O muralismo mexicano em seu aspecto monumental, ainda faz uma grande sombra sobre as artes plásticas. Com o desgaste da chamada arte contemporânea, está na cara que os artistas engajados não podem mais ficar a mercê de inúteis instalações, ou de performances derivadas da estética do umbigo e das obsessões sexuais-fetischistas da pequena burguesia. A crise da arte não está situada fora da crise do capitalismo, sendo que a arte tende ou a negar a si própria ou engajar-se no combate político. Se o abstracionismo levou a incomunicabilidade da forma e as pesquisas oníricas á banalização do conteúdo(os companheiros do blog simpáticos ao construtivismo e ao surrealismo que me perdoem...), precisamos então fincar os pés na realidade política: se a arte não se comunica com o povo, ela pode ser tudo menos revolucionária. Esta é a primeira lição da moderna pintura mexicana, comprometida com a identidade cultural do povo e ao mesmo tempo clara em suas intenções políticas. Vamos deixar de lado os assassinos da pintura, que tentam inutilmente defender sua superação, e utilizar o bom senso da arte figurativa: esta é a estratégia daqueles que optam em pintar o que existiu, o que existe e o que poderá existir. Isto é muito claro para os grafiteiros do nosso país, que tendem a ganhar muito em termos de técnicas expressivas estudando o muralismo mexicano.
A pintura mural no México remete-nos até a América pré-colombiana, quando as paredes dos templos retratavam as crenças e os costumes populares(o templo de Yucatán personifica isso). Mas quando me refiro aqui ao muralismo mexicano, trata-se de um movimento histórico que traduz em pinceladas o processo revolucionário do México iniciado em 1910. Durante primavera de 1920, José Vasconcelos é nomeado ministro da cultura do governo do presidente Alvaro Obregón. Vasconcelos é o marco zero do muralismo moderno, afinal foi graças a ele que instaurou-se uma amplo programa educativo para o povo mexicano. Sendo uma dimensão fundamental desta política de formação popular o uso da pintura mural em edifícios públicos, surge um espaço considerável para a atuação política do pintor. Foi o próprio José Vasconcelos que encarregou-se de trazer da Europa artistas mexicanos, que após tomarem contato com as principais lições dos movimentos artísticos de vanguarda, estavam prontos para colocar as novas técnicas artísticas a serviço de uma estética anticolonialista: Diego Rivera, David Siqueiros e José Clemente Orozco(para citar os mais conhecidos) ergueram um patrimônio plástico no qual os trabalhadores mexicanos viam a sua própria face explorada. Em sua função educativa, a pintura ensina as tradições indígenas massacradas pelo colonizador, conta criticamente a formação histórica do México(denunciando claramente a violência da Conquista espanhola durante a colonização) e apresenta os camponeses e operários mexicanos em luta contra o latifúndio e a exploração capitalista.
O cavalete enquanto símbolo da arte burguesa, estaria longe de ser a estratégia utilizada pelos pintores mexicanos empenhados em se comunicar objetivamente com o seu povo. Enquanto que o cavalete corresponde a uma realidade técnica de museus no qual um pequeno número de espectadores pode contemplar a obra de arte, no caso da pintura mural é devolvida aos trabalhadores a oportunidade de ver, sentir e aprender com as imagens que vão até o povo. Trata-se de um projeto de arte pública, voltado para a instrução popular e para a agitação política. Não que os artistas mexicanos fossem unânimes em sua visão de mundo, seja do ponto de vista artístico, seja do ponto de vista político. Orozco fazia restrições tanto ao uso indiscriminado do folclore quanto ao caráter de propaganda política da pintura. Já Rivera e Siqueiros possuíam divergências políticas, sendo o primeiro trotskista e o segundo stalinista: Rivera hospedou em sua residência o próprio Trotski, ao passo que Siqueiros esteve envolvido numa tentativa de assassinato do líder soviético.
Divergências á parte, o que vemos é o florescer de uma vanguarda latino americana que participa ativamente da luta política. Uma iniciativa concreta disso foi o Sindicato Mexicano de Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores, que contou com um manifesto de 1921 redigido por Siqueiros. Conjugando organicamente ação política e ação artística, este sindicato tinha sua voz no jornal El Manchete, participando inclusive do trabalho realizado pelo PCM(Partido Comunista Mexicano). Falando em especial dos registros artísticos legados pelo muralismo mexicano, são vários murais que promoveram uma espécie de renascença da pintura naquele país. Podemos citar os murais encomendados para as paredes dos dois pátios da Secreteria de Educación Pública do Ministério da Educação (este projeto foi chefiado por Rivera).
Que fique registrado aqui o poder político da arte por meio dos murais. Neste momento de greves e agitação política no Brasil, a pintura pode agir sobre a sensibilidade, acelerando e sedimentando a consciência de classe. Que os companheiros aprendam com a pintura mural dos mexicanos.
José Ferroso
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