quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Refletindo sobre a Literatura de 30:

A exemplo do que rola com a pintura, muita gente já tentou enterrar o romance. Tentativa inútil, já que este é o gênero literário que melhor condensa a capacidade de narrar e refletir dentro de um dado momento histórico. Não faço pouco caso de outros formatos que a prosa possui, mas enfatizo que a forma do romance(refiro-me ao romance moderno, que incorpora em seu repertório estilístico as grandes conquistas expressivas do século XX), ainda é estratégico: é no ato de narrar que a ficção se posiciona perante situações reais, fazendo do romance a grande porta de entrada literária para a análise do social, das contradições humanas em um determinado contexto histórico. Inquestionável é o fato do romance ganhar uma grande força cultural na atualidade. Creio que isto pode ser explicado pelo desejo de compreender pela narrativa quem somos nós. A garotada por exemplo, tem lido vários romances: alguns importados, que apesar dos grossos volumes são ocos no seu vago misticismo e nos enredos massificados, para não dizer pobremente americanizados. Outros romances, brasileiros, no entanto, possuem uma fome realista, um ímpeto de expor as engrenagens da sociedade, revelando por meio do registro a opressão social: estamos portanto diante da literatura periférica e também da literatura prisional. Afim de fomentar esta produção, acho importante estimular  entre os jovens escritores brasileiros das periferias(os únicos que podem devolver á literatura seu papel de intervenção social, já que boa parte dos escritores de classe média estão assustados com seus fantasmas pessoais e distantes da realidade concreta do país) o gosto pelo melhor do romance brasileiro. A principal fonte para se apreender técnicas convincentes, e que portanto permitem o abastecimento estético e temático, encontra-se na Literatura de 30.
  Dentro do recorte histórico de 1930-45, notamos o florescimento do melhor romance que a História da literatura brasileira já viu. Incorporando ao seu trabalho a liberdade conquistada pelos modernistas de 1922, escritores como Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, Oswald de Andrade(protagonista de 1922) e Patrícia Galvão trouxeram a maturidade intelectual para a nossa prosa; prosa consequente, diga-se de passagem, interessada em desvendar as realidades do Brasil. Para o atual escritor brasileiro que possui a fúria e o desejo de problematizar pela obra os dramas do nosso tempo, melhor fonte não há. Perante as transformações econômicas trazidas por aquilo que a historiografia reacionária chama de Revolução de 30(e não podemos subtrair a própria crise econômica internacional  neste processo), observamos um amplo questionamento contra as tradições oligárquicas no campo e o enriquecimento do industrial pançudo nas cidades.
  É sabido que o modernismo quis pelo escândalo redescobrir o Brasil, destruindo com a literatura de vanguarda as tradições estéticas. Acontece que a rebeldia modernista teve, com a problemática década de trinta, sair da adolescência para de fato compreender o país. Não cabia nos anos trinta, assim como não cabe hoje, ficar preso na transgressão de salão(embora muita gente ainda goste disso). Um vasto país em sua paisagem diversa apresenta diferentes tipos humanos; e é isto que a Literatura de 30 traz para o seu novo programa temático: é o povo, o trabalhador brasileiro, que passa a estar como disse José Lins, numa conferência de 1943, nas páginas do moderno romance social. Com o ponta pé dado pelo Manifesto regionalista de 1926, graças ao Centro regionalista do Nordeste, com sede em Recife, a inovação modernista deveria agora ser aliada de um sentimento que mostrasse as realidades regionais. Buscando o homem brasileiro, a Literatura de 30 é em parte definida pelo regionalismo: ao arrebentar com as formalidades gramaticais da língua culta, o modernismo permitiu a emergência de narrativas marcadas pela fala cotidiana, simples, sem rodeios e realisticamente correta em seus erros. É na denúncia social organizada a partir da tensão entre o " eu "  e o " mundo ", que o romance de 30 mostra os personagens misturados ao meio social e natural.
