá vai a monarquia absoluta,
e a democracia república,
e, por fim,
sob os altos brandos mencheviques
os puros são postos mas afora.
No terceiro ato vai se ver
que o trabalhador
não tem nada a temer
nem mesmo o diabo no inferno a tremer.
No quarto
ria até rachar!
o paraíso vamos desvendar.
O quinto ato é a ruína completa
e boquiaberta
arruína, devora.
Apesar de trabalharmos com a pança vazia,
a ruína foi enfim por nós vencida.
O sexto ato
é a comuna,
a sala toda
aos berros uma canção entoa tão bem!
Abram bem os olhos, hein!
Tudo pronto?
O inferno?
O paraíso?
VOZ(atrás do palco)
P-r-o-n-t-o!
IMPURO:
Manda ver!
Vladímir Maiakóvski, 1920.
Dentro de um minuto
Vocês vão ver...
Mistério-bufo
Duas palavras devo dizer:
é algo novo.
Para dar um pulo mais alto que a cabeça
é necessária a ajuda de alguém.
Diante de uma nova peça
um prólogo sempre vai bem.
Primeiro,
por que o teatro está todo revirado?
Isto vai deixar
os bons cidadãos muito indignados.
Ora, para que se vai ao teatro?
Para ter algum prazer, não é fato?
Mas esse prazer é suficiente
se ele está no palco somente?
O palco é apenas um terço do todo.
Quer dizer,]num espetáculo interessante,
se tudo se faz bem,
três vezes prazer você tem,
mas agora,
se não é interessante o que se vê em cena
então nem um terço
vale a pena.
Para os outros teatros
representar não é importante:
para eles o palco é
o buraco da fechadura.
Sentado, calado, passivo,
de frente ou de banda,
você espia a vidinha alheia.
Espia e vê
cochichar no sofá
tias Manchas e tios Vânias.
A nós não interessam
nem tios nem tias,
tia e tio você tem casa.
Nós também vamos mostrar a vida real,
mas transformada
num extraordinário espetáculo teatral.
No primeiro ato é o seguinte o essencial:
a terra está pingando.
Depois há um estrondo.
Todos fogem do dilúvio revolucionário.
Sete pares de impuros
e de puros sete pares.
Isto é,
quatorze proletários-indigentes
e quatorze senhores burgueses,
e, no meio deles,
um menchevique com um par de bochechinhas chorosas.
O polo inunda.
Desmorona o último refúgio.
E todos começam a construir
não uma arca,
mas um arquerefúgio.
No segundo ato
O público todo viaja na arca:
lá vai a monarquia absoluta,
e a democracia república,
e, por fim,
sob os altos brandos mencheviques
os puros são postos mas afora.
No terceiro ato vai se ver
que o trabalhador
não tem nada a temer
nem mesmo o diabo no inferno a tremer.
No quarto
ria até rachar!
o paraíso vamos desvendar.
O quinto ato é a ruína completa
e boquiaberta
arruína, devora.
Apesar de trabalharmos com a pança vazia,
a ruína foi enfim por nós vencida.
O sexto ato
é a comuna,
a sala toda
aos berros uma canção entoa tão bem!
Abram bem os olhos, hein!
Tudo pronto?
O inferno?
O paraíso?
VOZ(atrás do palco)
P-r-o-n-t-o!
IMPURO:
Manda ver!
Vladímir Maiakóvski, 1920.
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Refletindo sobre a Literatura de 30:
A exemplo do que rola com a pintura, muita gente já tentou enterrar o romance. Tentativa inútil, já que este é o gênero literário que melhor condensa a capacidade de narrar e refletir dentro de um dado momento histórico. Não faço pouco caso de outros formatos que a prosa possui, mas enfatizo que a forma do romance(refiro-me ao romance moderno, que incorpora em seu repertório estilístico as grandes conquistas expressivas do século XX), ainda é estratégico: é no ato de narrar que a ficção se posiciona perante situações reais, fazendo do romance a grande porta de entrada literária para a análise do social, das contradições humanas em um determinado contexto histórico. Inquestionável é o fato do romance ganhar uma grande força cultural na atualidade. Creio que isto pode ser explicado pelo desejo de compreender pela narrativa quem somos nós. A garotada por exemplo, tem lido vários romances: alguns importados, que apesar dos grossos volumes são ocos no seu vago misticismo e nos enredos massificados, para não dizer pobremente americanizados. Outros romances, brasileiros, no entanto, possuem uma fome realista, um ímpeto de expor as engrenagens da sociedade, revelando por meio do registro a opressão social: estamos portanto diante da literatura periférica e também da literatura prisional. Afim de fomentar esta produção, acho importante estimular entre os jovens escritores brasileiros das periferias(os únicos que podem devolver á literatura seu papel de intervenção social, já que boa parte dos escritores de classe média estão assustados com seus fantasmas pessoais e distantes da realidade concreta do país) o gosto pelo melhor do romance brasileiro. A principal fonte para se apreender técnicas convincentes, e que portanto permitem o abastecimento estético e temático, encontra-se na Literatura de 30.
Dentro do recorte histórico de 1930-45, notamos o florescimento do melhor romance que a História da literatura brasileira já viu. Incorporando ao seu trabalho a liberdade conquistada pelos modernistas de 1922, escritores como Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, Oswald de Andrade(protagonista de 1922) e Patrícia Galvão trouxeram a maturidade intelectual para a nossa prosa; prosa consequente, diga-se de passagem, interessada em desvendar as realidades do Brasil. Para o atual escritor brasileiro que possui a fúria e o desejo de problematizar pela obra os dramas do nosso tempo, melhor fonte não há. Perante as transformações econômicas trazidas por aquilo que a historiografia reacionária chama de Revolução de 30(e não podemos subtrair a própria crise econômica internacional neste processo), observamos um amplo questionamento contra as tradições oligárquicas no campo e o enriquecimento do industrial pançudo nas cidades.
