quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Do texto " Surrealismo: O último instantâneo da inteligência européia ", de Walter Benjamin

(...) Em todos os seus livros e iniciativas, a proposta surrealista tende ao mesmo fim: mobilizar para a revolução as energias da embriaguez. Podemos dizer que é essa sua tarefa mais autêntica. Sabemos que um elemento de embriaguez está vivo em cada ato revolucionário, mas isso não basta. Esse elemento é de caráter anárquico. Privilegiá-lo exclusivamente seria sacrificar a preparação metódica e disciplinada da revolução a uma práxis que oscila entre o exercício e a véspera da festa. A isso se acrescenta uma concepção estreita e não dialética da essência da embriaguez. A estética do pintor, do poeta en état de suprise, da arte como a reação do indivíduo " surpreendido ", são noções excessivamente próximas de certos fatais preconceitos românticos. Toda investigação séria dos dons e fenômenos ocultos, surrealistas e fantasmagóricos, precisa ter um pressuposto dialético que o espírito romântico não pode aceitar. De nada nos serve a tentativa patética ou fanática de apontar no enigmático o seu lado enigmático; só devassamos o mistério na medida em que o encontramos no cotidiano, como impenetrável e o impenetrável do cotidiano.
(...)Também o coletivo é corpóreo.E a physis, que para ele se organiza na técnica, só pode ser engendrada em toda a sua eficácia política e objetiva naquele espaço de imagens que a iluminação profana nos tornou familiar. Somente quando o corpo e o espaço de imagens se interpenetrarem, dentro dela, tão profundamente que todas as tensões revolucionárias se transformem em inervações do corpo coletivo, e todas as inervações do corpo coletivo se transformarem em tensões revolucionárias ; somente então terá a realidade conseguido superar-se, segundo a exigência do Manifesto Comunista. No momento, os surrealistas são os únicos que conseguiram compreender as palavras de ordem que o Manifesto nos transmite hoje. Cada um deles troca a mera gesticulação pelo quadrante de um despertador, que soa durante sessenta segundos, cada minuto.


                                                       Walter Benjamin, 1929.

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