Sabemos que o artista revolucionário pode ser muito mais do que um garoto de recados de ideologias políticas. Ao mesmo tempo, para escarrar categoricamente sobre a doutrina da arte pela arte, é preciso dinamitar de vez a torre de marfim aonde se esconde o artista pós-moderno e sua patética dificuldade em participar da luta política. Para se evitar o papagaio de cartilha e o literato apolítico, precisamos trabalhar com a tensão entre a poesia de maremoto e a posição revolucionária. Dentro da literatura hispano americana, pouca gente conseguiu a proeza, a iluminação de conjugar a revolta poética com a subversão política. Na busca por referências latino americanas, temos que erguer mais uma vez as taças para o grupo El Techo de La Ballena. Este grupo venezuelano incorporou as lições de liberdade do surrealismo para criar uma poética de contestação política.
Entre os anos cinquenta e sessenta o grupo agitou a cidade de Caracas com uma nova poesia surrealista. Está aí um exemplo notável que deixa sem defesa os estudiosos que sofrem de miopia intelectual: ao considerarem o surrealismo enquanto um movimento tão somente francês do entre guerras, eles negam seus desdobramentos históricos, geradores de novas aventuras poéticas que alimentam a arte-vida comprometida com a rebelião. A natureza explosiva dessa rapaziada venezuelana estimula hoje a criação de uma poesia livre porque revolucionária, revolucionária porque livre. Muito especialmente Juan Calzadilla, estabeleceu na sua escrita a poética surrealista sem subtrair os fundamentos teóricos que exigem a contestação social. Adentrar pelos corredores do inconsciente, era para o pessoal do El Techo de La Ballena, injetar valores de independência mental, era questionar a moral dos imperialistas e da burguesia nacional. Portanto a abertura para o campo onírico não exclui as preocupações sociais, o questionamento da ordem capitalista. Isto está mais do que documentado nos manifestos anarquistas do grupo.
O legado poético do grupo El Techo de La Ballena , registrado em revistas e cadernos de poesia, nos lança um desafio: entre a pesquisa interior própria ao surrealismo e a intenção de contestação política pelo poema, podemos insistir nesta preciosa fusão para uma nova literatura latino americana. Dispensável dizer que as formas de arte revolucionária, pelo menos no campo literário, podem se desenvolver a partir deste ponto obscuro e contraditório da revolta poética.
Os Independentes
Nenhum comentário:
Postar um comentário