É sabido que o modernismo quis pelo escândalo redescobrir o Brasil, destruindo com a literatura de vanguarda as tradições estéticas. Acontece que a rebeldia modernista teve, com a problemática década de trinta, sair da adolescência para de fato compreender o país. Não cabia nos anos trinta, assim como não cabe hoje, ficar preso na transgressão de salão(embora muita gente ainda goste disso). Um vasto país em sua paisagem diversa apresenta diferentes tipos humanos; e é isto que a Literatura de 30 traz para o seu novo programa temático: é o povo, o trabalhador brasileiro, que passa a estar como disse José Lins, numa conferência de 1943, nas páginas do moderno romance social. Com o ponta pé dado pelo Manifesto regionalista de 1926, graças ao Centro regionalista do Nordeste, com sede em Recife, a inovação modernista deveria agora ser aliada de um sentimento que mostrasse as realidades regionais. Buscando o homem brasileiro, a Literatura de 30 é em parte definida pelo regionalismo: ao arrebentar com as formalidades gramaticais da língua culta, o modernismo permitiu a emergência de narrativas marcadas pela fala cotidiana, simples, sem rodeios e realisticamente correta em seus erros. É na denúncia social organizada a partir da tensão entre o " eu " e o " mundo ", que o romance de 30 mostra os personagens misturados ao meio social e natural.
O nosso nordeste, até hoje em foco nas reportagens jornalísticas quando o assunto é carência e miséria, torna-se o contexto geográfico privilegiado dos escritores. Com o romance regionalista inaugurado em A Bagaceira(1926), de José Américo de Almeida, uma nova produção literária apresenta a crítica social; um forte instrumental literário que não fica atrás da sociologia, cumprindo a missão de fomentar pela estética realista e moderna a luta de classes. Raquel de Queiroz apresenta uma prosa dinâmica que pela comunicação direta e simples nos mostra os problemas do Ceará, com suas terras secas e a opressão social definindo a paisagem natural/humana. Seus romances mais significativos no quadro do regionalismo de 30 fica por conta dos livros O Quinze, João Miguel e o mais á esquerda de todos Caminho de Pedras.
José Lins do Rego fornece verdadeiros documentos literários para se entender a crise dos engenhos na Zona da Mata, promovida pelas poderosas usinas. Seu ciclo da cana de açúcar, envolve romances como Menino de Engenho. Vale lembrar que além dos temas ligados á cana, José Lins tratou do misticismo e do cangaço nos romances Pedra Bonita e Cangaceiros. Indo mais longe na crítica aos problemas sociais e políticos, encontramos Graciliano Ramos. Ele foi para a cadeia em 1936 por escrever obras como Caetés. Seu ápice literário será Vidas Secas, em que a desumanização, a incomunicabilidade e a miséria de uma família nordestina apresenta tragicamente a figura dos " viventes ". Estes se deparam com um horizonte seco, vazio, hostil; além é claro de passar pela opressão do soldado amarelo, grande símbolo da opressão política da Era Vargas.
Já pelas bandas da Bahia, Jorge Amado é quem se destaca enquanto escritor engajado. Apesar de cair constantemente na lábia do realismo socialista(curto e grosso: a arte dos stalinistas) Jorge, fiel seguidor do Partido Comunista(a exemplo de Graciliano Ramos e Raquel, antes dela vincular-se ao troskismo), ele faz do romance regional uma plataforma política: em obras como Cacáu , Suor e outros, Jorge estabelece a crítica social nas fazendas de cacau de Ilhéus e Itabuna. No ciclo do cacau, Jorge Amado nos apresenta os problemas econômicos dos trabalhadores, oscilando entre a denúncia e a propaganda política. Mas se Jorge Amado procura inaugurar no Brasil o romance proletário, quem o faz antes(e melhor) é Patrícia Galvão. Em Parque Industrial, temos neste que é o primeiro romance proletário escrito no Brasil, uma obra em que o realismo não abre mão dos recursos da literatura de vanguarda. Patrícia não opta em tratar dos dramas regionais mas do drama das operárias de São Paulo. A rotina proletária no Brás é exposta em cortes rápidos, que remetem muito ao vanguardismo de Oswald de Andrade: por esta época, Oswald aventurava-se no romance social(como A Escada, por exemplo), mas dá seu recado revolucionário mesmo com sua dramaturgia política nas peças O Rei da Vela, O Homem e o Cavalo e A Morta. Não que a experiência do romance social em Oswald seja de se jogar fora: Os dois volumes de Marco Zero , ou seja A Revolução melancólica e Chão, publicados na década de quarenta, são tentativas muito competentes de se criar um romance mural, popular e revolucionário, acerca de uma exposição minuciosa sobre a sociedade paulista em meio a agitação social e política de 30(a chamada Revolução de 32 é apresentada com maestria pelo autor).
Portanto,não é apenas do regionalismo que vive a Literatura de 30: Pagu e Oswald no auge do seu engajamento comunista, legam obras de cunho social, realista, mas ao mesmo tempo atentas ás técnicas de vanguarda, incluindo aí a transgressão na forma literária e nos comportamentos sociais vigentes(são inegáveis em alguns momentos as heranças diretas do movimento antropofágico de 1928-29).
Há muito, muito mais autores e obras. O que acabo de escrever é apenas uma tira gosto para estimular a pesquisa literária entre os romancistas engajados de hoje.Seja tematizando a cidade ou as regiões isoladas do país, creio que cabe ao escritor continuar desvendando as realidades: ao expor a miséria do povo, o romancista exerce um papel de conscientização política pela sensibilização e pelo raciocínio objetivo. A herança árida, bruta e direta dos escritores de 30 deve ser cada vez mais estudada e colocada em prática. Eis a práxis da literatura moderna.
Geraldo Vermelhão
Dentro do recorte histórico de 1930-45, notamos o florescimento do melhor romance que a História da literatura brasileira já viu. Incorporando ao seu trabalho a liberdade conquistada pelos modernistas de 1922, escritores como Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, Oswald de Andrade(protagonista de 1922) e Patrícia Galvão trouxeram a maturidade intelectual para a nossa prosa; prosa consequente, diga-se de passagem, interessada em desvendar as realidades do Brasil. Para o atual escritor brasileiro que possui a fúria e o desejo de problematizar pela obra os dramas do nosso tempo, melhor fonte não há. Perante as transformações econômicas trazidas por aquilo que a historiografia reacionária chama de Revolução de 30(e não podemos subtrair a própria crise econômica internacional neste processo), observamos um amplo questionamento contra as tradições oligárquicas no campo e o enriquecimento do industrial pançudo nas cidades.
