segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A ditadura tinha medo do Zé do Caixão:

Alguém mais desavisado poderia achar que o nome do personagem cinematográfico Zé do Caixão, não teria muito a ver com a proposta do nosso periódico. Mas acontece que este personagem, mais maravilhosamente perigoso do que Drácula, Frankenstein, o lobisomem e a múmia ao mesmo tempo, é um sujeito extremamente subversivo: ainda que o cineasta e ator José Mojica Marins não realizasse nos anos sessenta um cinema propriamente político, isto é, engajado como aquele produzido na mesma época pelo pessoal do movimento do cinema novo, o fato é que o regime militar partiu pra cima dele. Sendo assim é inevitável que o público de cinema trash, mesmo entre aqueles que não se interessam por assuntos políticos em arte, não deixe de perceber os elementos transgressores do gênero do horror.
   O personagem de Zé do Caixão é definitivamente um cara sobrenatural: capaz de transitar entre o mundo do pop e do underground, ele ainda está na ativa, recebendo o devido reconhecimento. Mas nos anos  sessenta, quando os militares instalaram todos os pecados na política e todos os tabus na cultura, Zé do Caixão era dotado de uma grande capacidade para assombrar a burguesia brasileira. Estando pau a pau com os filmes de horror ingleses da extina Hammer, o cinema de Mojica perturbava no plano dos costumes, da moral. Se a ditadura era portadora de mitos maniqueístas, das noções de bem e de mal, Zé do Caixão era um niilista que rejeitando o céu e o inferno buscava uma mulher " avançada " para ter um filho. O agente funerário carregava na sua capa a irracionalidade que desafia as autoridades, enquanto que suas unhas rasgavam as convenções sociais, o bom gosto, a atmosfera clean necessária para o apaziguamento da consciência na perpetuação da moral burguesa.
  Os filmes de Mojica são clássicos do horror porque revelam o lado repugnante e sombrio: estas também são qualidades para se pensar uma arte combativa(o filme Esta noite encarnarei no teu cadáver, de 1966, seria o exemplo preciso disso). Um outro filme curioso seria O despertar da besta(O Ritual dos sádicos, de 1969) aonde a discussão sobre drogas e perversão sexual levou a um verdadeiro marco do cinema underground. O filme captou as formas da contracultura, da onda psicodélica, possuindo cenas tão oníricas que chamou a atenção da rapaziada do chamado cinema marginal: Rogério Sganzerla e Júlio Bressane, por exemplo, se amarraram no longa.
  Se o cinema de horror anda em parte banalizado e sem assustar ninguém é porque falta provocação; e isto tem de sobra no ótimo cinema de Mojica.


                                                                         Marta Dinamite 
 

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