sábado, 1 de março de 2014

Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme-manifesto:

Retomando o nosso ciclo de filmes Revisão Crítica do Cinema Novo, uma iniciativa desta publicação com o Museu da Imagem e do Som de Campinas, exibiremos esta noite nada menos do que o emblemático longa Deus e o Diabo na Terra do Sol(1964), de Glauber Rocha. Já pararam pra pensar o quanto existe de atrevimento cultural nesta exibição? Faço esta indagação com base no atual cinema brasileiro, que hoje não se contenta mais em xerocar Hollywood e telenovelas mas torna-se extensão ideológica direta da cultura conservadora. Mas para nós, um número reduzido de militantes e artistas em desacordo permanente com a sociedade burguesa, interessa mesmo é a busca por estéticas empenhadas na destruição dos valores estabelecidos. Sendo assim, nada mais oportuno do que colocar o longa de Glauber enquanto expressão plástica de uma genuína manifestação de arte revolucionária.
  Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme que ilustra, pela conjugação entre violência, miséria e poesia, o projeto de uma Estética da fome. O filme traz um novo estágio de consciência crítica da realidade do subdesenvolvimento, tornando-se o suporte por onde Glauber irá delinear o seu clássico manifesto Estética da Fome, de 1965. No texto, apresentado durante uma retrospectiva do cinema latino americano em Gênova, Glauber parece converter em teoria o resultado visual de Deus e o Diabo:  (...)"Do Cinema Novo: uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária., eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado; somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender , pelo horror, a força da cultura que ele explora "(...). Glauber Rocha sabia que realizar filmes envolve a própria realização de uma arte que expresse o confronto político entre países capitalistas ricos e países capitalistas pobres. É exatamente esta consciência que brota num filme isento de demagogia e exotismo na abordagem da cultura popular nordestina. Trata-se de um produto cinematográfico que em suas variadas referências estéticas(a literatura de cordel, a música de Villa Lobos, o cinema de Eisenstein, etc) consegue, como dizia o próprio Glauber, fotografar enquanto problema político aquilo que a Literatura de 30 havia denunciado enquanto problema social; aliás como já foi comentado aqui em outras ocasiões, como são extraordinárias as correspondências estéticas e temáticas entre o movimento do Cinema Novo e a produção literária regionalista da década de trinta... 
  Contrariando as normas da indústria, que hoje aparecem como algo " natural ", inerentes á produção cinematográfica, o filme de Glauber encontra em mitos populares os signos de uma rebeldia que abastece a luta política anti-imperialista. O beato e o cangaceiro são arquétipos que mesmo em suas contradições, fornecem abaixo do sol nordestino, uma simbologia do desacordo, uma antítese que desafia o poder local dos coronéis e configura-se, em última instância, em uma rica oposição á cultura de uma classe identificada com valores norte-americanos. No filme, o vaqueiro Manuel e sua esposa Rosa vivem a esquizofrenia do beatismo e do cangaço; ambos  massacrados alegoricamente pelo personagem de Antonio das Mortes. Quer dizer, seja pelas mãos do beato Sebastião, seja pelas mãos de Corisco, o homem e a mulher reagem instintivamente contra a opressão. Do ponto de vista dramático é interessante notar como Brecht é utilizado de forma pioneira , sendo um ingrediente fundamental na arte violentamente poética de Glauber. 
    No Brasil de hoje, quem está envolvido com um cinema fora do eixo, precisa de referências revolucionárias. A poesia do cinema de Glauber Rocha ainda é antídoto contra o gosto artístico de uma classe média que tomou para si o gosto do colonizador.


                                                                                  Geraldo Vermelhão 

FILME: Deus e o Diabo na Terra do Sol

ANO: 1964

DIREÇÃO: Glauber Rocha

LOCAL DE EXIBIÇÃO: Museu da Imagem e do Som de Campinas

DIA: 1/03

HORÁRIO: 19:30
  

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