É sabido que o modernismo quis pelo escândalo redescobrir o Brasil, destruindo com a literatura de vanguarda as tradições estéticas. Acontece que a rebeldia modernista teve, com a problemática década de trinta, sair da adolescência para de fato compreender o país. Não cabia nos anos trinta, assim como não cabe hoje, ficar preso na transgressão de salão(embora muita gente ainda goste disso). Um vasto país em sua paisagem diversa apresenta diferentes tipos humanos; e é isto que a Literatura de 30 traz para o seu novo programa temático: é o povo, o trabalhador brasileiro, que passa a estar como disse José Lins, numa conferência de 1943, nas páginas do moderno romance social. Com o ponta pé dado pelo Manifesto regionalista de 1926, graças ao Centro regionalista do Nordeste, com sede em Recife, a inovação modernista deveria agora ser aliada de um sentimento que mostrasse as realidades regionais. Buscando o homem brasileiro, a Literatura de 30 é em parte definida pelo regionalismo: ao arrebentar com as formalidades gramaticais da língua culta, o modernismo permitiu a emergência de narrativas marcadas pela fala cotidiana, simples, sem rodeios e realisticamente correta em seus erros. É na denúncia social organizada a partir da tensão entre o " eu " e o " mundo ", que o romance de 30 mostra os personagens misturados ao meio social e natural.
O nosso nordeste, até hoje em foco nas reportagens jornalísticas quando o assunto é carência e miséria, torna-se o contexto geográfico privilegiado dos escritores. Com o romance regionalista inaugurado em A Bagaceira(1926), de José Américo de Almeida, uma nova produção literária apresenta a crítica social; um forte instrumental literário que não fica atrás da sociologia, cumprindo a missão de fomentar pela estética realista e moderna a luta de classes. Raquel de Queiroz apresenta uma prosa dinâmica que pela comunicação direta e simples nos mostra os problemas do Ceará, com suas terras secas e a opressão social definindo a paisagem natural/humana. Seus romances mais significativos no quadro do regionalismo de 30 fica por conta dos livros O Quinze, João Miguel e o mais á esquerda de todos Caminho de Pedras.
José Lins do Rego fornece verdadeiros documentos literários para se entender a crise dos engenhos na Zona da Mata, promovida pelas poderosas usinas. Seu ciclo da cana de açúcar, envolve romances como Menino de Engenho. Vale lembrar que além dos temas ligados á cana, José Lins tratou do misticismo e do cangaço nos romances Pedra Bonita e Cangaceiros. Indo mais longe na crítica aos problemas sociais e políticos, encontramos Graciliano Ramos. Ele foi para a cadeia em 1936 por escrever obras como Caetés. Seu ápice literário será Vidas Secas, em que a desumanização, a incomunicabilidade e a miséria de uma família nordestina apresenta tragicamente a figura dos " viventes ". Estes se deparam com um horizonte seco, vazio, hostil; além é claro de passar pela opressão do soldado amarelo, grande símbolo da opressão política da Era Vargas.
Já pelas bandas da Bahia, Jorge Amado é quem se destaca enquanto escritor engajado. Apesar de cair constantemente na lábia do realismo socialista(curto e grosso: a arte dos stalinistas) Jorge, fiel seguidor do Partido Comunista(a exemplo de Graciliano Ramos e Raquel, antes dela vincular-se ao troskismo), ele faz do romance regional uma plataforma política: em obras como Cacáu , Suor e outros, Jorge estabelece a crítica social nas fazendas de cacau de Ilhéus e Itabuna. No ciclo do cacau, Jorge Amado nos apresenta os problemas econômicos dos trabalhadores, oscilando entre a denúncia e a propaganda política. Mas se Jorge Amado procura inaugurar no Brasil o romance proletário, quem o faz antes(e melhor) é Patrícia Galvão. Em Parque Industrial, temos neste que é o primeiro romance proletário escrito no Brasil, uma obra em que o realismo não abre mão dos recursos da literatura de vanguarda. Patrícia não opta em tratar dos dramas regionais mas do drama das operárias de São Paulo. A rotina proletária no Brás é exposta em cortes rápidos, que remetem muito ao vanguardismo de Oswald de Andrade: por esta época, Oswald aventurava-se no romance social(como A Escada, por exemplo), mas dá seu recado revolucionário mesmo com sua dramaturgia política nas peças O Rei da Vela, O Homem e o Cavalo e A Morta. Não que a experiência do romance social em Oswald seja de se jogar fora: Os dois volumes de Marco Zero , ou seja A Revolução melancólica e Chão, publicados na década de quarenta, são tentativas muito competentes de se criar um romance mural, popular e revolucionário, acerca de uma exposição minuciosa sobre a sociedade paulista em meio a agitação social e política de 30(a chamada Revolução de 32 é apresentada com maestria pelo autor).
Portanto,não é apenas do regionalismo que vive a Literatura de 30: Pagu e Oswald no auge do seu engajamento comunista, legam obras de cunho social, realista, mas ao mesmo tempo atentas ás técnicas de vanguarda, incluindo aí a transgressão na forma literária e nos comportamentos sociais vigentes(são inegáveis em alguns momentos as heranças diretas do movimento antropofágico de 1928-29).
Há muito, muito mais autores e obras. O que acabo de escrever é apenas uma tira gosto para estimular a pesquisa literária entre os romancistas engajados de hoje.Seja tematizando a cidade ou as regiões isoladas do país, creio que cabe ao escritor continuar desvendando as realidades: ao expor a miséria do povo, o romancista exerce um papel de conscientização política pela sensibilização e pelo raciocínio objetivo. A herança árida, bruta e direta dos escritores de 30 deve ser cada vez mais estudada e colocada em prática. Eis a práxis da literatura moderna.
Geraldo Vermelhão
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Do texto " Surrealismo: O último instantâneo da inteligência européia ", de Walter Benjamin
(...) Em todos os seus livros e iniciativas, a proposta surrealista tende ao mesmo fim: mobilizar para a revolução as energias da embriaguez. Podemos dizer que é essa sua tarefa mais autêntica. Sabemos que um elemento de embriaguez está vivo em cada ato revolucionário, mas isso não basta. Esse elemento é de caráter anárquico. Privilegiá-lo exclusivamente seria sacrificar a preparação metódica e disciplinada da revolução a uma práxis que oscila entre o exercício e a véspera da festa. A isso se acrescenta uma concepção estreita e não dialética da essência da embriaguez. A estética do pintor, do poeta en état de suprise, da arte como a reação do indivíduo " surpreendido ", são noções excessivamente próximas de certos fatais preconceitos românticos. Toda investigação séria dos dons e fenômenos ocultos, surrealistas e fantasmagóricos, precisa ter um pressuposto dialético que o espírito romântico não pode aceitar. De nada nos serve a tentativa patética ou fanática de apontar no enigmático o seu lado enigmático; só devassamos o mistério na medida em que o encontramos no cotidiano, como impenetrável e o impenetrável do cotidiano.
