O conceito de Revolução permanente enquanto aspecto central do trotskismo, está muito longe de restringir-se aos âmbitos político e militar. Tais dimensões não se separam de uma radical transformação do modo de vida, em especial das formas de percepção da classe operária. A questão estética surge na Revolução permanente não enquanto filha bastarda ou ferramenta submetida aos interesses políticos imediatos de uma burocracia. Na visão trotskista a arte é, pelas suas próprias leis, um fator decisivo na consolidação das mudanças culturais que expressam mundialmente a luta de classes. Este diagnóstico para uma arte revolucionária internacionalista é hoje evidenciado, por exemplo, pela atuação e pelo trabalho do artista e teórico trotskista brasileiro Thyago Villela. Graças aos diálogos que tenho a oportunidade de travar com este precioso amigo, é que posso observar a inclinação(ainda que subterrânea) de uma crítica cultural de tipo internacionalista. Esta mesma crítica terá um papel fundamental no desmoronamento dos mitos nacionalistas defendidos por governos populares latino americanos, que por sua vez estão atrelados ás burguesias pautadas pelo neoliberalismo.
Sob o aspecto econômico mais elementar, o século XXI comprova a insuficiência de uma Revolução dentro dos quadros do nacionalismo. A interdependência de recursos materiais entre os países vem, mais uma vez, legitimar o proletariado enquanto único sujeito histórico capaz de destruir a escravidão promovida pelo capital. A correspondência entre os acontecimentos políticos que exprimem os conflitos sociais no mundo de hoje, revela que o combate da classe operária ao imperialismo situa-se numa perspectiva internacional e não nacional. A luta política(que inicia-se nacionalmente, projeta-se internacionalmente e finalmente em escala mundial) requer que o proletariado fortaleça sua ideologia a partir de uma orientação cultural compatível com o internacionalismo revolucionário.Hoje precisamos nos livrar definitivamente do esquerdismo nacionalista que deturpa os objetivos históricos do socialismo. A velha arte nacionalista incrementada por um escudo folclórico, verdadeiro refúgio das idealizadas(e sentimentaloides) visões sobre as tradições artísticas populares, foi um grave erro da esquerda nos países capitalistas pobres.Evidentemente que as manifestações artísticas populares possuem um papel inestimável na criação das formas de arte revolucionária. O problema no entanto consiste em uma apropriação ideológica na qual a esquerda nacionalista procura fazer uso da cultura popular para justificar o isolamento político. Trata-se por exemplo do que os stalinistas fizeram no Brasil com o samba e com as literaturas regionais. Felizmente estes obstáculos para uma verdadeira arte revolucionária encontram-se decadentes, praticamente fora de combate.
Se arte é trabalho então o artista militante é um trabalhador empenhado numa visão cosmopolita: sua obra adquire impacto e relevância social nos mais distintos contextos culturais. O artista revolucionário expressa a liberdade total numa realidade de não liberdade, de opressão econômica e controle ideológico. Este artista, tematizando ou não os problemas sociais em sua obra, é definido por um estado permanente de revolta contra a ordem estabelecida. Seja exprimindo o ódio de classe, seja experimentando possibilidades expressivas que transgridem os códigos da cultura dominante, o artista revolucionário atua na dimensão cultural da Revolução permanente: ignorando as fronteiras nacionais este artista é tomado por um estado de espírito que, como refere-se Trotski, impede o equilíbrio social, a estabilidade dos costumes e dos comportamentos. É o negativismo, verificado por exemplo entre os surrealistas, que fere/interfere sobre a cultura estabelecida.
Não creio que esta dimensão cultural da Revolução permanente diga respeito tão somente aos trotskistas. Anarquistas dedicados aos problemas da arte e comunistas críticos ao nacionalismo artístico, podem encontrar nesta visão política um suporte teórico para suas práticas culturais. Com a luta de classes ameaçando colocar em cheque os surtos nacionalistas num ano de Copa e Eleições, a arte revolucionária internacionalista fundamentada na Revolução permanente poderá dar uma contribuição ímpar durante este 2014.
Afonso Machado
Nenhum comentário:
Postar um comentário