sexta-feira, 4 de outubro de 2013

As polêmicas entre o Cinema Novo e o CPC:

Rever Cinco vezes favela (1962) envolve uma experiência audiovisual que leva não apenas aos erros políticos do populismo, mas a um questionamento do que seria arte revolucionária. É bem possível que neste 2013 feito de luta e contestação, o filme ainda cause discussões quanto a maneira como o cinema pode influenciar na realidade política. Se isto obviamente demanda uma resolução formal para expressar um discurso revolucionário inserido no meio de produção audiovisual, então Cinco Vezes favela traz em si uma grande contradição sobre a estética da mensagem política. Eu me lembro quando há pouco mais de uma década, este filme foi exibido num ciclo sobre o Cinema Novo no MAC(Museu de Arte Contemporânea) de Campinas, através do MIS(Museu da Imagem e do Som), da mesma cidade. Aquela iniciativa do extinto grupo CIM(Campinas Imagem em Movimento) fez com que os cinco curtas metragens embrionários do Cinema Novo, batessem fundo num contexto marcado pela ascensão do PT ao poder: as divergências políticas no seio da esquerda, levavam por parte de alguns á defesa e de outros á condenação das alianças entre burguesia e classe trabalhadora; esta questão interferia no debate estético, levando por exemplo a uma reflexão histórica sobre as relações conturbadas entre o Cinema Novo e o CPC(Centro Popular de Cultura) durante o início dos anos sessenta. Seja perante a era Jango, seja perante a então era Lula, o que era colocado(apesar das diferenças entre ambas as situações históricas) por militantes e cinéfilos de esquerda, era: caberia a arte realizar um gesto conciliador entre classes(e portanto se submeter ao tom pedagógico e populista) ou uma ruptura que expressasse plasticamente a luta de classes? Penso que neste ano, com centenas de militantes com câmeras em punho, a crítica quanto a natureza demagógica do filme Cinco vezes favela, é valida para que não se repitam as ilusões populistas em arte.
    Naquela galáxia do governo Jango, a arte era parte integrante de um amplo projeto de cultura engajada: sob a palavra de ordem " esclarecimento popular ", nos deparamos com o projeto de alfabetização para adultos de Paulo Freire, passando pelos debates políticos promovidos pela UNE, pela politização do teatro, da música popular e... pela emergência de um cinema político brasileiro. Para nos diferenciarmos da crítica burguesa que insiste em dissociar arte e política, vamos estabelecer uma crítica estética de esquerda: interessa aqui meditar sobre os possíveis erros da chamada arte revolucionária janguista. Esta mesma crítica remete-nos ao ano de 1963, quando ocorre um debate entre o movimento do Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura da UNE(tal debate se realizou em torno da revista O Metropolitano). Se no filme em questão o segundo teve o papel de produtor, longe o CPC estava em concordar com a natureza moderna da estética cinemanovista. Para os cepecistas imersos no zhdanovismo, o Cinema Novo era por demais hermético, vanguardista, o que atrapalharia o papel da arte na consolidação do pacto populista. Para o CPC nascido na cidade do Rio de Janeiro em 1961, interessava cumprir o etapismo histórico defendido pelo Partidão, sendo a Revolução nacionalista e burguesa o que estaria em jogo naquele momento.Em Cinco vezes favela, produto de uma ação conjunta entre Cinema Novo e CPC, estão delineados os limites políticos do populismo na própria forma do filme: o marxismo está presente no sentido de expor os conflitos de classe e a denúncia dos problemas sociais; entretanto a crítica revolucionária marxista não atinge o plano estético, gerando momentos mais próximos do maniqueísmo do que da dialética, mais conciliadores com a linguagem populista do que com a linguagem revolucionária.Não se tratam de curtas conservadores e tão pouco sem qualidade, mas já notamos uma certa tensão entre o cinema de autor(que requer liberdade e autonomia no processo criativo) e o esquematismo panfletário do CPC.
  Mesmo antes do populismo ir para o ralo com o golpe de 64 acabando com a festa, o Cinema Novo apresentava uma clareza importante quanto ao papel social da arte: seria preciso revolucionar as formas de comunicação para se atingir uma expressão de ruptura. Glauber Rocha e Cacá Diegues reagiram e polemizaram em torno de Carlos Estevam e outros nomes do CPC: para Glauber e Cacá, arte revolucionária envolve um processo de destruição das formas burguesas, palatáveis, o que levou a um comentário preciso de Cacá na época: O que o CPC quer é a Internacional comunista  apresentada em forma de twist? Não tem o menor sentido cultivar formas tradicionais, burguesas, para tratar do conflito entre proletariado e burguesia(neste ponto é sempre útil voltarmos a Maiakóvski...).
 Se o Cinema Novo estava certo em relação as limitações estéticas e simplificadoras da realidade política em torno do CPC, ele não seria poupado de uma crítica posterior que afetaria ambos: a arte que se pretende revolucionária é ineficaz quando presa ao discurso da classe média esquerdista sobre o proletariado(e esta era a posição tanto do Cinema Novo quanto do CPC). Para se evitar o paternalismo, ainda que este possa revelar importantes lições estéticas, a saída envolve não o trabalhador enquanto objeto da imagem, mas o trabalhador enquanto autor do discurso audiovisual sobre a sua própria realidade. Será que esta inversão é suficiente? Certamente que não: basta observarmos o 5X favela - agora por nós mesmos . Nesta produção de 2010 realizada por Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães,  moradores de favelas dirigem cinco curtas metragens, levando os próprios problemas da comunidade para a tela. Ainda que o resultado seja interessantíssimo do ponto de vista cinematográfico, falta a este filme o elemento utópico, o projeto revolucionário que exige uma estética de ruptura com a ordem estabelecida. Portanto, se é fato que o trabalhador deve filmar, este necessita de uma formação política e artística revolucionária para faze-lo(indispensável dizer que este é um dos papeis fundamentais da esquerda hoje).
 De qualquer maneira, é importante revermos o filme de 1962: UM FAVELADO, de Marcos Farias, ZÉ DA CACHORRA, de Miguel Borges, ESCOLA DE SAMBA, ALEGRIA DE VIVER, de Carlos Diegues, COURO DE GATO, de Joaquim Pedro de Andrade e PEDREIRA DE SÃO DIOGO, de Leon Hirszman, são importantes registros de uma iniciativa de arte revolucionária. O realismo, ainda que por vezes esquemático, trouxe uma grande novidade para o cinema brasileiro de então, viciado pelo repertório recente das chanchadas e da Vera Cruz. Ninguém pode negar o desejo revolucionário de um filme que tenta discutir os problemas sociais do Brasil. Mesmo com seus equívocos nacionalistas e populistas, os curtas que compõem o filme não deixam de ser  experiências que merecem a atenção(e a avaliação) dos cineastas militantes de hoje.


                                             Afonso Machado

FILME: Cinco vezes favela

DIREÇÃO: Marcos Farias, Miguel Borges, Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman

ANO: 1962

LOCAL: Museu da Imagem e do Som de Campinas

DIA: 5/010

HORÁRIO: 19:30

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