(...)Também o coletivo é corpóreo.E a physis, que para ele se organiza na técnica, só pode ser engendrada em toda a sua eficácia política e objetiva naquele espaço de imagens que a iluminação profana nos tornou familiar. Somente quando o corpo e o espaço de imagens se interpenetrarem, dentro dela, tão profundamente que todas as tensões revolucionárias se transformem em inervações do corpo coletivo, e todas as inervações do corpo coletivo se transformarem em tensões revolucionárias ; somente então terá a realidade conseguido superar-se, segundo a exigência do Manifesto Comunista. No momento, os surrealistas são os únicos que conseguiram compreender as palavras de ordem que o Manifesto nos transmite hoje. Cada um deles troca a mera gesticulação pelo quadrante de um despertador, que soa durante sessenta segundos, cada minuto.
Walter Benjamin, 1929.
(...)Também o coletivo é corpóreo.E a physis, que para ele se organiza na técnica, só pode ser engendrada em toda a sua eficácia política e objetiva naquele espaço de imagens que a iluminação profana nos tornou familiar. Somente quando o corpo e o espaço de imagens se interpenetrarem, dentro dela, tão profundamente que todas as tensões revolucionárias se transformem em inervações do corpo coletivo, e todas as inervações do corpo coletivo se transformarem em tensões revolucionárias ; somente então terá a realidade conseguido superar-se, segundo a exigência do Manifesto Comunista. No momento, os surrealistas são os únicos que conseguiram compreender as palavras de ordem que o Manifesto nos transmite hoje. Cada um deles troca a mera gesticulação pelo quadrante de um despertador, que soa durante sessenta segundos, cada minuto.
Walter Benjamin, 1929.
terça-feira, 8 de outubro de 2013
Arte libertária contra a repressão:
Numa época em que ir a um baile de máscaras pode ser crime, a arte tende cada vez mais a ser uma das coisas mais perigosas para as autoridades. Numa clima crescente de destruição,uma sensibilidade pulverizadora ganha corpo, fazendo parecer que " o Dadá finalmente se desenvolve no Brasil ": é todo um empenho destrutivo contra a simbologia das autoridades. Com o governo de boca aberta e o sarrafo comendo solto, um clima de vigilância e paranoia vai tomando conta... Greves e protestos aumentam a temperatura de tudo, fazendo dos olhos irritados pelo gás lacrimogênio, a maior lembrança sensível dos últimos meses. Mas seria a destruição gratuita o que define o anarquismo? Penso que não. O anarquismo vem sendo alvo de toda sorte de distorções e banalizações. Os adjetivos " vândalos " e " mascarados " massacram as intenções filosóficas do pensamento libertário; além da mídia burguesa muitos anarquistas contribuem para o grande perigo de uma associação imediata do anarquismo com a violência gratuita: esteja claro que dentro da ação direta alguns fazem uso da violência e outros de estratégias pacificas.
Não são todos os anarquistas que concordam com quebradeira, pois como isso comunica o projeto libertário? Acredito que a consciência política se desenvolve na ação direta, mas a dissolução do capitalismo requer informação, uma nova sensibilidade e não o quebra quebra que perante a população não diz nada. Se não houver um esforço educativo os indivíduos nunca serão livres; e pior, não conseguiremos fazer os trabalhadores acreditarem na necessidade de uma outra sociedade. A crença no poder de intervenção da arte, por exemplo, é um recurso libertário que se converte em uma fonte inesgotável para vários anarquistas: a arte revela mais consciência e a urgência da liberdade plena, inviável dentro do sistema. Aqui neste blog existe dentre as inúmeras referências teóricas e políticas, menções constantes ao empenho artístico na História do anarquismo.
Algum companheiro mais esquentado poderia dizer que fazer arte " é fácil", " cômodo ". Discordo e do jeito que a coisa anda, isto é, mediante a voz elevada das autoridades, vai sobrar até mesmo para quem não acredita em ações violentas.O problema não é o tipo de tática, se violenta ou pacifica, já que o Estado capitalista é em si a raiz da violência: a repressão vem caindo sobre os indivíduos que pensam, que sabem da possibilidade de serem livres, de questionarem o poder econômico e político. Um novo pau de arara atravessa o céu do país, fazendo da repressão policial uma constante, seja em algumas universidades, na truculência contra grevistas e até em acusações de tortura contra trabalhadores. O artista libertário se depara ainda com uma sociedade em que professores são cobertos de porrada e a única estética levada em conta é a das mercadorias.
Neste contexto, que poder não tem a arte para desarrumar a moral e arrebentar toda a louça espiritual da burguesia? Enquanto libertária não adoto ações violentas, admitindo somente a violência da arte. Entre a tijolada e o verso, fico com o verso porque ele vai mais longe. Mas mesmo optando pela arte e não pelo morteiro, não deixo de temer a repressão, pois a contra-informação, a subversão dos signos, definem também alvos para as autoridades . Portanto enquanto artistas anarquistas(e comunistas, caso estes compreendam a liberdade em arte) precisamos usar máscaras enquanto recurso cênico e não para a quebradeira: não é com a quebradeira que iremos derrubar a máscara das autoridades e o véu do rosto dos trabalhadores. Tenho que me proteger da violência midiática e policial. Tenho que devolver com cuspe uma arquitetura excludente. Tenho que me marginalizar para me proteger dos super-heróis. Tenho que arriscar a pele cantando com o punho cerrado porque o som da sirene é muito alto. Se julgam minha arte agressiva é porque o Estado é antes de tudo violência contra o indivíduo.
Marta Dinamite
Não são todos os anarquistas que concordam com quebradeira, pois como isso comunica o projeto libertário? Acredito que a consciência política se desenvolve na ação direta, mas a dissolução do capitalismo requer informação, uma nova sensibilidade e não o quebra quebra que perante a população não diz nada. Se não houver um esforço educativo os indivíduos nunca serão livres; e pior, não conseguiremos fazer os trabalhadores acreditarem na necessidade de uma outra sociedade. A crença no poder de intervenção da arte, por exemplo, é um recurso libertário que se converte em uma fonte inesgotável para vários anarquistas: a arte revela mais consciência e a urgência da liberdade plena, inviável dentro do sistema. Aqui neste blog existe dentre as inúmeras referências teóricas e políticas, menções constantes ao empenho artístico na História do anarquismo.