 O nosso nordeste, até hoje em foco nas reportagens jornalísticas quando o assunto é carência e miséria, torna-se o contexto geográfico privilegiado dos escritores. Com o romance regionalista inaugurado em  A Bagaceira(1926), de José Américo de Almeida, uma nova produção literária apresenta a crítica social; um forte instrumental literário que não fica atrás da sociologia, cumprindo a missão de fomentar pela estética realista e moderna a luta de classes. Raquel de Queiroz  apresenta uma prosa dinâmica que pela comunicação direta e simples nos mostra os problemas do Ceará, com suas terras secas e a opressão social definindo a paisagem natural/humana. Seus romances mais significativos no quadro do regionalismo de 30 fica por conta dos livros O Quinze, João Miguel e o mais á esquerda de todos Caminho de Pedras.
 José Lins do Rego fornece verdadeiros documentos literários para se entender a crise dos engenhos na Zona da Mata, promovida pelas poderosas usinas. Seu ciclo da cana de açúcar, envolve romances como Menino de Engenho. Vale lembrar que além dos temas ligados á cana, José Lins tratou do misticismo e do cangaço nos romances Pedra Bonita e Cangaceiros. Indo mais longe na crítica aos problemas sociais e políticos, encontramos Graciliano Ramos. Ele foi para a cadeia em 1936 por escrever obras como Caetés. Seu ápice literário será Vidas Secas, em que a desumanização, a incomunicabilidade e a miséria de uma família nordestina apresenta tragicamente a figura dos " viventes ". Estes se deparam com um horizonte seco, vazio, hostil; além é claro de passar pela opressão do soldado amarelo, grande símbolo da opressão política da Era Vargas.
  Já pelas bandas da Bahia, Jorge Amado é quem se destaca enquanto escritor engajado. Apesar de cair constantemente na lábia do realismo socialista(curto e grosso: a arte dos stalinistas) Jorge, fiel seguidor do Partido Comunista(a exemplo de Graciliano Ramos e Raquel, antes dela vincular-se ao troskismo), ele faz do romance regional uma plataforma política: em obras como Cacáu Suor e outros, Jorge estabelece a crítica social nas fazendas de cacau de Ilhéus e Itabuna. No ciclo do cacau, Jorge Amado nos apresenta os problemas econômicos dos trabalhadores, oscilando entre a denúncia e a propaganda política. Mas se Jorge Amado procura inaugurar no Brasil o romance proletário, quem o faz antes(e melhor) é Patrícia Galvão. Em Parque Industrial, temos neste que é o primeiro romance proletário escrito no Brasil, uma obra em que o realismo não abre mão dos recursos da literatura de vanguarda. Patrícia não opta em tratar dos dramas regionais mas do drama das operárias de São Paulo. A rotina proletária no Brás é exposta em cortes rápidos, que remetem muito ao vanguardismo de Oswald de Andrade: por esta época, Oswald aventurava-se no romance social(como A Escada, por exemplo), mas dá seu recado revolucionário mesmo com sua dramaturgia política nas peças O Rei da Vela, O Homem e o Cavalo e A Morta. Não que a experiência do romance social em Oswald seja de se jogar fora: Os dois volumes de Marco Zero , ou seja A Revolução melancólica e Chão, publicados na década de quarenta, são tentativas muito competentes de se criar um romance mural, popular e revolucionário, acerca de uma exposição minuciosa sobre a sociedade paulista em meio a agitação social e política de 30(a chamada Revolução de 32  é apresentada com maestria pelo autor).
 Portanto,não é apenas do regionalismo que vive a Literatura de 30: Pagu e Oswald no auge do seu engajamento comunista, legam obras de cunho social, realista, mas ao mesmo tempo atentas ás técnicas de vanguarda, incluindo aí a transgressão na forma literária e nos comportamentos sociais vigentes(são inegáveis em alguns momentos as heranças diretas do movimento antropofágico de 1928-29).
   Há muito, muito mais autores e obras. O que acabo de escrever é apenas uma tira gosto para estimular a pesquisa literária entre os romancistas engajados de hoje.Seja tematizando a cidade ou as regiões isoladas do país, creio que cabe ao escritor continuar desvendando as realidades: ao expor a miséria do povo, o romancista exerce um papel de conscientização política pela sensibilização e pelo raciocínio objetivo. A herança árida, bruta e direta dos escritores de 30 deve ser cada vez mais estudada e colocada em prática. Eis a práxis da literatura moderna.


                                        Geraldo Vermelhão

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