Algum companheiro mais esquentado poderia dizer que fazer arte " é fácil", " cômodo ". Discordo e do jeito que a coisa anda, isto é, mediante a voz elevada das autoridades, vai sobrar até mesmo para quem não acredita em ações violentas.O problema não é o tipo de tática, se violenta ou pacifica, já que o Estado capitalista é em si a raiz da violência: a repressão vem caindo sobre os indivíduos que pensam, que sabem da possibilidade de serem livres, de questionarem o poder econômico e político. Um novo pau de arara atravessa o céu do país, fazendo da repressão policial uma constante, seja em algumas universidades, na truculência contra grevistas e até em acusações de tortura contra trabalhadores. O artista libertário se depara ainda com uma sociedade em que professores são cobertos de porrada e a única estética levada em conta é a das mercadorias.
Neste contexto, que poder não tem a arte para desarrumar a moral e arrebentar toda a louça espiritual da burguesia? Enquanto libertária não adoto ações violentas, admitindo somente a violência da arte. Entre a tijolada e o verso, fico com o verso porque ele vai mais longe. Mas mesmo optando pela arte e não pelo morteiro, não deixo de temer a repressão, pois a contra-informação, a subversão dos signos, definem também alvos para as autoridades . Portanto enquanto artistas anarquistas(e comunistas, caso estes compreendam a liberdade em arte) precisamos usar máscaras enquanto recurso cênico e não para a quebradeira: não é com a quebradeira que iremos derrubar a máscara das autoridades e o véu do rosto dos trabalhadores. Tenho que me proteger da violência midiática e policial. Tenho que devolver com cuspe uma arquitetura excludente. Tenho que me marginalizar para me proteger dos super-heróis. Tenho que arriscar a pele cantando com o punho cerrado porque o som da sirene é muito alto. Se julgam minha arte agressiva é porque o Estado é antes de tudo violência contra o indivíduo.
Marta Dinamite
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
Mário Pedrosa na ordem do dia:
Se a arte contemporânea está em crise, isto deve-se antes a um desleixo utópico, a uma separação descabida entre arte e vida, entre arte e política. Portanto, gente do calibre de Mário Pedrosa(1900-1981) é que deve constar nas referências teóricas dos artistas da atualidade. Felizmente a editora Cosac Naify anunciou que irá, no ano que vem, editar os principais escritos do crítico, divididos em volumes sobre artes plásticas, arquitetura e reflexões políticas. Uma ótima notícia para quem busca entender o papel revolucionário e ao mesmo tempo autônomo da arte. Pedrosa foi um revolucionário na medida em que compreendeu a Revolução tanto no campo político quanto estético. Ele exerceu de fato a crítica de arte porque a encarava enquanto dimensão fundamental da sua militância: não é a descrição subjetivista ou o relativismo pós-moderno que interessam para ele, e sim a busca pelos fundamentos estéticos e históricos dentro do que havia de mais avançado nas chamadas artes visuais.A luta de Mário Pedrosa pela emancipação humana, o levou a valorizar a radicalidade da forma e as pesquisas expressivas dos movimentos de vanguarda; Pedrosa dava um nó na cachola dos direitistas e dos esquerdistas(os últimos ainda confundem com frequência, arte com um atalho mal feito para ilustrar ideias políticas).
Além de ter sido um dos precursores da oposição internacional de esquerda, isto é do trotskismo, no Brasil, Pedrosa cumpre um itinerário crítico de tirar o chapéu: já de cara conviveu e tomou lições de liberdade com os surrealistas parisienses, no final dos anos vinte. Logo em seguida inaugurou a crítica de arte brasileira de viés marxista, ao analisar uma exposição da gravurista alemã expressionista Kaethe Kollwitz no CAM(Clube dos Artistas Modernos), na cidade de São Paulo em 1933. Após este início promissor, Mário Pedrosa se notabilizou por teorizar e divulgar no Brasil o abstracionismo. Brother que era do artista norte americano Alexander Calder e atento ás pesquisas formais da Gestalt, Pedrosa seria como ele mesmo gostava de dizer " um arauto das vanguardas ". Seus artigos transpiram as novidades trazidas pela Bienal das artes a partir de 1951, assumindo o valor de verdadeiras plataformas teóricas para o trabalho de artistas como Ivan Serpa e Abraham Palatinik. Seu pioneirismo quanto ao estudo da arte realizada por internos de clínicas psiquiátricas e por crianças, trouxe importantes avanços que extrapolaram os limites institucionais da arte. Impossível ainda pensarmos o desenvolvimento do concretismo e do neoconcretismo entre os anos cinquenta e sessenta, sem a envergadura teórica do crítico.
Esteja claro que não estamos realizando aqui uma " dica ", mas um ato de militância: Mário Pedrosa precisa circular pelas veias da crítica para irrigar a arte. Quem quiser tratar da arte revolucionária removendo de vez os perigos do esgoto stalinista, precisa ler Mário Pedrosa.
Os Independentes
Além de ter sido um dos precursores da oposição internacional de esquerda, isto é do trotskismo, no Brasil, Pedrosa cumpre um itinerário crítico de tirar o chapéu: já de cara conviveu e tomou lições de liberdade com os surrealistas parisienses, no final dos anos vinte. Logo em seguida inaugurou a crítica de arte brasileira de viés marxista, ao analisar uma exposição da gravurista alemã expressionista Kaethe Kollwitz no CAM(Clube dos Artistas Modernos), na cidade de São Paulo em 1933. Após este início promissor, Mário Pedrosa se notabilizou por teorizar e divulgar no Brasil o abstracionismo. Brother que era do artista norte americano Alexander Calder e atento ás pesquisas formais da Gestalt, Pedrosa seria como ele mesmo gostava de dizer " um arauto das vanguardas ". Seus artigos transpiram as novidades trazidas pela Bienal das artes a partir de 1951, assumindo o valor de verdadeiras plataformas teóricas para o trabalho de artistas como Ivan Serpa e Abraham Palatinik. Seu pioneirismo quanto ao estudo da arte realizada por internos de clínicas psiquiátricas e por crianças, trouxe importantes avanços que extrapolaram os limites institucionais da arte. Impossível ainda pensarmos o desenvolvimento do concretismo e do neoconcretismo entre os anos cinquenta e sessenta, sem a envergadura teórica do crítico.
Esteja claro que não estamos realizando aqui uma " dica ", mas um ato de militância: Mário Pedrosa precisa circular pelas veias da crítica para irrigar a arte. Quem quiser tratar da arte revolucionária removendo de vez os perigos do esgoto stalinista, precisa ler Mário Pedrosa.
Os Independentes
sábado, 5 de outubro de 2013
O artista militante sofre com a censura econômica
Em meio as menções midiáticas aos 25 anos da Constituição de 1988, não podemos deixar de refletir aqui sobre a situação das artes no Brasil, e em particular dos artistas militantes de esquerda. Após o país respirar com o fim do regime militar(1964-85), a Constituição revelava um contexto favorável para a criação artística. Está na Constituição que " É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística ". Apesar da arte não ter que pedir permissão ou ter o consentimento do Estado para existir, isto não deixou de representar um certo alívio. Entretanto, seria este o fim da censura no Brasil? A arte possui uma situação confortável no modo de produção capitalista? De que arte estamos falando? Logicamente a democracia burguesa é relativamente melhor que a ditadura burguesa: é bom sair á luz do dia sabendo que(em tese) ninguém pode ir em cana por se expressar por meio da criação. Entretanto, quando refletimos sobre as condições concretas de produção artística, fica evidente o tamanho da gaiola: embora menos estreita do que em períodos ditatoriais, ela existe e revela do lado de fora os vigilantes da cultura. A burguesia sabe o quanto o artista é perigoso, pois seu habitat " natural " é a transgressão, a violação dos tabus; criar, de fato, equivale extrapolar, decolar e não aceitar um jogo social, em que a arte seria apenas peça integrante do sistema.
O que de fato determina a existência da gaiola é a própria sociedade capitalista, cuja as formas de controle e repressão ultrapassam as " boas intenções " perante a ideia da liberdade de expressão(esta em si, uma expressão de efeito formal, diante da alienação e da exploração do trabalho que acabam por obstruir sua radicalização no cotidiano). Alertava o bom e velho Brecht sobre os perigos da censura econômica; e é exatamente esta que impede hoje uma subversão generalizada que somente a arte pode garantir, afinal o termômetro para o avanço de qualquer mudança no campo político é medido pela mobilização da sensibilidade, da percepção. Este tipo de censura consiste em permitir que somente os artistas vinculados ao poder econômico possam viver do oficio de " artista ". É também a censura econômica que intimida muitas vezes o artista a estabelecer uma crítica objetiva, independente e necessariamente violenta contra grupos ligados á classe dominante(os processos e as batalhas judiciais, envoltas em questões morais e de direitos autorais, muitas vezes fazem do artista um refém sujeito ás punições financeiras). A censura econômica gera em última análise uma cultura policialesca.
Se a sociedade de classes pressupõe uma cultura dominante, então os espaços são em grande parte ocupados por manifestações artísticas comprometidas com a ideologia da classe dominante. Para a arte ser realmente livre e solta, não podemos desliga-la das suas condições produtivas: é muito superficial achar que a liberdade em arte passa apenas pela escolha do tema, pela elaboração formal. Logicamente, se os fascistas(declarados ou não) pudessem, eles arrebentavam todos os artistas contestadores na porrada, mas esta é usada somente quando ameaçamos atravessar as grades da gaiola. Para se combater o censor oculto pela lógica do capital, devemos fazer da experiência estética não apenas um direito á expressão, mas uma luta pelo controle dos meios que produzem arte.
Não negamos as conquistas históricas para a situação das artes após 1988. Mas para que possamos avançar precisamos, como já disse Godard, criar uma guerra de guerrilha artística no campo da cultura. Isto pode soar " velho ", mas é somente na luta contra a cultura dominante e não na condição submissa ao incentivo econômico(estatal ou privado), que poderemos de fato democratizar a criação artística. É claro que o artista precisa sobreviver financeiramente, mas um esforço paralelo de militância deve ser realizado: afinal de contas, o artista revolucionário é antes um trabalhador da cultura, ao lado de todos os demais trabalhadores. Perante a espionagem internacional dos gringos, o fortalecimento do conservadorismo religioso e a ofensiva alienante do ensino reacionário e da cultura de massa, temos uma longa batalha pela frente.
Conselho Editorial Lanterna
O que de fato determina a existência da gaiola é a própria sociedade capitalista, cuja as formas de controle e repressão ultrapassam as " boas intenções " perante a ideia da liberdade de expressão(esta em si, uma expressão de efeito formal, diante da alienação e da exploração do trabalho que acabam por obstruir sua radicalização no cotidiano). Alertava o bom e velho Brecht sobre os perigos da censura econômica; e é exatamente esta que impede hoje uma subversão generalizada que somente a arte pode garantir, afinal o termômetro para o avanço de qualquer mudança no campo político é medido pela mobilização da sensibilidade, da percepção. Este tipo de censura consiste em permitir que somente os artistas vinculados ao poder econômico possam viver do oficio de " artista ". É também a censura econômica que intimida muitas vezes o artista a estabelecer uma crítica objetiva, independente e necessariamente violenta contra grupos ligados á classe dominante(os processos e as batalhas judiciais, envoltas em questões morais e de direitos autorais, muitas vezes fazem do artista um refém sujeito ás punições financeiras). A censura econômica gera em última análise uma cultura policialesca.
Se a sociedade de classes pressupõe uma cultura dominante, então os espaços são em grande parte ocupados por manifestações artísticas comprometidas com a ideologia da classe dominante. Para a arte ser realmente livre e solta, não podemos desliga-la das suas condições produtivas: é muito superficial achar que a liberdade em arte passa apenas pela escolha do tema, pela elaboração formal. Logicamente, se os fascistas(declarados ou não) pudessem, eles arrebentavam todos os artistas contestadores na porrada, mas esta é usada somente quando ameaçamos atravessar as grades da gaiola. Para se combater o censor oculto pela lógica do capital, devemos fazer da experiência estética não apenas um direito á expressão, mas uma luta pelo controle dos meios que produzem arte.
Não negamos as conquistas históricas para a situação das artes após 1988. Mas para que possamos avançar precisamos, como já disse Godard, criar uma guerra de guerrilha artística no campo da cultura. Isto pode soar " velho ", mas é somente na luta contra a cultura dominante e não na condição submissa ao incentivo econômico(estatal ou privado), que poderemos de fato democratizar a criação artística. É claro que o artista precisa sobreviver financeiramente, mas um esforço paralelo de militância deve ser realizado: afinal de contas, o artista revolucionário é antes um trabalhador da cultura, ao lado de todos os demais trabalhadores. Perante a espionagem internacional dos gringos, o fortalecimento do conservadorismo religioso e a ofensiva alienante do ensino reacionário e da cultura de massa, temos uma longa batalha pela frente.
Conselho Editorial Lanterna
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
As polêmicas entre o Cinema Novo e o CPC:
Rever Cinco vezes favela (1962) envolve uma experiência audiovisual que leva não apenas aos erros políticos do populismo, mas a um questionamento do que seria arte revolucionária. É bem possível que neste 2013 feito de luta e contestação, o filme ainda cause discussões quanto a maneira como o cinema pode influenciar na realidade política. Se isto obviamente demanda uma resolução formal para expressar um discurso revolucionário inserido no meio de produção audiovisual, então Cinco Vezes favela traz em si uma grande contradição sobre a estética da mensagem política. Eu me lembro quando há pouco mais de uma década, este filme foi exibido num ciclo sobre o Cinema Novo no MAC(Museu de Arte Contemporânea) de Campinas, através do MIS(Museu da Imagem e do Som), da mesma cidade. Aquela iniciativa do extinto grupo CIM(Campinas Imagem em Movimento) fez com que os cinco curtas metragens embrionários do Cinema Novo, batessem fundo num contexto marcado pela ascensão do PT ao poder: as divergências políticas no seio da esquerda, levavam por parte de alguns á defesa e de outros á condenação das alianças entre burguesia e classe trabalhadora; esta questão interferia no debate estético, levando por exemplo a uma reflexão histórica sobre as relações conturbadas entre o Cinema Novo e o CPC(Centro Popular de Cultura) durante o início dos anos sessenta. Seja perante a era Jango, seja perante a então era Lula, o que era colocado(apesar das diferenças entre ambas as situações históricas) por militantes e cinéfilos de esquerda, era: caberia a arte realizar um gesto conciliador entre classes(e portanto se submeter ao tom pedagógico e populista) ou uma ruptura que expressasse plasticamente a luta de classes? Penso que neste ano, com centenas de militantes com câmeras em punho, a crítica quanto a natureza demagógica do filme Cinco vezes favela, é valida para que não se repitam as ilusões populistas em arte.
Naquela galáxia do governo Jango, a arte era parte integrante de um amplo projeto de cultura engajada: sob a palavra de ordem " esclarecimento popular ", nos deparamos com o projeto de alfabetização para adultos de Paulo Freire, passando pelos debates políticos promovidos pela UNE, pela politização do teatro, da música popular e... pela emergência de um cinema político brasileiro. Para nos diferenciarmos da crítica burguesa que insiste em dissociar arte e política, vamos estabelecer uma crítica estética de esquerda: interessa aqui meditar sobre os possíveis erros da chamada arte revolucionária janguista. Esta mesma crítica remete-nos ao ano de 1963, quando ocorre um debate entre o movimento do Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura da UNE(tal debate se realizou em torno da revista O Metropolitano). Se no filme em questão o segundo teve o papel de produtor, longe o CPC estava em concordar com a natureza moderna da estética cinemanovista. Para os cepecistas imersos no zhdanovismo, o Cinema Novo era por demais hermético, vanguardista, o que atrapalharia o papel da arte na consolidação do pacto populista. Para o CPC nascido na cidade do Rio de Janeiro em 1961, interessava cumprir o etapismo histórico defendido pelo Partidão, sendo a Revolução nacionalista e burguesa o que estaria em jogo naquele momento.Em Cinco vezes favela, produto de uma ação conjunta entre Cinema Novo e CPC, estão delineados os limites políticos do populismo na própria forma do filme: o marxismo está presente no sentido de expor os conflitos de classe e a denúncia dos problemas sociais; entretanto a crítica revolucionária marxista não atinge o plano estético, gerando momentos mais próximos do maniqueísmo do que da dialética, mais conciliadores com a linguagem populista do que com a linguagem revolucionária.Não se tratam de curtas conservadores e tão pouco sem qualidade, mas já notamos uma certa tensão entre o cinema de autor(que requer liberdade e autonomia no processo criativo) e o esquematismo panfletário do CPC.
Mesmo antes do populismo ir para o ralo com o golpe de 64 acabando com a festa, o Cinema Novo apresentava uma clareza importante quanto ao papel social da arte: seria preciso revolucionar as formas de comunicação para se atingir uma expressão de ruptura. Glauber Rocha e Cacá Diegues reagiram e polemizaram em torno de Carlos Estevam e outros nomes do CPC: para Glauber e Cacá, arte revolucionária envolve um processo de destruição das formas burguesas, palatáveis, o que levou a um comentário preciso de Cacá na época: O que o CPC quer é a Internacional comunista apresentada em forma de twist? Não tem o menor sentido cultivar formas tradicionais, burguesas, para tratar do conflito entre proletariado e burguesia(neste ponto é sempre útil voltarmos a Maiakóvski...).
Se o Cinema Novo estava certo em relação as limitações estéticas e simplificadoras da realidade política em torno do CPC, ele não seria poupado de uma crítica posterior que afetaria ambos: a arte que se pretende revolucionária é ineficaz quando presa ao discurso da classe média esquerdista sobre o proletariado(e esta era a posição tanto do Cinema Novo quanto do CPC). Para se evitar o paternalismo, ainda que este possa revelar importantes lições estéticas, a saída envolve não o trabalhador enquanto objeto da imagem, mas o trabalhador enquanto autor do discurso audiovisual sobre a sua própria realidade. Será que esta inversão é suficiente? Certamente que não: basta observarmos o 5X favela - agora por nós mesmos . Nesta produção de 2010 realizada por Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães, moradores de favelas dirigem cinco curtas metragens, levando os próprios problemas da comunidade para a tela. Ainda que o resultado seja interessantíssimo do ponto de vista cinematográfico, falta a este filme o elemento utópico, o projeto revolucionário que exige uma estética de ruptura com a ordem estabelecida. Portanto, se é fato que o trabalhador deve filmar, este necessita de uma formação política e artística revolucionária para faze-lo(indispensável dizer que este é um dos papeis fundamentais da esquerda hoje).
De qualquer maneira, é importante revermos o filme de 1962: UM FAVELADO, de Marcos Farias, ZÉ DA CACHORRA, de Miguel Borges, ESCOLA DE SAMBA, ALEGRIA DE VIVER, de Carlos Diegues, COURO DE GATO, de Joaquim Pedro de Andrade e PEDREIRA DE SÃO DIOGO, de Leon Hirszman, são importantes registros de uma iniciativa de arte revolucionária. O realismo, ainda que por vezes esquemático, trouxe uma grande novidade para o cinema brasileiro de então, viciado pelo repertório recente das chanchadas e da Vera Cruz. Ninguém pode negar o desejo revolucionário de um filme que tenta discutir os problemas sociais do Brasil. Mesmo com seus equívocos nacionalistas e populistas, os curtas que compõem o filme não deixam de ser experiências que merecem a atenção(e a avaliação) dos cineastas militantes de hoje.
Afonso Machado
FILME: Cinco vezes favela
DIREÇÃO: Marcos Farias, Miguel Borges, Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman
ANO: 1962
LOCAL: Museu da Imagem e do Som de Campinas
DIA: 5/010
HORÁRIO: 19:30
Naquela galáxia do governo Jango, a arte era parte integrante de um amplo projeto de cultura engajada: sob a palavra de ordem " esclarecimento popular ", nos deparamos com o projeto de alfabetização para adultos de Paulo Freire, passando pelos debates políticos promovidos pela UNE, pela politização do teatro, da música popular e... pela emergência de um cinema político brasileiro. Para nos diferenciarmos da crítica burguesa que insiste em dissociar arte e política, vamos estabelecer uma crítica estética de esquerda: interessa aqui meditar sobre os possíveis erros da chamada arte revolucionária janguista. Esta mesma crítica remete-nos ao ano de 1963, quando ocorre um debate entre o movimento do Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura da UNE(tal debate se realizou em torno da revista O Metropolitano). Se no filme em questão o segundo teve o papel de produtor, longe o CPC estava em concordar com a natureza moderna da estética cinemanovista. Para os cepecistas imersos no zhdanovismo, o Cinema Novo era por demais hermético, vanguardista, o que atrapalharia o papel da arte na consolidação do pacto populista. Para o CPC nascido na cidade do Rio de Janeiro em 1961, interessava cumprir o etapismo histórico defendido pelo Partidão, sendo a Revolução nacionalista e burguesa o que estaria em jogo naquele momento.Em Cinco vezes favela, produto de uma ação conjunta entre Cinema Novo e CPC, estão delineados os limites políticos do populismo na própria forma do filme: o marxismo está presente no sentido de expor os conflitos de classe e a denúncia dos problemas sociais; entretanto a crítica revolucionária marxista não atinge o plano estético, gerando momentos mais próximos do maniqueísmo do que da dialética, mais conciliadores com a linguagem populista do que com a linguagem revolucionária.Não se tratam de curtas conservadores e tão pouco sem qualidade, mas já notamos uma certa tensão entre o cinema de autor(que requer liberdade e autonomia no processo criativo) e o esquematismo panfletário do CPC.
Mesmo antes do populismo ir para o ralo com o golpe de 64 acabando com a festa, o Cinema Novo apresentava uma clareza importante quanto ao papel social da arte: seria preciso revolucionar as formas de comunicação para se atingir uma expressão de ruptura. Glauber Rocha e Cacá Diegues reagiram e polemizaram em torno de Carlos Estevam e outros nomes do CPC: para Glauber e Cacá, arte revolucionária envolve um processo de destruição das formas burguesas, palatáveis, o que levou a um comentário preciso de Cacá na época: O que o CPC quer é a Internacional comunista apresentada em forma de twist? Não tem o menor sentido cultivar formas tradicionais, burguesas, para tratar do conflito entre proletariado e burguesia(neste ponto é sempre útil voltarmos a Maiakóvski...).
Se o Cinema Novo estava certo em relação as limitações estéticas e simplificadoras da realidade política em torno do CPC, ele não seria poupado de uma crítica posterior que afetaria ambos: a arte que se pretende revolucionária é ineficaz quando presa ao discurso da classe média esquerdista sobre o proletariado(e esta era a posição tanto do Cinema Novo quanto do CPC). Para se evitar o paternalismo, ainda que este possa revelar importantes lições estéticas, a saída envolve não o trabalhador enquanto objeto da imagem, mas o trabalhador enquanto autor do discurso audiovisual sobre a sua própria realidade. Será que esta inversão é suficiente? Certamente que não: basta observarmos o 5X favela - agora por nós mesmos . Nesta produção de 2010 realizada por Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães, moradores de favelas dirigem cinco curtas metragens, levando os próprios problemas da comunidade para a tela. Ainda que o resultado seja interessantíssimo do ponto de vista cinematográfico, falta a este filme o elemento utópico, o projeto revolucionário que exige uma estética de ruptura com a ordem estabelecida. Portanto, se é fato que o trabalhador deve filmar, este necessita de uma formação política e artística revolucionária para faze-lo(indispensável dizer que este é um dos papeis fundamentais da esquerda hoje).
De qualquer maneira, é importante revermos o filme de 1962: UM FAVELADO, de Marcos Farias, ZÉ DA CACHORRA, de Miguel Borges, ESCOLA DE SAMBA, ALEGRIA DE VIVER, de Carlos Diegues, COURO DE GATO, de Joaquim Pedro de Andrade e PEDREIRA DE SÃO DIOGO, de Leon Hirszman, são importantes registros de uma iniciativa de arte revolucionária. O realismo, ainda que por vezes esquemático, trouxe uma grande novidade para o cinema brasileiro de então, viciado pelo repertório recente das chanchadas e da Vera Cruz. Ninguém pode negar o desejo revolucionário de um filme que tenta discutir os problemas sociais do Brasil. Mesmo com seus equívocos nacionalistas e populistas, os curtas que compõem o filme não deixam de ser experiências que merecem a atenção(e a avaliação) dos cineastas militantes de hoje.
Afonso Machado
FILME: Cinco vezes favela
DIREÇÃO: Marcos Farias, Miguel Borges, Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman
ANO: 1962
LOCAL: Museu da Imagem e do Som de Campinas
DIA: 5/010
HORÁRIO: 19:30
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